sexta-feira, 14 de julho de 2017

como o clube da luta salvou a minha vida

baseado em fatos reais (e também não).
[where is my mind plays softly in the background]



se eu tivesse que escolher um filme para a minha vida, que mudou ou me marcou (ou ambas as coisas) eu diria que foi clube da luta. sério. não é coisa de gente cheia de frescura, não é cultismo, é na verdade uma memória muito viva que tenho da primeira vez que me deparei com a trama e tudo o que a envolve e na minha idade na época em que vi.

em dezembro de 1999, quando a globo anunciou os seus filmes que iriam estrear na tela quente no ano seguinte -- que era quase um evento para mim, conferir todos os bons filmes e os filmes que eu e minha mãe avaliávamos em "eita esse eu quero ver" e "nhe" -- anunciaram este filme que iria passar no ano 2000.

o lado ruim disso, de depender desse tipo de coisa é que quando se é criança a ansiedade não espera tanto tempo, e, na época o anúncio era feito e a promessa era que em alguma segunda feira das 52 possíveis, o filme iria passar.

pois bem, eu comentava com os meus amigos da escola, comentava com meus familiares, e eu era moleque porradeiro, sabe? meu jogo favorito no super nintendo foi sempre o ultimate mortal kombat 3 e não o super street fighter 2 porque o mk3 tinha sangue na hora que batia -- eu não conseguia conceber uma pessoa que não sangrasse se eu batesse -- some-se a isso os animes caceteiros da rede manchete como shurato e yu-yu hakusho. eu era muito feliz e inocente.

quando o filme estreou, e eu não lembro quando foi, mas foi antes de julho de 2000, porque nesse período eu já não estava mais na casa em que eu lembro ter visto (e a internet é rica mas não tão rica pra me oferecer esse tipo de informação) eu tive duas impressões: a primeira de decepção porque a luta em si realmente quase não acontecia e o clube só tinha em poucas partes do filme, e a segunda era por que o ator não para de falar e não parte logo pra porrada?

não estou dizendo que achei ruim, eu tinha 8 anos quase 9 na época, eu precisava de ação, eu queria ver o que eu via em animações em live action, mas aquilo não aconteceu e, incrivelmente, isso não me pareceu de todo ruim, porque os plots do filme me fizeram passar anos, eu disse, anos da minha vida pensando naquele filme.

meus colegas de mesma idade acharam o filme uma bosta, primeiro porque a porrada não acontecia, segundo porque eles acharam o final uma merda. eu não comentava, guardava aquilo comigo, e ficava pensando no conceito de alter ego (ele usou essa palavra na dublagem brasileira) e, eu que nunca fui de ter amigo imaginário mas imaginava muitas coisas, se seria possível alguém enlouquecer a ponto de enxergar alguém tão melhor que você.

então eu me mudei para maranguape.

e a partir daquele dia eu comecei a fazer uma propaganda do filme desmedida -- mas eu a fazia da maneira errada, mentindo compulsivamente que em fortaleza existiam clubes da luta inspirados nos filmes, para que assim as pessoas viessem e contassem que assistiram o filme e assim eu poderia entender se todas as pessoas que eu conhecia não iriam ter o mesmo sentimento que eu tive sobre o que eu vi.

bem, houve uma época em que eu desisti, principalmente quando eu tive que fazer a minha primeira comunhão e eu tive que controlar o nível das minhas mentiras, porque na minha cabeça eu mentia muito, mas na verdade não era tanto assim, mas isso eu só vejo hoje -- e essas mentiras, a medida em que eu mais ia crendo no que eu estudava, mais me davam pavor de morrer queimado no inferno.

desde criança eu sempre imagino como ocorrerão as piores situações possíveis, isso é claro; e, se de repente eu morresse cheio de mentiras nas minhas costas, deus, eu era muito jovem para queimar no inferno (entenda, eu tinha mais medo de queimar no quinto dos infernos do que de morrer) eu só tinha 9 anos.

então chegou o dia da primeira comunhão e, momentos antes de começarmos a cerimônia, era preciso se confessar, certo?

chegando no confessionário, o padre perguntou o que você tem a dizer meu filho e eu não sabia o que dizer, eu fiquei mudo, o padre deu uma olhada pelos buracos do confessionário, aquele olhar inquisidor, e então eu disse, padre eu faço parte do clube da luta, sabia? e ele perguntou o que era, daí eu disse que não podia dizer, mas que eu gostava de fazer o que eu fazia e que de onde eu vinha isso era normal.

o padre riu, percebeu a encenação e disse: vá ali e reze cinquenta pai-nossos e cinquenta ave-marias.

sabe o que foi estranho? a sensação de mentir para o padre, falar aquele monte de coisas e se sentir especial por um momento, abraçar aquela sensação, que depois eu descobri que tem um nome, que é decadência.

ou, decadence avec elegance.

mas eu não era nenhum edward norton, imagine então brad pitt.

daí, finda a cerimônia, perguntei na saída da igreja quantos pai-nossos meu amigo, marcos aurélio, tinha rezado e ele disse que apenas dez.

foi aí que eu percebi que o único prêmio que ganhei naquele dia por ter mentido foram 40 pai-nossos e 40 ave-marias a mais que meus colegas de primeira comunhão.

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