quarta-feira, 19 de outubro de 2022

fracasso total (calaboca gil)

Eu abro uma porta
O mundo me dá um muro

Eu abro uma janela

Não entra luz, ta tudo escuro

Estou cansando de rever 

Todos os meus sonhos

E desreconhecer

Meus fracassos

Sendo a sombra refletida

De tudo o que era sombra de ser

Eu entrei noite adentro

Há muito tempo

E não consigo ver

A luz do dia

Eu não consigo ver o sol

E tudo o que eu vejo é o olhar

De todos me dizendo

"Fracasso total"

Infelizmente meus olhos

Só veem o que é real

E tudo o que vejo é 

Fracasso total

Queria remendar as tiras de tempo

De quando comecei a errar

Mas ja é tarde demais

E eu não sei como voltar atrás

Apenas me esconder das pessoas

Das que ainda não desistiram

E um dia, quem sabe, sumir

Lentamente como um mal

E ser sozinho

Meu fracasso total

Eu quero gritar até ficar rouco

Num silêncio insuportável

Pelos olhos de quem me ama 

Eu já sou afinal

Um fracasso total

Que pede esmolas

E jura que vai ficar tudo bem

Mas fecho os olhos e ainda sonho

Pois sonhar me custa uma noite apenas

E uma noite a mais

Ou a menos

Não faz mal pra quem já é 

Um fracasso total

Pois qualquer dia será mesmo.

onde eu tava eu tava

Nada que é vivo
Pode me ferir
Mais que minha
Própria existência natimorta

Esgueirando pelas paredes

De becos e vielas sujas

De tijolo vermelho

Sem reboco, sem acabamento


Fugindo, talvez inalcançável,

Vou me ferindo pelo caminho

E essa fuga sem par

Indo para lugar algum


Onde eu estava

Eu estava

E era impossível

Fugir de mim


E era viciante existir

Sem se ver


Houve dias em que

Sonhei acordado

Com o futuro

E esqueci meu rosto


Em seu lugar, eram outros

Disformes, que pretendiam

Me assombrar profundamente

Como quisessem me separar de mim


E eu percorria os corredores

De memória futura 

Com tal placidez

Em busca do meu rosto

Sem nunca encontrar

E isso trazia uma aflição

Que me alimentou mais que o próprio pão 


Quando finalmente despertei

Sem nunca ter dormido

Soube que eu estava acabado

E cansado de tanto eu.


Talvez tenham razão aqueles

Que me esquecem

Posto que também eu tendo

A me esquecer


Colado ao chão 

Num calor infernal

Tento tomar tento

E norte.


Existe algo

E eu quero tanto

Para que a solidão seja

Perfeita


Sentar no sofá no fim de tarde

Sem pressa

De chegar em lugar nenhum.


O silêncio me cai bem

E talvez haja uma mudança no horizonte

Pois que tal carranca

Eu macambúzio e torpe

Posso encarar a obra finda

Com uma vastidão de braços e abraços. 


Um dia, será?


Será que tornarei a sonhar como antes?


Quero perecer sem pressa

Quero meu tempo bom - 

A injustiça de nunca ter paz

Essa não quero levar comigo. 


Todo mundo merece ser feliz

Mesmo que não queira

Mesmo os escravos da angústia

Merecem sorrir sem medo

E contemplar um momento na vida

Que valha a pena o presente. 


Eu tenho fé.


tem que (acabar)

Frusciante (1992-1997)

Tem mais é que se acabar
Toda forma de esperança 
Toda forma de pujança 
Tem mais é que fenecer

