sábado, 11 de setembro de 2010

O Crítico.


Pois não é que aquele cara não conseguiu enfim publicar seu primeiro livro?, até surpreso recebeu a notícia, e mal teve tempo de comemorar, e ser parabenizado, quando foi chamado para uma comitiva de imprensa numa livraria. O homem se sentia pouco a vontade naquele ambiente, onde na sua frente estavam seus leitores, que nunca leram seus livros, e que mesmo assim lá estavam a esperar suas palavras acerca das dúvidas que pouco surgiam a não ser daqueles seus ex-companheiros de trabalho, os senhores jornalistas. Agradecia a deus por não estar ali presente nenhum daqueles críticos literários que apodrecem a possibilidade de ver um futuro promissor para o artista. Pensou ser mesmo, estes tipos, uns artistas fracassados. Mas não os renegava, porque ele mesmo passou boa parte da vida a descascar jovens e promissores artistas. Lembrava mesmo do seu tutor nos tempos de calouro no jornal. Na verdade um jornaleco, que hoje em dia é um puta jornal do caralho. Nas colunas sociais, todas as celebridades municipais estão a disputar suas caras e sorrisos amarelos. Que putos, ele pensava, mas nada poderia fazer. Ora, jornais estão aí para tudo. Inclusive para recepcionar, nós, artistas emergentes no mundo já tão disputado dos literatos. Já dizia, e não tornava a repetir que estava com medo de um crítico aparecer, mas ora, como poderiam barrar um crítico. Por acaso entra um homem com letras garrafais estampadas na testa, com as palavras CRÍTICO. Se assim fosse, todos eles morreriam de fome.



Eis que lhe aparece um homem de roupão estampado, vermelho, com flores pretas, e uma cueca samba-canção, andando pelo salão receptivo da área da comitiva. O homem punha nas mãos um livro do homem, que tinha aquele aspecto de todo livro de contos: Uma capa preta, letras em maiúsculo, com o título, e lá em baixo em braco-gelo, o nome do autor. O crápula, gritou o homem, que na outra mão, trazia apertada uma caderneta e uma caneta, um gravador e na ponta de dois dedos uma garrafa de um uísque barato. Sua barba disforme, por fazer, meio branca, sua careca descomposta, seus últimos pêlos, seu peito cabeludo à mostra numa camisa de botões que estava manchada de café, e os óculos a escorregar pelo nariz. Imagine Jack Nicholson em Os Infiltrados quando bêbado estava. Pronto. E lá ia ele, cambaleante, enquanto dois seguranças seguravam seus braços, e ele se desvincilhava, sutilmente, puxando os ombros e caminhando entre os livros, derrubando alguns de propósito, e lendo um conto chamado, Os Malditos Sangue-Sugas, gritando palavras que ecoavam mais alto que as do autor,



- "E então, eis que todos eles ficavam boquiabertos diante das exigências do editor-chefe do jornal em relação aos críticos, Peguem-nos nos mínimos detalhes, não existe uma obra sequer, musical, cinmatográfica, literário ou da puta que os pariu que esteja imune ao nosso minucioso trabalho. Fodam com a vida e obra destes putos egocêntricos que se aventuram em auto-biografias, que pecam pela falta de emoção das suas vidinhas medíocres, relatando inclusive a primeira vez que se masturbaram. Ora, a quem diabo interessa como foi a sua primeira vez? Músicos? Ora, se eles fazem um trabalho experimental, aí vocês apoiam, que é para aqueles molecotes pseudo-cults começarem a se achar uns cuzões porque aquela banda que usa a descarga de privada como instrumento musical é uma banda que merece notoriedade. Façam com que esta..." Mas o que é isso?, perguntou então de repente, fechando o livro e alisando a roupa do escritor, que ainda olhava com um sorriso dissimulado, meio envergonhado. Ora, se o meu pupilo não virou um homem.

- O senhor está péssimo, avaliou finalmente o escritor.

- É, mas garanto que melhor que o seu livro, falou irônico o velho, que sorria olhando para a cara do rapaz, batendo na capa do livro. O outro, que desfez o sorriso e lhe estendeu o braço para o lado de fora da livraria, pediu licença e saiu com ele a empurrar-lhe as costas, perguntando-lhe, ao longe, que diabo faz aqui?, e gesticulando, apontando o dedo na cara do outro, o outro ria, abria os braços, deixava a garrafa cair, levantava, sentava no chão do shopping, dava um pulo, enquanto o outro lhe estendia os braços e pela sua boca se entendia, Por quê?, e de repente, voltava o homem, e num gesto de enfado, sentava na mesa e o homem, no vidro da saída lhe sorria, dando adeus com as mãos. Que figura irritante lhe parecia!, e cansado, abandona a caneta, levanta da cadeira cansado, empunha um livro seu em mãos e sobe na mesa. Rasga a primeira página, a segunda e a terceira. Não é literatura, não é nada, se não for o que se pensa ser realmente. Que diabos, só é um pouco de verdade. Os críticos destruiram amanhã todas as duzentas páginas, mas e daí? Amanhã surge mais um sucesso, e eu vou lá e desço o pau nele também. Que se foda. Eu mesmo vou falar sobre o meu próprio livro. Estão vendo este conto, O Dia Em Que Sertanejo Chorou, é uma merda,da qual eu me aproveitei da linguagem chula para chamar a atenção. Estão vendo o conto, Último Dia de Sucesso, é demasiadamente ordinário, usei do dramalhão para descrever a asceção e queda de uma banda, e daí, bandas dão em árvores, você chuta uma e nasce a melhor banda do mundo de todos os tempos da semana. Cantou algumas músicas, rebolou na mesa, empunhou seu livro por completo, queimou, e desceu da mesa e deu as costas ao público.



No outro dia, que livro era aquele, senão um que não mais estava nas prateleiras? Não era mais nada, senão o último best-seller da última semana. E lá estava ele, na sala do editor-chefe da revista, a pegar seu emprego de crítico de volta. E no final das contas, ele próprio tinha razão: Os críticos são uns artistas fracassados.



Cansado.

Amanhã é domingo e eis o pior dia da semana.

Falta de criatividade, falta de saco e paciência.

Melhor seria morrer amanhã.

Não sei o que há.

Eu deveria estar num dia inspirado para escrever.

Mas não dá.



Escutando "The Desperate Kingdom of Love", PJ Harvey, do albúm Uh Huh Her.

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