terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sem nome nº 120

que mordaças são essas
que me aquecem a boca
encharcada de sangues
de outras eras?

que mão é essa
que estrangula minha garganta
com unhas negras
e força meu silêncio?

quem são esses fantasmas
que me perseguem
silenciosamente
pelas sombras da cidade?

de quem é esse grito
que abafa o som
de tantas vozes --
seriam eles, meus algozes?

que bala é essa,
que não é perdida,
uma vez que meu corpo
está caído na esquina?

eu continuo ouvindo passos
na calada da noite
marchando uniformemente
todos em direção ao abismo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

uma para stan lee


para stan lee
com carinho e saudade

o homem por trás de um mundo criado sobre nanquim e cores.

veja bem: criado, não inventado. o que poderia muito ser sentido ao passo que mutantes e adolescentes que escalavam paredes podiam se cruzar nos prédios de nova iorque, ao mesmo tempo que deuses nórdicos poderiam sair de uma batida de cajado e deuses gigantescos poderiam decidir o destino da humanidade segundo o seu bel-prazer.

a caneta e o lápis de jack kirby poderia fazer milagres, mas o impulso, a máquina de produzir argumentos infantis que se transformavam em verborragia absoluta, também tinham lugar na hora de fazer perceber que aquele mundo fantasioso também tinha lugar no nosso mundinho sem graça.

meu primeiro contato com as criações de stan lee foi em 1996, aos 5 anos, quando meu pai trouxera uma edição de "a teia do aranha" a qual havia um embate entre o cabeça de teia e kraven, o caçador. daí em diante passei muitos anos perturbando minha prima, ana, para me trazer mais revistas do homem-aranha, mas também dos x-men, e do wolverine, os quais passavam por mais uma crise contra a sua própria existência no arco "operação tolerância zero". o homem-aranha que acompanhei estava sendo caçado e vivia o arco "crise de identidade" e, de 1998 até 2000 foram muitos lanches que economizei para comprar quadrinhos da marvel. a banquinha na rodoviária de maranguape não me deixa mentir.

passei pela crise da adolescência e abandonei os quadrinhos só para retomá-los, já adulto e perceber com outro olhar todos aqueles heróis. e, claro, me fez voltar a desenhar, criar, porque, quem me conhece sabe: não sei ser expectador do que amo: eu preciso fazê-lo também.

e só aí, vi a genialidade de stan lee, mesmo que haja detratores, como sempre hão de ter, stan lee conseguiu o que poucos conseguiram na nona arte: trazer problemas reais de pessoas reais e pô-los nas páginas e, ao passo que problematiza, os traz como as maravilhas que são, dentro de suas complexidades, dentro dos poderes que eles têm na vida real para existir e persistir. mas isso todos sabem (ou não sabem?).

os x-men, como uma representação dos movimentos sociais dos anos 60; o homem-aranha como uma visão do adolescente nerd excluído até mesmo entre os excluídos; a família desfuncional do quarteto fantástico, que mesmo dentro de suas características tão próprias, permanecia unida... e o legado que ficou disso nos deu o pantera negra, nos deu luke cage, nos deu demolidor, o surfista prateado e suas parábolas refletindo o universo enquanto o cruza e enfrenta o devorador de mundos...

stan lee já não escrevia há muito tempo, mas dentro do seu espectro pudemos vivenciar um renascer de super heróis ao lugar que eles merecem, ao mesmo tempo que podemos nos debruçar por muitos anos sobre as suas criações e nos inspirar, mesmo que de maneira indireta, a entender que, quem quer que sejamos, temos o nosso lugar no mundo e podemos ser incríveis.

aliás, podemos ser marvels*.

e stan lee, garantiu seu lugar no mundo, levando consigo poderes cósmicos e reformulando um universo inteiro para que possamos, ainda, existir e resistir da melhor maneira que pudermos.

nunca pude conhecer o homem por trás das criações que fizeram algumas das minhas melhores leituras da madrugada ao longo desses últimos anos, mas sei que a sua influência, de alguma maneira, guiou-me pelo caminho que sigo hoje. a stan lee o meu mais profundo agradecimento por ter existido e feito o que fez (por muita gente).

excelsior!

