domingo, 30 de junho de 2013

beber-te



eu quero te beber
beber tua cor --
âmbar.

queria te dizer isso
ao pé d'ouvido,
queria te desejar
como se merece --
saltas fora
de minhas possibilidades...
de todo
esse meu desejo (apenas)
tua dificuldade --
não negue.

(não apenas pelos dedos
não apenas pela voz,
esse tom desencontrado
pela madrugada)

eu queria beber
tuas lágrimas.
teu suspiro cheio
teu fôlego vazio
teus silêncios
o riso
que por acaso
eu tome numa noite dessas
que por acaso
em que eu te beba inteira
que por acaso
a gente se saiba
em meio a ignorância

sacra ignorância,
que eu queria beber,
essa que se repudia
mesmo santa.

tuas lágrimas,
tua cor,
em meio ao néctar de nada
que sorvo invisível
da flor.

esta, declaração sussurrada,
escondida,
supõe-se na entrelinha
supõe-se no carinho
com que não te bebo
não posso
e te conservo
no fundo do copo.

eap

domingo, 16 de junho de 2013

jezebel

menina meio tonta, sabe?, veio com uma história de que na vida tudo é questão de se dar - e se deu. se deu pra vida e hoje é coisa mais linda, parece assim a princesa de pedra esculpida à unha. sei que dela pouco lembro, mas sei que uma coisa ficou rente às páginas que trocamos quando nos conhecemos: ela tinha um golezinho de amor, um outro tantinho de loucura, pra qual se dar, nunca soube, só sabia que tinha que ir e foi: trilhar caminho da liberdade.

daí que a vi. reclamou da falta de dentes, da magreza muita, do filho no colo, da paz que flutua, sem nunca poder galgar. o cabelo, ah jezebel, esses teus cabelos puídos da sujeira com que a rua te abraçou -- rafael teria te amado, teria te feito sofrer, inda ia ficar aquela beleza debutante, mas cê nem quis saber. pergunto se se arrepende, ela diz que sim, mas lembro que quando foi embora e me pediu uns trocados pra passagem do ônibus e pros cigarros, ela dizia algo assim como nunca tomei decisão mais sábia. é pena que a sabedoria é uma questão de ser, fugaz demais pra ser certa.

dei mais um trocado, mais que naquela época, ela agradeceu, beijou minha mão e falou algo sobre a minha compaixão, e sorriu sem dentes. esse tempo que não volta, meu deus...

eap

Sem Nome no. 42

é que hoje me bateu vontade de nada
de tudo,
de ficar na cama, afundar, sorver o mofo
de mim.

por isso, traz um pouco do mundo pela janela,
ou põe debaixo da porta,
que meu coração tá leve
e sem culpa.

aceito o limbo
de emoção nenhuma,
dessa comoção
incomodada
em transparecer.

ah, esse eu sem vontade de ser,
sem vontade de esquecer...
eu não esqueço,
eu anoiteço,
todos os dias.

lascar-se tal pedra,
sou água, morena,
que rega, não nega
que erra e se entrega - fácil.

desobriguei-me disso de mudar,
aprendi a açoitar a alma
aceitar a coisa real,
eu digo da terra,
eu digo do mar,
eu digo de mim,
inda mais
esse meu sem par
no mundo:
desce do peito
uma cachoeira sem fim

eap

dos astros imperfeitos

à  a.b., dessas tardes sem energia
(que transformamos em fumaça)

naquela tarde, havia um cansaço, e próprio dela era me achar louco. mas ela me disse ser de gêmeos, e eu tinha na mente um pessimismo latente em relação às crenças todas - e não somente por estar cansado de falar sobre os defeitos latentes do meu-eu-coitadinho, sempre fodido. que nome: câncer. melhor não seria. até mitologicamente era um covarde, criado para beliscar o pé de hércules enquanto ele lutava, foi esmagado pelo pé do herói -- a deusa, maternalmente, lhe presenteou com uma constelação, também ela uma filha da puta...

e se vangloriava das belezas de ser geminiana, de ser louca, de ser gasta no mundo, de ter o pedaço do peito chamuscado de energia para fazer quisesse o que quisesse. vontade de agaranhar o mundo inteiro com os braços. e se estendia nisso, e disse para ela que nenhum signo é perfeito, e a prova de tudo isso está na obssessão de cada um, a primordialidade de todos, ela me perguntou por quê. dá cá, e a tarde ficava bonita, e eu soltava o verbo, firme e forte, ela parou, enfim, para me escutar.

