sexta-feira, 25 de março de 2011

Tatuagem



"Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva"

Chico Buarque - Tatuagem

Troca

Tenho tuas unhas cravadas

nas minhas costas...

Querendo dizer-me palavra mais

que teu resfolegar sadio, sadismo.


Quando te maltrato


"Penetras fundo em mim,

tirando de dentro das entranhas

tudo que há de bom em mim...

Porque sou tua; eternamente tua"


Quando nos maltratamos


E se te tenho toda,

é porque estou marcado,

com a cara encharcada

em tua blusa, morto de cansaço.


Como manda o figurino

descanso no teu braço,

redimindo-me em teu capacho,

frouxo, fraco - onde o macho?


Quando me maltratas


E,a,p'

Forte

Vou dizer teu nome

até em minha garganta

senti-lo, entalado,

empurrado com saliva.


Engasgar nos teus sobrenomes,

desdizer todas as letras

com as quais tatuei em meu corpo

teu nome.


Vou destrinchar a minha carne,

ser fatal, frouxo de rir,

da maldade com que o faço,

com que desfaço - desfaleço.


Com meu sangue seco

hei de cheirar na tua sala.

E no fim do dia, serás então,

A mesma que me fez assim.


No cabeçalho, um título,

teu nome posto desordenado,

mas mesmo assim, letra por letra,

reconheço-o, e desfaço - desfalecido.


E vou enfim, com sangue, força,

na carne viva, a ferro, fogo,

brasa, dilacerada, tuas iniciais

na veia do meu braço.


E,a,p'

quinta-feira, 24 de março de 2011

Entrando e saindo dos seus rins.



- Je t'aime je t'aime
Oh oui je t'aime
- Moi non plus
- Oh mon amour
- Comme la vague irrésolue
Je vais, je vais et je viens
Entre tes reins
Je vais et je viens
Entre tes reins
Et je me retiens
(...)
Serge Gainsbourg




(Esperando o filme.)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Passaverso

Passa dia,

Passatempo,

passa tempo,

de se

pensar.

Passo o dia,

o tempo inteiro,

sem vontade

de versar.


Passo horas,

passo fora,

de qualquer

descaminho.

Mas eu sei

que agora

eu não verso

mais sozinho.


Versa a mão,

o meu sapato,

o barulho

da gentinha.

Versa o verso,

versa o copo,

que marcou

mais esta linha.


O lápis,

o meu dedo,

toda esta euforia

já se faz tão

espinhosa,

coisa mais

espalhafatosa,

como toda esta

[linha.


Não encontro que versar

nem mais

que nesta estrofe

vestir.

Sutilmente,

meus amigos,

vou agora

me despedir.


E,a,p'

Rec.

De todo o caos,
o que me governa é apenas a certeza de permanecer são
até o fim,

(e isso por si só é um desvario.)

Um Pássaro Azul













"there's a bluebird in my heart that, wants to get out






but I'm too tough for him




(...)




but I pur whiskey on him and inhale cigarette smoke






and the whores and the bartenders and the grocery clerks






never know that he's in there"










Charles Bukowski


sexta-feira, 18 de março de 2011

De dentro para fora.

Bem vemos onde chegamos ontem a noite, eu e Danilo, lá está ele. Olhe ali, lá se vai o diabo a andar com cara de tacho. Farrapo-humano. Como eu odeio a pressa com que ele se move, cortando a rua de um lado a outro, sem me olhar. Odeio, digo, o modo como passa e não me olha. Ele deve ser..., deve ser aqueles que se escondem bem, por trás daquele óculos, bigode, músculos, a barbinha feia feia, a barbar no rosto bárbaro. Grande bichona. Mal sabe ele que lho observo, não de hoje, de muito tempo. Já toquei em mim mesmo jurando estar pondo as minhas mãos nele. Como é que se pode não pensar no outro sendo a você mesmo com outro nome? Alma gêmea. Minha mãe nunca acreditou nisso; dizia ser bobagem, que homem é tudo igual, tudo gosta mesmo é de estar por cima. Pois eu digo que tanto faz: por cima, por baixo, de lado, no teto, no chão ou na parede, tudo é coisa só. Ela lá iria adivinhar que o filho dela seria um pederasta? Ela falava assim, mas eu, como dizer?, eu ia levando, ria, levava na maciota, como quem não tem nada a ver. Mas eu sabia lá no fundo que gostava mesmo era de outra coisa. Mas dizer isto pra ela, assim, era difícil. Mamãe era da velha escola. Mas aposto que até ela abriria as pernas pr'esse cara. Viúva fina, minha mãe, mas a este rapaz ela não negaria nada. Nem posso imaginá-lo cruzar essa maldita avenida. Se eu lho acertasse com essa bituca na testa, ele saberia que fui eu, pois sei que me observa e sabe que eu lho observo. Quando o Danilo diz que me ama, sei que fala a verdade, pois é provado na maneira como se deita em mim, diz-me baixinho essas coisas, e mesmo quando usa de sua força pra domar a minha, ainda assim, sei que quando diz que me ama, ama mesmo. Mas ele não entenderia, pobre Danilo, que quem passa na janela é quem me faz suspirar assim, feito Maria-Fuxiqueira, doida pra fofocar com a vizinha, mostrando as unhas sobre que se passa da vizinhança. Pena não tê-la, esta tal vizinha.


