sexta-feira, 18 de março de 2011

De dentro para fora.

Bem vemos onde chegamos ontem a noite, eu e Danilo, lá está ele. Olhe ali, lá se vai o diabo a andar com cara de tacho. Farrapo-humano. Como eu odeio a pressa com que ele se move, cortando a rua de um lado a outro, sem me olhar. Odeio, digo, o modo como passa e não me olha. Ele deve ser..., deve ser aqueles que se escondem bem, por trás daquele óculos, bigode, músculos, a barbinha feia feia, a barbar no rosto bárbaro. Grande bichona. Mal sabe ele que lho observo, não de hoje, de muito tempo. Já toquei em mim mesmo jurando estar pondo as minhas mãos nele. Como é que se pode não pensar no outro sendo a você mesmo com outro nome? Alma gêmea. Minha mãe nunca acreditou nisso; dizia ser bobagem, que homem é tudo igual, tudo gosta mesmo é de estar por cima. Pois eu digo que tanto faz: por cima, por baixo, de lado, no teto, no chão ou na parede, tudo é coisa só. Ela lá iria adivinhar que o filho dela seria um pederasta? Ela falava assim, mas eu, como dizer?, eu ia levando, ria, levava na maciota, como quem não tem nada a ver. Mas eu sabia lá no fundo que gostava mesmo era de outra coisa. Mas dizer isto pra ela, assim, era difícil. Mamãe era da velha escola. Mas aposto que até ela abriria as pernas pr'esse cara. Viúva fina, minha mãe, mas a este rapaz ela não negaria nada. Nem posso imaginá-lo cruzar essa maldita avenida. Se eu lho acertasse com essa bituca na testa, ele saberia que fui eu, pois sei que me observa e sabe que eu lho observo. Quando o Danilo diz que me ama, sei que fala a verdade, pois é provado na maneira como se deita em mim, diz-me baixinho essas coisas, e mesmo quando usa de sua força pra domar a minha, ainda assim, sei que quando diz que me ama, ama mesmo. Mas ele não entenderia, pobre Danilo, que quem passa na janela é quem me faz suspirar assim, feito Maria-Fuxiqueira, doida pra fofocar com a vizinha, mostrando as unhas sobre que se passa da vizinhança. Pena não tê-la, esta tal vizinha.


Vês como dobra a esquina? sabe, fita de rabo de olho, daquele jeito que olha como quem não olha, mas que vê os vultos insistentes de que há em trezentos e sessenta graus. Deve ser de me deixar doido. Mas paga, mas morre um dia, o puto. Como as mulheres, dizia meu pai, gostam de sofrer: "Vê tua mãe?, apanha na cara, chamo ela de piranha, vadia, desgraçada, mando ela embora e ela ainda diz que me ama?, ela é uma louca. Mas todas são assim. As que eu tenho por aí mundo afora, filhão, são do mesmo jeito. Eu meto nelas feito cavalo doido. Boto meu pau pra fora, elas chupam feito umas cadelas no cio. Mas é mérito meu: bate, maltrata que elas grudam." pensando assim, não são só as mulheres que sofrem o mal de se martirizar: se sou homem é porque todo mundo gosta de sofrer um pouquinho. Ele deve ser como meu pai, aposto uma grana. Se ele soubesse que penso nele, que me visto, apalpo meu entre-pernas só na vontade de o dele apalpar, ele seria capaz de me esfolar vivo, e aí eu seria seu, diria que sim, que sou teu, louco, puto, cachorro, cavalo doido.


Lembro agora do dia em que a Paulinha, o Carlinhos, estava no asfalto, tinha descido pra faturar o da noite e estava na fissura: ela ganhava duzentos paus por uma chupada, gastava cenzão em dez vinte gramas pra entupir o nariz dela de farinha, a louca. Nesse dia, ela foi com sede, ficou louquinha louquinha, esperava na esquina um cliente, cheia de si - sabendo que ela é poderosa, com aqueles peitões e aquele cuzaço, ao qual todos gritavam, "cuzuda do caralho!", jurando que era uma mulher - quando apareceram dois tipos que diziam querer um programa. Ela foi com eles no carro, lá eles só não pregaram a mona na cruz. Deixaram-na aos frangalhos, cheia de dores, roxos. Cortaram o peito afim de tirar o silicone fora. Pior é que enrabaram a pobre - acho hipocrisia desses pseudo-machões que dizem odiar a nós, e ao primeiro contato nos molestam como se o fato de gostarmos de pica significasse que no nosso orifício já tão malogrado aceita a entrada de qualquer um. Sei que passou ela, a Paulinha, meses e mais meses no hospital. Visitei-a algumas vezes, ela não falava coisa com coisa e pegou uma infecção nos seios. Hoje ela deve ter se virado bem. Soube que estava viciada em heroína lá em Barcelona. Pergunto se há maneira de fugir destes pesadelos. Ela diz que lembra a todo instante do que aconteceu e que não mais em esquinas morrendo de medo. "A faca ainda brilha na minha cabeça, amiga", disse ela na internet uma vez.


Saio de casa para a faculdade com um mal-estar de ter lembrado de tudo isto. Cruzo com o meu objeto de voyeurismo num café a discutir futebol com um amigo - um jornal em suas mãos e sorrisos, gesticulados pesados no ar. Como poderei eu reagir normalmente a ele, se eu mesmo não aguento sequer ver estes dentes brancos perfeitos?, seja de maldade, seja por pura petulância, arrogância - ou relutância - , sei que dele não esqueço. Mas passo, cruzo a rua, ganho a esquina, triunfante, como só uma mulher sabe ser.


A W.

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