áries, eu disse, tem a energia do fogo que tudo queima e nada faz além disso, é o fogo primário, a porra do filho mimado. depois a energia se concentra no possuir e no apego às posses -- mas nada é passível de posse, tudo se constrói, desenvolve e morre, e vai, por isso touro, depois a energia se expande, na forma de ar, e busca fazer mil experiências consigo, usando o próprio corpo, esquece-se donde começou a gênese, passível de loucura, mas concentrável, embora pouco, incoerente, bipolar, dúbio, depois a energia se condensa na forma de água -- a água primordial que deu origem a todas as coisas, o útero materno, placenta cheia, o apego maternal, sofrível por dar todo o amor possível -- mas as coisas vão-se, por isso sofre câncer;

fumei, soltei, e ela ouvia embasbacada, continuei, depois a energia volta a se expandir, na forma de auto-expressão, do se ser, do independer-se da experiência adquirida com a ausência, quer estar à frente, leão, mas não há o que liderar, existem os que simplesmente não se importam com o líder, com nada, e a juba baixa, debaixo da patinha murcha os olhos de gato, ok que cê adquira a experiência de se auto afirmar, ok, daí pra frente vai existir o julgamento, o auto-julgamento, a busca da perfeição de virgem, também impossível, cê mais que ninguém sabe... aí depois desse julgamento, a energia buscará o equilíbrio de tudo, continuará enlouquecendo, constantemente, pela ausência desse equilíbrio, um equilíbrio que só se consegue sozinho, então por essa ausência buscava-se a intensidade dos sentimentos reprimidos desde câncer, só que com a força acumulada, duma água que tem a capacidade de se refazer mais rapidamente, para começar o processo de loucura, de insanidade, de força, que chora, mas não demonstra, que quer e pode e é;

tossi, umedeci a garganta e continuei, cerveja na mão: cê sabe que das energias é o constante processo de transformação, isso é lei da química, da física, foda-se, a energia astral se volta novamente para o mundo, para se expandir, e busca uma auto-afirmação baseada na liberdade, na vontade de, na ausência dessa vontade, que é inerente ao ser humano, o cansaço mata o último fogo latente, que apaga-se aos poucos e tristemente, a força sensível e livre de sagitário, resta a ele concretizar, tentar pelo menos, as experiências que tentou adquirir e obter lucro com isso, mas, é tanto conhecimento junto, tanto, que a prática falha, e o que se vê é um capricorniano, inteligentíssimo, entretanto, sem dedos para moldar a filosofia, a ciência, e o último grão de areia se desfaz assim, como quem não percebe, então a busca é pela quebra dessas convenções adquiridas, essa ciência falha, essa coisa toda que acabrunhou essa energia, é a loucura no seu estado mais anárquico, independente, quase, quase nada, suicida mesmo, kurt cobain tá aí pra nos dizer isso... Sei que nessa tal busca, de uma realidade completamente destruída, imagina você um cenário de psiquê apocalíptica, onde nada mais faz sentido?, qual tua primeira reação, já que você não se suicidou nem morreu em meio à loucura na qual se prendeu?, você busca a água profunda dos oceanos, tristes, escuras, que na margem de câncer deu origem à vida conhecida, agora é o último abrigo, onde se sonhará numa realidade diferente, embriagado pela crença, pela fé de que isso aconteça, busca-se isso dando-se, entorpecendo-se -- cê manja que existe uma conversa de que quem é residente em peixes é a última vez que encarna, né?

