domingo, 31 de julho de 2022

poema testamento

quando eu morrer, como diz a canção,
quero ser enterrado
sob a sombra de uma bela flor,
não temos montanhas, mas
nosso estado é vasto em tabuleiros,
e na vala comum,
como muitos de meus primos.

quando eu morrer
vou descansar,
porque a vida foi dura,
talvez tão dura quanto o último colchão deste momento.
muitos dirão que passei a vida em plácido descanso,
mas foi um descanso sem paz,
porque sempre que a fome batia,
ou que a água faltava,
o peso dos bolsos vazios
custava uma tonelada.

quando eu morrer,
diga para minha mãe
(oh bella ciao)
que o tempo foi bom,
e que aprendi o suficiente,
que tudo o que fiz,
fiz por ela, mesmo que,
na leitura deste testamento,
eu não tenha feito
a sua casa, com um belo jardim,
onde ela poderá cultivar
todas as belas flores
que nas casas de aluguel,
sempre foi um lugar de paz
-- e essa paz, eu queria conquistar
por ela e por todas as mães,
por todos os jardins,
por isso lutei o bom combate --
e a bela flor,
que ela seja do seu jardim.

quando eu morrer,
aos meus irmãos,
deixo legado nenhum,
apenas o exemplo,
de olhar o mundo
com os meus olhos
e ter compaixão com os seus
com o seu lugar
no abraço quente do amor
que amar nunca foi demais
e eu me arrependo tanto
tanto
de não ter demonstrado tanto amor
quanto eu tenho aqui dentro

meus livros estão lá
meus poemas estão aqui
talvez eu não viva para tanto
mas queria ver
cada um de vocês
como homens e mulheres
ricos de amor e compaixão.

quando eu morrer
quero ser enterrado com a bandeira de meu partido
ao som da internacional instrumental
que uma valsa triste me embale
para o caminho que for
que lembrei de mim
pelas lutas que defendi
da maneira que pude
pelo amor que dediquei
aos meus irmãos
aos meus iguais
a minha classe --
gostaria de ver um mundo novo,
mas não sei,
sinto que me resta pouco
as linhas da mão vão se encurtando
e os caminhos vêm
e não mais caminho mais
em direção ao tempo
mas ele vem até mim
e aos poucos
seguramos na mão
sem medo,
sem receio,
sem remédio,
sem remorsos.