No feno do dia a dia

Que rola e desenrola

Tem mais é que esmorecer

Nos muros que miram

Que mio, que mil de miró


Tem mais é que des-ser

E botar pra descer

Toda destra forma e desforma

E tem que não ter


Porque eu nasci pra morrer

E não nasci pra semente

Porque eu nasci pra sofrer

Sofrer e morrer que nem gente


Mas se não for pra merecer

Que seja eterno e sem hora

Pra gente ficar mais um pouco

Porque eu não quero ir embora


Tem mais é que falecer

Quem vive da vida dos outros

Tem mais é que merecer

Um palmo de terra um palmo no outro


Porque não dá mais pra se dar

Sem senso sem sentido

Sem cheiro sem paladar

Sem boca de desvalido


Tem tudo pra me oferecer

Mas me nega e eu morro de fome

Eu fico tão triste e disforme

Que ano que vem talvez

eu não te devore


Mas vão te devorar por mim

Vão te abocanhar por mim

Vão te rasgar enfim

Porque o que você tem

Nem tendo dá pra ter


E dividir você não quer

Então Se tiver de tomar

Eu tomo, eu degluto, eu engulo

Eu cuspo e sou chulo


Eu sou triste e tô raivoso 

Me comprimem e eu não aguento

Não podem chamar as margens

Do rio de violento


Você tem que desistir

Porque eu sou bomba relógio

E quando eu explodir 

Você vai desexistir


Porque já passou da hora

Dessa brincadeira acabar.


domingo, 18 de setembro de 2022

o cronista de meus amigos

meus amigos estão cada vez mais distantes
e eu deles, também,
porque é assim que tem sido.
mas nada pode e nem será mais como antes.

caminhamos calados, taciturnos, reclusos.
vislumbramos na alvorada, com certo espanto,
a porta de saída, a poucos passos,
e tantos dos nossos já a cruzaram.

cada qual a sua maneira, toca como pode,
porque é assim que tem sido.

não sei ainda se caminhamos por querer,
ou simplesmente estamos sendo empurrados,
mas não deixemos de dar as mãos,
por favor, não deixemos.

tudo é triste e sombrio hoje,
mais que quando supúnhamos ser
os anos mais felizes de nossas vidas,
e hoje o desbotado dos dias embota a rotina.

sei que há um sabor amargo
em cada verso que tritura os dedos,
mas sei também,
que no finzinho dessa fruta tem doçura

pois, qual não é o gosto das memórias
que guardamos das calçadas quentes
sob a sombra das castanholas
e dos dias mais nublados?

marchamos como quasímodos,
levantados do chão.

esse sentimento, agridoce, na língua
fica pra sempre? queria saber.
ou no momento certo, cederá
ao melhor que podemos ter ainda?

"eu vou seguir o caminho do verme",
dizia uma música que ouvi na juventude,
e o cantor, à época, tinha a minha idade,
talvez certas dores, acabem sendo comuns.

enfiados no fundo da memória,
os rostos dos meus amigos não tinham
cabelos brancos despontando
e eu sigo sendo o cronista do fim.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Saturno Demora

O tempo corre facilmente,

Sem pensar nem sentir 

Os percalços do movimento -

Corre, e independe

Do que pensa ou pensamos de si.

Na velocidade com que passa

Rasga nossa pele

E joga em nossos cabelos

As cinzas das horas mortas.


O tempo voa sem bater asa,

Como voam os aviões,

Sempre como um pêndulo

Aproveitando-se das instruções 

Que outros homens, 

Em outro tempo,

Constataram pelo erro.

Qual não foi a engrenagem

Que destravou em mim

A memória de que o nosso tempo

Sempre corre pro fim?


O tempo viaja sem pressa,

Sem mala nem hora pra voltar -

Porque o tempo histórico do homem

Sempre passa mais devagar. 

Quanto tempo o tempo tem?

Quem decidiu que ele o seria?

Por que o sofrimento dura um ano?

E por que é como um raio a alegria?

Quanto tempo eu ainda tenho

Para responder essas perguntas?

Quanto tempo a vida dura?

E quanto vale o que a segura?


Conforme seja: o tempo varia:

Para a criança é a ansiedade da espera,

O dia que passa de hora arrastada;

Para os adultos é uma maratona

que sempre falta um tanto

Para a linha de chegada;

Para o velho, é uma caminhada,

Rumo a saída

que se deseja adiada;

Para o suicida

É uma surpresa esperada.