bebi o gole da cerveja, e disse: os signos nada mais são que a prova definitiva de que somos passíveis da imperfeição, jamais seremos perfeitos, e por mais que busquemos e que um dia haja essa tal convenção que nos diz do certo e do errado, vai haver sempre alguém que o diga, que não é o amor, mas sim a liberdade que é certo, que o amor priva a liberdade, que não é a liberdade e sim as posses materiais que trazem o estado perfeito de felicidade e satisfação, então alguém abre mão das posses e lidera uma guerra para provar que ter o mundo inteiro é a melhor coisa a se fazer, e guerreia, e conquista, mas, sem saber o que fazer dá início a um ciclo de tudo que nós conhecemos na história até hoje: homens que se sacrificaram pelo amor, outros pela guerra, uns pela liberdade, outros pela fé, enfim.

foi um silêncio tenso e bonito que se seguiu, e eu só pude esboçar mais uma coisa que ainda não tinha ocorrido: o pôr do sol tá indo embora e acabou-se a cerveja, acho que a gente deveria voltar pra casa.

eap

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sem Nome nº 41

pode ser que eu saiba
decerto
que falo pouco – um nato
ou inato pessimismo.
será?
algo turvo invade minhas ideias...

mato esse lirismo
como forma de não sonhar
e até de acordar –
me disseram
que ser romântico
não era algo leve de ser levado
era fardo – desses que se levam
à longo prazo,
pela estrada adentro.

meus beijos para todos os que ficam
no porto das ilusões
do que pela casca se desdobra
esses olhos, essas mãos trêmulas de agora,
o olhar fixo,
ainda eles podem esperar,
os dedos ocupados.
são o quê, meu deus,
que nem sei?
nem de ti sei
que etiqueta te incomoda
no passeio matinal,
na noite de farra,
deus,
dá-me de tua essência
apenas a paciência
impossível de um deus que finge não existir,
a parede onisciente,
a parede onírica,
que fala, escuta e cheira.

seja lá que for você,
ponte indecifrável,
que quase sou
determinado
a esquecer
mas lembro
para rir de mim;
pela carne assada,
pela carne,
pela face dada
sem coser
nenhuma talha do vestido
com que me puseste descansado
marionete dos sins e nãos,
tiraste do fel o meu mel
soubeste da garganta meu idílio
para que com lábios finos
seduzir a alma mais tenra
dentre todas as da terra – mas
como ser crocodilo,
a pele escama,
deitado de pé
aguardando qualquer
silêncio mais longo
para saciar a fome
que não cessa.

leve consigo
o romantismo,
que de meus dedos
ainda sei da terra
que debaixo das unhas se rasga
e suja
minha essência benéfica
apenas aos que se recordam
de deitar-se e ficar.

de cima só se vê
a paisagem.
triste olhar
passos vagos
calma entregue.


eap

domingo, 2 de junho de 2013

do amor de argos

era assim tal amor
que em cada gesto
via tanta intenção
a tal vontade

- ela sim
tomava a dor,
lambia as feridas
que sua essência,
mesmo de linda,
mesmo de fera,
era ainda capaz de sentir.

que me fez monstro,
cem olhos seus
para vigiá-lo
todos os dias,
todas as noites.
por ela, nunca
dormi.

lei dos
olhos fechados,
olhos abertos...

[por ti nunca dormi,
mesmo meus olhos
que descansavam
reproduziam
incansáveis, a tua beleza
e fragilidade de deusa
atrás das pálpebras
eu chorava.]

por ele as orgias
de todas as noites,
demasiado humano
(deus demais para ser
perfeito).
também eu
por tudo por ti fazer
papel maldoso
sabia.

na culpa inconcebível
de amá-la,
devoto dos olhos,
era fatal que meus todos,
cabeça pagasse - antes meu coração.

deixaste-me ainda
sendo qual engano:
persigo os amantes,
nas plumas onde
mal me caibo
entre a tua procura -
viver do resplendor
de ser teu bicho preferido
nem teu pão,
nem tua carne,
teu objeto de contemplação
(que vigia e contempla)
sensível e delicada selvageria
onde inda te procuro.

eap