sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Reflexão


Tem certos dias em que a gente acorda com aquela vontade meio inconstante de não falar nada e falar, de não olhar pra nada e olhar, de dizer que não vai e ir, e assim por diante.

O problema é a reflexão.

Vez por outra eu me pego refletindo em não refletir, e acabo chegando a conclusão de que, como disse Amarante, "não te dizer o que penso já é pensar em dizer". Não querer refletir é refletir sobre a não-reflexão. Pior é que nem é complicado, é simples, direto, e é um ciclo vicioso.

Dois dias atrás estive assim, eu, José da Silva Sousa e não sei mais das quantas de sobrenome, sem conhecimento, sem documento de identidade, sem fotografia que me deixe relembrar, me peguei pensando na vida, nos caminhos descruzados, de braços largos que ela me forneceu sem que eu pedisse, e me dei conta de que ela tem mania de me jogar na cara muita coisa e dizer, Vira-te, como fosse fácil isso.

Se vida fosse vida, janela fosse apenas uma janela, tudo seria bem mais simples... Mas há o ser e o nada, há a coisa e a não-coisa, há muito em que se refletir... E vez por outra meu corpo chamava, Ó José, por onde que você anda que não volta pra me viver?, ele perguntava, daí eu voltava, com enxada na mão, sem remédio. Mas se a coisa fosse simples, eu pensei depois, talvez não tivesse eu onde estou. E de repente o lampejo bateu como uma pontada forte, e vi coisa de cinco ou seis coisas que eu gostaria de nunca ter visto, que eram todas à cheiro de morte -- esse cheiro amargurado, pesado e fedorento.

Enxugar o sol da testa é que era remédio.

Fui à jantar em casa, com um buraco no estômago, cheio de fome, e vi o prato de comida, mulher sem sorriso, o filho conversando criancice, que não é nada e tudo, e  cachorro com rabo abanando mosquitos, na porta de casa. E a casa nem é minha, eu não tinha parado para perceber que em sete dias por semana, em sete longas horas diárias eu nunca parava para perceber que era absurdo chamar de meu um teto que não é, nunca foi nem será. E a mão foi a testa, aos olhos, que molharam o arroz copiosamente, mas, sem que ninguém percebesse, enxuguei-os de relance, com mão aberta, e recompus minha figura. 

-- Que foi pai?
-- Num foi nada, menino. Vai jantar.

Se eu não tivesse parado para refletir, se eu não tivesse parado, se eu não fosse eu! Não se dá direito a pensar o homem, não tem o direito de pensar, de refletir sua condição, que o que é forte, esmorece, e então, é implosão, coisa de se sentir dó, que homem chorando é coisa mais desalentadora que nunca já se viu. Vi meu pai chorar uma vez, uma de tristeza, outra de dor, nunca outra vez, e aquilo nunca saiu da minha cabeça, pois eu sempre achei que homens não choravam, heróis não choravam nem sentiam dores. Mas... Heróis? Quem falou neles? Quem os inventou? Deus?

Ora, a resposta é uma coincidência.

E,a,p'

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