*(marvel = maravilha)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

depois do fundo do poço

percebi com os meus olhos baixos
que o caminho que seguimos
é cada vez mais sombrio.

por mais que arregalasse meus olhos,
por mais que acendesse as luzes,
estávamos caminhando
ladeira abaixo nessa escuridão.

o porão do fundo do poço
foi descoberto

e cada um de nós caminhou,
uns a contragosto
outros por vontade própria
e uns, ainda, empurrados sem saber,
nesse piche
que queima e gruda na pele.

o sangue negro e do índio
correm pelas nossas mãos,
pelas nossas calçadas,
mas cada vez menos
são bombados
pelos nossos corações.

quando assim fechar-se a tampa do alçapão
vamos dar conta
que o último prego
da tábua que fecha este lugar escuro
ao qual fomos jogados sem escolha,
é o único lugar possível
para aqueles que já estavam tão próximo dele
mas que tinham medo de estar lá.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

morrer de viver de morrer

o que é a morte
pra que se vive
porque não se morre
quando se quer
sem dor
sem trauma
sem alma

por que morrer tem que doer
em mim
e em você
e em você
e em você

por que morrer não é como uma viagem
longa, distante e sem previsão de volta
por que?

morrer dá sentido à vida
ou a vida é
fator da morte
tudo é certo
inclusive
que ninguém precisa
morrer

tem tempo para vir
e tempo para ir
com livros que não vieram
e livros que nem fomos
filmes que virão
e filmes que nem vimos
e há também
tanto amor no mundo
que não sabemos
como mensurar.

morrer é bom
quando se morre

existem mil razões para ir
tão poucas para ficar,
o pêndulo balança
para qualquer justificativa
igualmente – seja porque somos pequenos demais
ou grandes demais
para tão pouco espaço
morrer é solução
para quem busca mudar
e não muda porque não há espaço
ou existe
espaço demais
nesse mundo que é universo.

apenas tente,
apenas fique,
há tantos cafés
e delícias
e palavras
que vão ficar vazias
sem que exista uma voz
para dizê-las

há tanto amor para se dar
receber
e fazer

tantas pessoas para
conhecer
matar
e morrer

mas não você.

existe esse relógio que pende
o relógio do fim do mundo
o relógio do fim de tudo
vamos contar esses segundos
e ver
até onde o nosso corpo aguenta
porque morrer
vai doer sempre
se não em mim
mas em você
em você
e em você.

todos dizem eu te amo


poema2
para b.b. – porque toda palavra tem valor
e existem mil maneiras de dizer o óbvio.

todos dizem eu te amo mesmo sem amar
mesmo que o amor seja esse conceito
transmorfo, amalgamático, verbo intransitivo: amar.
todos dizem eu te amo, sem nunca sequer
terem sido amados por alguém
que não tem razão nenhuma de amar.
quantas pessoas acreditam em você?
quantas pessoas são o que são inexplicavelmente
e você não critica, não julga, apenas ama.
quantos amigos, barbados, carecas, feios,
pobres, miseráveis, leprosos, aleijados ou calejados
você confia e fia-se sem saber
que em algum momento, nas palavras que não foram ditas,
há amor?
o amor é isso e aquilo mas é também uma coisa
e todos amam sem nunca ter amor.
amor não é bom dia, mas bom dia pode ser amor
um beijo, um abraço e até mesmo
nenhuma palavra, nenhum toque,
contém mais amor do que dizer
eu te amo.
“eu te amo” “por que” “porque te amo”, e o resto não importa.

