domingo, 18 de setembro de 2022

o cronista de meus amigos

meus amigos estão cada vez mais distantes
e eu deles, também,
porque é assim que tem sido.
mas nada pode e nem será mais como antes.

caminhamos calados, taciturnos, reclusos.
vislumbramos na alvorada, com certo espanto,
a porta de saída, a poucos passos,
e tantos dos nossos já a cruzaram.

cada qual a sua maneira, toca como pode,
porque é assim que tem sido.

não sei ainda se caminhamos por querer,
ou simplesmente estamos sendo empurrados,
mas não deixemos de dar as mãos,
por favor, não deixemos.

tudo é triste e sombrio hoje,
mais que quando supúnhamos ser
os anos mais felizes de nossas vidas,
e hoje o desbotado dos dias embota a rotina.

sei que há um sabor amargo
em cada verso que tritura os dedos,
mas sei também,
que no finzinho dessa fruta tem doçura

pois, qual não é o gosto das memórias
que guardamos das calçadas quentes
sob a sombra das castanholas
e dos dias mais nublados?

marchamos como quasímodos,
levantados do chão.

esse sentimento, agridoce, na língua
fica pra sempre? queria saber.
ou no momento certo, cederá
ao melhor que podemos ter ainda?

"eu vou seguir o caminho do verme",
dizia uma música que ouvi na juventude,
e o cantor, à época, tinha a minha idade,
talvez certas dores, acabem sendo comuns.

enfiados no fundo da memória,
os rostos dos meus amigos não tinham
cabelos brancos despontando
e eu sigo sendo o cronista do fim.