domingo, 24 de novembro de 2013

no guarda-roupas

havia um corpo guardado no meu guarda-roupas quando cheguei de viagem, um corpo amorfo, cheio de veias azuis estendidas como desenhos feitos com caneta bic nas faces acinzentadas.
que fazia ali, não sei.
era um amigo, dez anos que não nos víamos. não bem um amigo, mas um conhecido, talvez não um conhecido, mas alguém cujo rosto perdi na memória.
os mortos em seu estado fedem igualmente.
olhava: ele tinha traços meus, traços de minha mãe, traços de um mundo inteiro nas veias de seu rosto. o corpo cheio, duro, as mãos duras, os dedos dobrados. a polícia fora acionada, o corpo fedia há dias, ligaram para lá, meu álibi era a viagem. minha esposa e meus filhos não moravam mais comigo. não sei que isso poderia ser.
mas fiquei parado, a polícia perguntava, a única coisa que ficou pontuado nas minhas respostas foi a última:

-- achei que ele já tivesse morrido.

eap

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