Mas grosso modo,

O tempo é o senhor das mudanças 

que pode demorar e demora,

Porque o tempo humano é pífio

E é uma página que demora a acabar

Mas ela virá:

Como um dia que, na enchente,

De uma enxurrada levará séculos embora,

Mas até lá, o tempo corre a conta-gotas,

Esperando esse rio que tudo arrasta transbordar.


domingo, 31 de julho de 2022

poema testamento

quando eu morrer, como diz a canção,
quero ser enterrado
sob a sombra de uma bela flor,
não temos montanhas, mas
nosso estado é vasto em tabuleiros,
e na vala comum,
como muitos de meus primos.

quando eu morrer
vou descansar,
porque a vida foi dura,
talvez tão dura quanto o último colchão deste momento.
muitos dirão que passei a vida em plácido descanso,
mas foi um descanso sem paz,
porque sempre que a fome batia,
ou que a água faltava,
o peso dos bolsos vazios
custava uma tonelada.

quando eu morrer,
diga para minha mãe
(oh bella ciao)
que o tempo foi bom,
e que aprendi o suficiente,
que tudo o que fiz,
fiz por ela, mesmo que,
na leitura deste testamento,
eu não tenha feito
a sua casa, com um belo jardim,
onde ela poderá cultivar
todas as belas flores
que nas casas de aluguel,
sempre foi um lugar de paz
-- e essa paz, eu queria conquistar
por ela e por todas as mães,
por todos os jardins,
por isso lutei o bom combate --
e a bela flor,
que ela seja do seu jardim.

quando eu morrer,
aos meus irmãos,
deixo legado nenhum,
apenas o exemplo,
de olhar o mundo
com os meus olhos
e ter compaixão com os seus
com o seu lugar
no abraço quente do amor
que amar nunca foi demais
e eu me arrependo tanto
tanto
de não ter demonstrado tanto amor
quanto eu tenho aqui dentro

meus livros estão lá
meus poemas estão aqui
talvez eu não viva para tanto
mas queria ver
cada um de vocês
como homens e mulheres
ricos de amor e compaixão.

quando eu morrer
quero ser enterrado com a bandeira de meu partido
ao som da internacional instrumental
que uma valsa triste me embale
para o caminho que for
que lembrei de mim
pelas lutas que defendi
da maneira que pude
pelo amor que dediquei
aos meus irmãos
aos meus iguais
a minha classe --
gostaria de ver um mundo novo,
mas não sei,
sinto que me resta pouco
as linhas da mão vão se encurtando
e os caminhos vêm
e não mais caminho mais
em direção ao tempo
mas ele vem até mim
e aos poucos
seguramos na mão
sem medo,
sem receio,
sem remédio,
sem remorsos.



terça-feira, 26 de abril de 2022

desabafo dos 30 e poucos

30 anos e o medo ainda é o mesmo de dez anos atrás:
todos os momentos que guardei
hoje são como momentos fugazes
e coisas que me pareciam antes
tão importantes
estão empoleiradas e empoeiradas
na estante dos grandes fracassos que acumulei
eu mesmo durmo neste espaço às vezes
agarrado aos sonhos de ser um poeta,
um romancista, um contista, um músico,
um diretor de cinema com assinatura própria.
hoje, a arte daqueles dias evaporou e paira sobre minha casa:
tenho o ímpeto de sê-lo, mas nunca poderei tê-lo;
agarrar o vapor de ar que se espraia como ilusão,
e, como todos os meus pares, poderia ter sido tanta coisa.
mas não me debulho em lágrimas,
todas elas evaporam, hora ou outra,
tudo o que poderia ser e é, é o que está,
talvez outras escolhas, outras escolas,
outros erros que transformaria em acertos,
justificando todos os pecados que quis e gostei de cometer,
ao menos, na curva do destino, terei a noção
de que todos as minhas escolhas me trouxeram aonde estou hoje,
como não posso me queixar de ter sido falho,
mas quem nunca o foi, pensando em sempre acertar
e estar certo em tudo?
talvez minha única virtude foi nunca ter mirado na certeza,
mas nas dúvidas do caminho, ou, sequer, ter pensado,
na montanha-russa vertiginosa da vida
minha escolha foi sempre seguir reto,
como um autômato que esqueceu de ter outra programação
e pensando bem, 30 anos de escolhas não são 30 anos de erros.
olhando para trás, carrego bons momentos,
e eles são tudo o que posso me orgulhar,
estar vivo, apesar de tudo, estar são, apesar de tudo,
estar eu, apesar de todos,
dobrei-me, com certeza,
sem a pétrea certeza do ferro, mas a maleabilidade do plástico,
e a plasticidade da vida foi tornando os dias mais amenos
bem como existir se torna, cada dia menos, um fardo insuportável,
como um dia foi,
pois, aos 10, aos 20, o momento é o agora, 
e a mudança é para ontem,
hoje as mudanças podem ser amanhã, pois o hoje é impróprio.
até mesmo estes versos foram adiados à exaustão,
pois eles acontecem no momento em que a realidade me consome,
e mesmo a realidade é um mundo paralelo à parte,
de programas a serem executados e sofrimentos pelo tempo curto,
eu não sou mais o poeta de 2012,
tampouco o de 2014, muito menos o de 2017.
o poeta de hoje escreve com a incerteza de que esses versos
não poderiam ser uma prosa envergonhada,
mas também, quem sabe, essa seja a maneira que encontrei
para expressar melhor todos os sentimentos amalgamados no ar
que não sei se são bons ou ruins, se são coloridos ou não,
o fato é que a realidade me consumiu enquanto verso,
parágrafo ou texto e hoje não sou nada mais que um tijolo.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

