domingo, 9 de março de 2014

cozer o tempo

cada dia a mais é um encontro entre nós,
novelo de lã onde as melhores coisas do mundo são sobrepostas
pelo enleio de nossa história
-- hoje em dia, quem reconhece quem?
nas horas que se fazem mortas,
no inferno que nos torna santos,
quisera eu que na medida do absurdo
nos transpuséssemos frente a frente
ainda resgatando uma corrente que
num peito se prende ao gancho
do peito de outro.
sorte que o que nos une
é carne, tripas, nervos, tudo enlameado,
encharcado, entumecido de um sangue
que bombeia de um ao peito do outro,
vitelina ligação, mas têm-se que haver
o momento do corte, bisturi e gaze,
algodões, alicates, tesourinhas, agulha e linha:
pende arrastando no chão,
e quando dá-se por si, o corpo regenera
e então você guarda aquela dor dentro dos botões:
"deixa disso rapaz, pra quê um palco
para lavar inteiro com lágrima?
faz delas antídoto e veneno
para recompor e cicatrizar tua ferida
-- um dia inflama, outro não;
um dia sara, outro mata"
me disseram, suportando minha surdez
e minha cegueira, minha natural loucura
em não se deixar descansar,
mas o peito bombeia sangue, a mente ideias,
na medida do caos com que minhas funções
mais orgânicas
foram acostumadas a produzir -- por que tão caótico?
no fim, depois do "acaba", antes do "enfim",
(essas medidas didáticas que nós poetas criamos
para botar ponto final no assunto que nunca finda),
cai-se de si que sonâmbulo é que se costura
tal laço,
não nascemos assim,
e assim caminhamos,
até o próximo surto de sonambulismo,
e é por isso que ando sempre
com minha agulha e linha nos bolsos.

eap

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