eu te amo porque o céu é azul, mas às vezes é cinza
e a chuva que cai faz com que a gente pense um no outro.
eu te amo porque o ônibus demora e me irrito
pensando que te ter comigo não me faria irritado o tempo todo.
eu te amo porque eu mesmo me amo
e por conhecer o amor me sinto seguro em amar.
eu te amo porque comprei no supermercado hoje
a lasanha que você mais gosta.
eu te amo porque quando eu vou dormir
meu coração está tranquilo – e eu contigo sonho
mas se não sonho, tudo bem.
eu te amo porque o amor existe
e se ele existe, é no teu peito que eu encontro.
não porque você é única,
não porque eu preciso,
não porque estamos juntos,
ou porque hoje é seu aniversário.
eu te amo porque o agora é agora
e não depois – e o que seria antes, agora já passou.
todos dizem eu te amo,
inclusive eu, que te amo tanto.

poema rápido para as paranoias recentes

dia e noite a gente se fala
é engraçado pensar
que parece que a gente se conhece
quando tem tanto por dentro
que ainda me faz duvidar
quando bate aquela paranoia tal hora
da madrugada
quando você dorme
e eu fico acordado, fitando o teto,
pensando em fumaças
e onde é que eu comecei a te perder.
mas eu não te perco
a gente se acha
mas eu não quero me achar
ficar todo pomposo, cheio de mim.
eu gosto dessa humildade quase servil
que eu te ofereço
de nunca ser bom o suficiente
porque nunca sou
porque nunca serei
porque sou homem
e isso é tudo o que posso ser.
eu te entendo, eu penso que te conheço,
mas sei o que há agora
o que vem depois é bom saber na hora
em que a gente ri
só quando os dedos acariciam o pescoço
e cê se retorce com um sorriso e uma gargalhada.
nesses instantes, até o meu sopro
te faz rir
e quando cê ri
eu deixo fluir um rio inteiro de felicidade
que fica aqui dentro
esperando qualquer lágrima ou saliva
pra se encher
e voltar a preencher versos
quando na verdade eu só penso mesmo
é em pegar um ônibus e um táxi
descer na tua porta
dar boa noite ao porteiro,
desembocar minha mochila no canto da parede
e dormir agarrado ao teu braço
de calça, descalço
sem medo do tempo
sem pensar em nada
só naquele momento
em que a gente se esquenta
mesmo que não precise
nesse calor das noites de fortaleza.

27

eu tenho medo do tempo,
embora eu negue
e finja que o aceite.
sei lá,
27 anos, parece que foi ontem
que eu estava feliz
porque tinha uma trilha enorme pela frente
e eu quebrei tudo
e mudei o percurso
e me desfiz em nada.
eu sou muito sonho, sabe?
e isso é tenebroso.
fico recheado de planos,
falo alto como se estivesse sempre
respondendo a perguntas imaginárias
feitas em um late night.
eu sou sonhador demais
e a gente que flutua no sonho
só sabe reclamar da realidade.
27 anos
a idade onde os gênios morrem.
já foi a janis, o jimi, o jimbo, o kurt e a amy.
ainda teve o johnson e ainda vai ter mais gente.
eu achei que um dia seria eu,
por mais humilde que eu tentasse ser,
eu sempre sonhei que seria grande,
sempre quis ser um reflexo invertido da minha realidade
quando na verdade,
você só pode ser o que você é.
27 anos – ainda tem um ano pela frente
pode ser que eu morra,
pode ser que eu viva,
o resultado é indiferente,
é só mais um,
não é gênio,
mas conhece os gênios,
quis ser um,
grande promessa,
se bem que o lil peep morreu com 21
e já era gênio.
aos 21 eu era promissor, como a maioria das pessoas que eu conheço.
aos 21 eu era ovelha negra da família
eu tinha orgulho de mim
e queria morrer,
hoje eu tenho vergonha do que me tornei
mas quero viver,
vai saber o que me aguarda.
pode ser que alguma coisa aconteça –
eu só preciso de uma chance,
afinal, estou cada dia mais próximo dos 30,
que é uma idade estranha.
eu lembro do meu pai com 30,
eu lembro da minha mãe com 30.
eu tenho medo do tempo, porque ele existe
e a gente passa por ele, e não o contrário.
um dia a gente passa
e ele fica
e o que resta é nada mais que um resquício no tempo
e meia dúzia de palavras que alguém deixou para
meia dúzia de pessoas.