O Senhor das Moscas

Meu pai tinha mania de contar histórias de terror quando nós viajávamos para uma casa de praia da família. Por si só, era um homem com histórico de bom humor e que vez por outra, nesses eventos, que reunia alguns de seus irmãos, cunhadas, meus primos e às vezes meus avós, pregava peças elaboradas – sumia por horas e aparecia sujo de lama do mangue, gemendo como um monstro, ou se enterrava na areia apenas com a cabeça de fora e nos dava sustos e, muito dessa sua fama, acabou por definir a sua profissão, que era locutor de rádio AM. Era uma rádio de notícias mas que, lá pelas tantas, acharam boa ideia levar um projeto que meu pai tinha proposto em outros empregos e que sofria das mais variadas negativas, seja por ser uma proposta esdrúxula e apelativa, seja porque não havia espaço na grade, que era, simplesmente, narrar contos de horror urbano às 3 da madrugada.

Disso, fez-se um sucesso relativo, os ouvintes habituais da rádio passaram a escutar o programa e criou certo burburinho na cidade e meu pai, que até então era apenas um homem de gostos duvidosos, passou a ser cultuado pelas histórias. Algumas ele mesmo inventava, outras eram enviadas para a redação do programa – obviamente, nem todas poderiam ser lidas, pois envolviam crimes reais e essa, até então, não era a intenção dos produtores do programa.

Fato é que, naquele ano, meu pai não pregou nenhuma peça na casa de praia, estava muito diferente: ainda sorria, fazia piadas, tentava vez ou outra ser o pai amoroso que sempre era, mas algo o incomodava muito e o incomodava até mesmo, fisicamente, com uma ferida que tinha em sua mão, na base externa do seu dedo polegar, que ele coçava bastante, sempre que estava nervoso. Não era nada grave, segundo o doutor Jurandir, mas precisava cuidar com pomada e não passava de um ferimento que estava infeccionado. O problema é que esse ferimento meu pai nunca contou como conseguiu e naquele dia, eram nossas férias de julho, estávamos em frente a fogueira improvisada na varanda da casa e todos perceberam que meu pai estava introspectivo, coçava a ferida em sua mão e vez por outra espantava moscas que vinham incomodá-lo. Olhava para a fogueira, bebericava a cerveja e vez por outra ria de uma ou outra história.

Até que um de seus irmãos, o tio Alfredo, perguntou o que ele tinha e ele disse que nada e disse que só estava com muito sono e levantou para dormir. Todos estranharam, duas coisas: a primeira que meu pai fora liberado mais cedo para as férias de julho e a segunda coisa era que em geral ele não estava comentando os casos da rádio, mesmo os programas que não iam ao ar, meu pai contava com grande dramaticidade. Era como se ele estivesse escondendo algo de nós. Meu tio então levantou a hipótese de que ele estaria preparando um suspense para o seu próximo susto a qualquer momento – e foi por essa razão que nenhum de nós se surpreendeu quando fomos deitar e não encontramos ele na sua cama. Comentamos todos “tá certo Gustavo, nós já entendemos”. E dormimos.

