sábado, 26 de julho de 2014

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para gabriel
via crucis de um tumor compartilhado

mais que te valha a dor
não me desprega tanto
esse sofrimento que calado te acolho:
faz assim como fez macabéa
enquanto sonhava da vida
sem saber que vida era
ou que vida é:
sonha pouco
levanta um dedo e derruba
todas aquelas peças levantadas
em tanto tempo

do teu castelo de cartas
uma lágrima ainda
não é capaz de te derrubar.

sabes bem que por dentro
tua alma não acolhe
a grandeza da realidade
e assim
no pouco tempo em que te deixares suprir
a vontade de desistir.

estrela anã branca de pouca luz
a limitação de tudo o que és
é contraste de tua importância.

agora, se choras
choremos juntos.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

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o mundo caiava
e eu caía
no cair da noite

domingo, 20 de julho de 2014

remote

as redes que ligam a realidade
são os fios de energia
pelos quais a minha tevê
se vê sem sentido, sem ídolo
sem mito.

um dia após a nossa refeição última
estive calado
por achar que assim eu deveria permanecer
e quando a nossa voz mais uma vez se encontrar
eu te falaria das viagens interestelares
que por uns dias e anos viajei.

talvez o mundo seja mais extenso que suponho
e ele também é uma ponta de iceberg
uma grandeza pequena de se caber no bolso.

as dores do mundo, delas sei todas
e quem me diz isso é aquela voz
que às vezes se rasga em alardear
que estamos mortos/salvos
a cada instante

seja como for
a nossa perda de contato imediata
nunca será superada
pelas garras únicas de solidão

estendo-lhe a mão
e me passas o controle
mudo o canal:

a vida muda.

sobre mais um adeus

como diria bukowski sobre inventar
eu diria que sou o especialista em desinventar as pessoas.
essas pequenas instruções que nos dão
simplesmente não servem para quem não lê
aquele manual do usuário de si mesmo:
repuxe suas páginas, leia as notas de rodapé:
não credite a ninguém coisa alguma.
é o erro crasso, é o erro crasso:
culpa alguma tem quem nunca se disse belo,
entretanto, quem, em sua magnitude,
seria provido de tanta beleza, como anseia
essa tua vida?
a tua cabeça é a prisão sem grades
que criaste em domicílio próprio
para não servir a ninguém.

e se de alguma forma
tudo o que se fareja se desespera,
tenhamos algo além que essas pequenas emoções
e transformemo-las em menores
em pífias
em ridículas
porque é tudo o que se poderia imaginar de ser:

somos nada e ao nada voltamos,
a realidade é o vazio que se sente
mesmo que a completude seja próxima
e tudo o que tu queres te bata na porta
para além da vaidade e da necessidade
com amor.

mas não me mantenho são por desiludido
porque o futuro é sempre algo que se chega de maneira mansa
e eu espero teus dedos, tuas carícias,
teu sentar calado na varanda,
um café, uma vontade de apenas estar e ficar.

solidar-se em ser solitário
é uma arma que o passado me treinou,
mas, querer que estejamos assim dispostos a não nos prover futuro
é uma faca que entra e extirpa minha vontade
de deixar de morrer tanto,

quem você pensa que é
quem eu pensou que sou
quem você pensa que eu sou
e quem eu penso que você é

são as únicas dúvidas que sempre permanecerão.

antes da semente que desaflora agora
eu já não me tinha dado conta de que
dezenas de vezes o meu amor era despido
de qualquer vergonha.

não-abjeto, não objetivo.

e como me cansam as pessoas racionais!
estou farto delas, apesar de que, sou uma delas
aquele por quem a lágrima cai sem querer
e por obrigação.

eu sinto um pouco falta de me coibir de sentir
porém
sou desastrado com minhas mãos, e com elas
eu poderia deixar de segurar as tuas
não sei ainda como
para tatear a próxima, e a próxima,
até o leito
e neste leito:
quem ficará?

domingo, 13 de julho de 2014

mais-valia

sou um astrofísico moderno gravitando sobre a minha própria órbita
de constelações eu jamais entendi direito, nada além que a obra divina
e não sou nem de longe o mais cristão, sou apenas o último emérito
de uma casta de esquecidos por deus, por todos, e até por mim mesmo
ganho o suficiente para aquietar a alma.

se me lanço a cantar, é que dói a alma, você deve perceber, que sou assim
assim um tanto quanto fidedigno ao que nunca construí.

o completo e absoluto nada de todas as coisas,
o completo e absoluto nada de todas as dúvidas,
ó, senhor, como eu queria errar menos em acertos,
como eu queria ser um pedaço de tua carne chicoteada,
eu achei que soubesses, soubesses o quanto de meu amor
fora sacrificado em nome da liberdade, que é isto.

eu não sei se peço perdão, na verdade, não sei se pedirei
não sei se reponho-me a cobrar aluguéis de casas para morar
e ser esquecido pela natureza de nosso coração.

quem garante essa dor?, senão a tua própria imagem
teu erro unânime,

e eu que jamais voltei a assinar meu nome,
vejo-me acidentado a correr contra o tempo, contra as nossas desvontades
de deixar legados,

eu apenas queria morrer, sem nenhum pormenor a ser descontado, e que fosse rápido
e que fosse na sombra,
que desse mundo minha alma se cansa de tentar.

seria demais pedir-te um amor verdadeiro que seja
um amor verdadeiro que seja mais que teu sacrifício?

e eu que não sei clamar teu nome
já me vejo voltando atrás no tempo tentando corrigir a minha história.

remontar

olha você tem todas as coisas
que um dia eu sonhei pra mim
porém, nem no meu mais amargo pesadelo
eu achei que iria sofrer assim.

olha você vive tão distante
que eu nem sei como é que pode
eu ainda não te ter lançado pragas
a cabeça cheia de problemas
e o pior de tudo é que eu prefiro estar assim
do que me importar com os teus desenganos
teus destemperos.

no final da tarde
eu toco um violão, você se remonta a maquiar-se
e tudo o que eu mais precisava
era saber onde acho inspiração
para dedilhar as minhas notas
se de ti amor nenhum
quando na verdade, tenho sofrido as dores
de um amor seco, calado, diferente

ou indiferente.

você fique com suas luzes e tequilas
eu fico com as minhas musas e cachaças
assim a gente retoma o passo
no qual a gente deve ter se perdido

mas quem sabe,
quem sabe o que virá amanhã.

como uma luva

guardo teu amor silencioso de vingança
nos momentos em que sinto a necessidade
como o melhor e maior e melhor do mundo
e é um absurdo
que dele eu tenha me desfeito
mas talvez por isso sou tão capaz
de achar, que foste assim a melhor que já houve

e não, eu não consigo acreditar
que tinha assim uma silenciada vitória
e na derrota, ainda, saber-me sacro campeão

não sei de quê
não sei porquê
não sei dizer, talvez:

o fato de que nessa vida
tudo tem passado indiferente,
e minha vida era mais vida
mesmo quando estavas ausente

me faz
o romântico à capela
à palo seco
à voz rouca
te viciar em meus vícios
te submeter à minha submissão
de amante, amigo e guardião,

mas sobretudo, o amor das ruas
que a gente conquistou
silenciosamente
enquanto tiravas a roupa
e me chamava para dormir
e nunca dormíamos,

num sonho a gente se encontrava
para se dizer feitos um para o outro
mas ninguém é feito para ninguém,
como as luvas se desgastam por seu uso
e eu tive minhas mãos calejadas por ti.