segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

parábola da vontade e da constante


aos vivos

nasceu em tudo e em tudo se fez praga.
hoje seu relicário é uma lembrança amarga
de dias em que a mesma cor com que lhe pintaram
transferiu a ele uma dada peça incolor
para colorir seus anseios de humanidade,

este homem não pode saber
que a vida corre a léguas de si

que a solidão faz peso na porta
e não deixa ninguém nem entrar
nem sair.

simplesmente a liberdade é algo que
para o coração não faz miséria,
e na veia ele sente, e sempre, e só,
fadado o presente, o futuro, o nó:
eu quis ser deus, tanto quanto pude
e na imagem de jesus cristo
recobrar algo que assim se assemelhe
de plenitude.

nasceu.

e não poderia ser mais santo
que judas.

nessa fiação de amores inconstantes
pelo que há de concreto e mutável
areia movediça,
sonho que te lembra
algo tão real,
quanto o rosto que embaciava tua turva visão
de criança sozinha

quando a luz apagou,
quem te socorreu, amor?

nasceu, e com a leva de leves
de peso se fez carregado,
no cais dos contêineres, estivava
sacas e mais sacas de pesado fardo
de saber que o mundo é feito
do deixar ir.

mas não deixa,

carpinteiro que é,
não acredita na frigidez do aço
na sua imaleabilidade,
na sua triste sina de ser o que é:
prefere raspar a curva
mais dolorida que seja
toda noite
para adaptar-se ao peso,

e, frágil, sim,

mas, deus, porque tudo é assim
de se acabar,
e de se acabar é que somos feitos
de nascidos, transformados, mutabilidade
e mais, e menos, e dor,
e peso:

caiu pobremente no seu peso
de adaptar-se,
as pernas estremeceram,
ninguém saberia agora,
se a vida lhe pesou
ou se a adequação lhe derrubou

antes que caísse por sobre a própria coluna
e olhasse frio e calmo
como nunca
para a obra - e esta, leve, impassível,
entretanto,
quebrada,
lhe retribuísse o olhar:

- quis de ti o peso
de mim quiseste a beleza,
onde iríamos parar
senão na firmeza
do desequilíbrio constante?

eap

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