Mais tarde naquele dia, depois do almoço, demos por falta de meu pai, que não voltou para dormir e nem sequer deu notícias e começou então a ficar preocupante a sua demora. Tio Alfredo insistia na ideia de que ele preparava o maior susto de nossas vidas e nós ríamos, mas ao mesmo tempo não conseguíamos deixar de sentir preocupação, sobretudo, quando começou a anoitecer e meu pai não havia dado notícias.

Minha mãe, depois de ligar muito, enviar mensagens, já estava com a voz embargada quando gritou para o meu tio que aquilo não era mais uma brincadeira e mesmo que fosse, era uma brincadeira de extremo mau gosto. Então resolveu chamar a polícia, que fez buscas no local, indo até o mangue com lanternas e chamando pelo seu nome.

Meu pai conhecia o mangue como ninguém: sabia esconder-se entre as árvores retorcidas e fugia bem das picadas de muriçocas e abelhas, arapuás que grudavam no cabelo e tentavam penetrar em nossos ouvidos. Apesar de ter vivido boa parte da vida na capital, era visivelmente apegado com a casa de praia – ele mesmo caçava caranguejos e em muitas de suas peças que pregava, arrancava suas patas e criava espécie de luvas com as patas cheias de pinças, grudadas com a lama barrenta em sua mão e, nos últimos anos sentíamos de longe o cheiro que emanava do mangue e pensávamos “ou está cheio ou o Gustavo tá se aproximando imundo daquela lama”. Fato é que, apesar das buscas, que envolviam até mesmo um helicóptero, não encontraram meu pai. 

Passamos a noite em claro e estávamos esperando o almoço ser pronto para mais uma rodada de buscas, dessa vez, nos dividiríamos a procurá-lo pela praia e pelo mangue, quando observamos que a casa estava estranhamente coberta por moscas. Em geral elas sempre estavam lá, mas especialmente naquele dia, elas não só estavam cada vez mais ocupando o espaço, como estavam incomodando pela insistência, pelo som e, aos poucos começávamos a ficar enojados de observá-las cada vez mais e maiores, com seus grandes olhos e patas, e asas, e trejeitos. Como se zombassem ou planejassem algo contra nós, esfregavam suas patas e começavam a se acumular de modo que desistimos do almoço.

Decidimos almoçar em um restaurante próximo, na estrada e observamos de longe que a casa estava realmente tomada por moscas. A princípio, achamos estranho e minha mãe teve um mau pressentimento, mas não falamos mais sobre isso.

Era por volta de 1 da tarde, quando na estrada vimos um homem que caminhava lentamente, aparentemente sem destino e cuja altura e corpo, lembravam o corpo de meu pai. Freamos os dois carros bruscamente depois de passar por ele, mas víamos pelo retrovisor que o homem estava com um aspecto estranho, como se estivesse coberto por algo, como algo não humano e quanto mais se aproximava, maior era o desconforto e o mau cheiro que exalava, assim como um som familiar, que, conforme identificamos, quando se aproximou de um dos carros, vimos que era de um enxame de moscas. Minhas tias gritaram quando o corpo coberto de moscas se aproximou do carro e aceleraram, batendo em nós, que estávamos na frente – o homem coberto de moscas que havia segurado no carro caiu com o arranque. Com o impacto, todas as moscas que cobriam o seu corpo, voaram numa nuvem que se esvaiu pelo céu e, coberto de feridas purulentas e buracos, dos quais saiam inúmeras larvas e pus, descobrimos ser o corpo de meu pai, que estava inteiro coberto de buracos, como um formigueiro e, mesmo seus olhos, havia sido consumidos pelos insetos, que ainda voavam em retirada para a enorme nuvem que se formava no céu em direção ao mangue.


[continua]