fortaleza, 18 de julho de 2018:
eu fiz 27 anos e quero viver.

culpado demais

a quem um dia fiz mal.

carrego muita culpa na bagagem
algumas delas eu nem gosto de proferir em voz alta.
eu sinto muito
mas não faço nada
não há mais o que fazer.
só seguir nessa de ir mudando,
aos poucos,
se desfazer, se desconstruir, se perdoar, pedir perdão
e entender que o karma existe,
o universo também, e ele revolve tudo.
a culpa é pouco.
como dizia o verso do meu primo,
a culpa é de quem pede desculpa,
eu sei, eu sei, eu sei.

já dei muitas desculpas,
algumas ainda estão por vir,
mas cada uma dessas desculpas
é como se eu arrancasse um pedaço da minha pele.

e é pra ser assim,
afinal, quem mandou, não é mesmo?

não há um único dia
em que eu não me pergunte
o que eu fiz pra merecer o que passo,
quando basta olhar pra trás
e ver que fiz muito
fiz demais
e é bem-feito.

agora, é colher os frutos podres,
os louros secos e as ervas daninhas
que estão estampadas no jardim do meu rosto
em forma de olheiras.

a última dança (ou o baile de sangue)



Latina Dancing painting - Unknown Artist Latina Dancing art painting

e houve este dia
em que o baile parou
as máscaras caíram
e todos se assustaram com o que viram.
seus pares, que antes dançavam sem se conhecer
passaram então
a ver quem era quem
sem atentar aos detalhes
da mão que apertava
mais que o normal
a outra mão
que queria que a valsa continuasse
porque a dança era, em si,
algo que tendia a satisfação.
e houve o grito de horror
de milhões de vozes
que vociferavam um uivo lúgubre
e como nunca
pudemos perceber que a valsa era,
na verdade,
uma armadilha.

os rostos eram feios,
dentes armados
para morder
a carne dos seus comuns,
e fazer sangrar
um baile de sangue.
mas as máscaras só foram entregues
antes do baile começar,
os convidados chegaram
sem elas,

e o que se seguiu
não deveria surpreender.
então deu-se a matança
e uma cruz pesada,
caiu sobre os convivas
e só depois,
percebemos que jesus não estava naquela cruz.
o cheiro era de chumbo,
os sapatos eram botas coturnos,
e as roupas eram camufladas
como os seus rostos.
e não sabíamos,
não poderíamos imaginar,
o tamanho do orgulho
que eles sentiam
na hora de abrir nosso tórax
com unhas sujas
e retirar de dentro de nós
o nosso sangue.

quando a matança enfim acabou,
o que se seguiu foi que a banda
continuou
e ao invés de lanceios e braços e pernas
ouvíamos marchar
botas e baquetas
que conduziam nossos semelhantes
ao abate final
onde dançar seria proibido
porque aquela seria a última dança
desde agora,
até o infinito
para o terror de nossas crianças.

quando no futuro perguntaram
o que se sucedeu ao baile
as pessoas riram
e diziam que o sangue
era tinta
que as botas
eram de palhaços
e que os gritos
eram gargalhadas
e que as máscaras
eram rostos pintados.
o baile nunca existiu,
o baile era uma desculpa
para que covardemente pensássemos
que poderíamos estar juntos
sem culpa.

arquitetura e verso

linhas retas, calungas e esquadros.
escalímetros, balanços e planos básicos.
as mãos fixas, seguram o compasso,
a mão tece uma linha, ponto a ponto e projeta no espaço.

obra de concreto feita pelo homem de barro.
obra de vidro feita pela mulher sem nenhum reparo.
a arquitetura das coisas é obra sempre por fazer
mas os dedos cheios de calos deixam sempre uma linha a mais correr.

e se corre pro infinito, de onde vem a luz,
pra saber onde fica o diedro mais que perfeito,
dos versos que vou tecendo mesmo sem saber como se faz direito,

nunca soube de um verso ou de uma casa sem um fiat lux,
mas tentando muitas vezes é que eu posso conceber
e fazer a primeira linha do poema e do projeto se erguer.