Vês como dobra a esquina? sabe, fita de rabo de olho, daquele jeito que olha como quem não olha, mas que vê os vultos insistentes de que há em trezentos e sessenta graus. Deve ser de me deixar doido. Mas paga, mas morre um dia, o puto. Como as mulheres, dizia meu pai, gostam de sofrer: "Vê tua mãe?, apanha na cara, chamo ela de piranha, vadia, desgraçada, mando ela embora e ela ainda diz que me ama?, ela é uma louca. Mas todas são assim. As que eu tenho por aí mundo afora, filhão, são do mesmo jeito. Eu meto nelas feito cavalo doido. Boto meu pau pra fora, elas chupam feito umas cadelas no cio. Mas é mérito meu: bate, maltrata que elas grudam." pensando assim, não são só as mulheres que sofrem o mal de se martirizar: se sou homem é porque todo mundo gosta de sofrer um pouquinho. Ele deve ser como meu pai, aposto uma grana. Se ele soubesse que penso nele, que me visto, apalpo meu entre-pernas só na vontade de o dele apalpar, ele seria capaz de me esfolar vivo, e aí eu seria seu, diria que sim, que sou teu, louco, puto, cachorro, cavalo doido.


Lembro agora do dia em que a Paulinha, o Carlinhos, estava no asfalto, tinha descido pra faturar o da noite e estava na fissura: ela ganhava duzentos paus por uma chupada, gastava cenzão em dez vinte gramas pra entupir o nariz dela de farinha, a louca. Nesse dia, ela foi com sede, ficou louquinha louquinha, esperava na esquina um cliente, cheia de si - sabendo que ela é poderosa, com aqueles peitões e aquele cuzaço, ao qual todos gritavam, "cuzuda do caralho!", jurando que era uma mulher - quando apareceram dois tipos que diziam querer um programa. Ela foi com eles no carro, lá eles só não pregaram a mona na cruz. Deixaram-na aos frangalhos, cheia de dores, roxos. Cortaram o peito afim de tirar o silicone fora. Pior é que enrabaram a pobre - acho hipocrisia desses pseudo-machões que dizem odiar a nós, e ao primeiro contato nos molestam como se o fato de gostarmos de pica significasse que no nosso orifício já tão malogrado aceita a entrada de qualquer um. Sei que passou ela, a Paulinha, meses e mais meses no hospital. Visitei-a algumas vezes, ela não falava coisa com coisa e pegou uma infecção nos seios. Hoje ela deve ter se virado bem. Soube que estava viciada em heroína lá em Barcelona. Pergunto se há maneira de fugir destes pesadelos. Ela diz que lembra a todo instante do que aconteceu e que não mais em esquinas morrendo de medo. "A faca ainda brilha na minha cabeça, amiga", disse ela na internet uma vez.


Saio de casa para a faculdade com um mal-estar de ter lembrado de tudo isto. Cruzo com o meu objeto de voyeurismo num café a discutir futebol com um amigo - um jornal em suas mãos e sorrisos, gesticulados pesados no ar. Como poderei eu reagir normalmente a ele, se eu mesmo não aguento sequer ver estes dentes brancos perfeitos?, seja de maldade, seja por pura petulância, arrogância - ou relutância - , sei que dele não esqueço. Mas passo, cruzo a rua, ganho a esquina, triunfante, como só uma mulher sabe ser.


A W.

sábado, 12 de março de 2011

Acanhada

Deito-te a mão à face,

sei, decerto,

que se pudesses

usarias um disfarce.


Cara em rubor,

que mais podes fazer,

se teu vermelho

não esconde: é amor


E,a,p'

quarta-feira, 9 de março de 2011

O diabo que te habita

Era de um calor doido que eu estava sofrendo. O sol era maldito também - em nada ajudava. Como eu poderia estar tão quente? Todas as pessoas ao meu redor a tremelicar os dentes e eu aqui: a suar, molhando a camisa, formando bolinhas de suor nojentas, debaixo do nariz, acima da boca - lugar impreciso. Eu abro um botão; sacudo a camisa; o ar quente dança, por dentro da blusa:


- Que diabo me habita?


Derramado da testa, ao peito cai a gota de suor. Uma goteja, da ponta do cabelo, justo em cima da boca - um suor salgado. Um suor sagrado, já dizia aquele cantor daquela geração. O ar-condicionado conta dezesseis graus, e não se pode mais suportar o frio que fazem os dois, um contra o outro, a se encontrar neste pequeno recinto onde estamos.
E,a,p'