sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sensibilidade

Estava num bar conversando com os meus amigos de sempre, quando de repente a vi. Os meninos já sabiam soltaram uma pequena piadinha que entendi como algo de bom grado, mas não respondi, toquei na mão de todos, falei para o Nestor, dono do bar, me vê aquilo lá, faz favor?, corri então na direção dela. Calei um pouco, senti a vontade, puxei do bolso, e corri até ela.








Ela nem sentiu e a abordagem poderia ser ali mesmo. Bem, bem, vai ser, pensei. Teresa há muito não falava comigo de uma maneira decente. Ela, cheia dos requebres me devia um milhão de beijos, pois a um cara como eu não se deve iludir. Todo mundo sabe que a um coração viril não se maltrata. Ela, rindo-se com as amigas dizia que daria a mim uma chance, um beijo, e nos seus trejeitos, fazia pose de quem quereria realmente algo comigo. Eu nunca tive muita sorte pelas mulheres que tive - excetuando, claro, pelas que paguei, e estas, foram as melhores.








Ela me viu, deu dois passos na minha direção, sorriu, perguntou Como você está?, eu até poderia ter respondido, mas eu estava de saco cheio. Segurei em minhas mão e aguardei o momento certo. Caminhamos falando sobre coisas diversas, colégio, aquela série que fizemos juntos e nunca nos falamos - o fato de morarmos numa rua paralela por ela nem era lembrado, mas isto eu não quis falar. No meu bolso o objeto incomodava, e no outro também.





Passamos por uma rua, no bar tocava a música que dizia que por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz, pus a mão no rosto despaciente e ela comentava que eu era um animal. Sim, um bruto. Dizem que você não tem nenhuma sensibilidade.


Já me chamaram de vagabundo?, perguntei.


Já. Disseram que você espancou uma menina que você gostava e ela não dava bola pra você.


Não é verdade, respondi, e apertei mais forte no bolso o bombom. Ela foi quem apanhou do namorado porque achou que eu dava em cima dela e que ela me dava bola.

O problema é que ela dava bola de verdade, não é?

Não exatamente. O problema maior é que ela achou que eu estivesse mesmo afim de ficar com ela.

Estamos falando da mesma pessoa?

Provavelmente.

Foi o que pensei.

Digo o mesmo, mas isso não vem ao caso... O que eu não quero é que essa história se espalhe. Depois a Maria da Penha vai me fazer se dar mal, e isso eu não quero não. O namorado dela, foi preso, sabia?

Não. Que ele fez?

Cortou ela toda de canivete, acredita?

Nossa, que horror, falou ela, pondo a mão no peito e dizendo que estava enjoada daquela conversa. Você é mórbido, sabia? Nunca vi igual...



Eu olhava para a rua meio cabisbaixo, meio assim-assim, e não prestava atenção direito no que ela falava.






...Nunca vi igual.

Oi?, perguntei virando os olhos para ela.

Nada...







Passamos de frente para um beco, agarrei-a pela blusa, puxei-a e ela se debatendo.

Espera, eu tenho uma coisa aqui pra você, puxei o bombom de chocolate que escolhi com tanto gosto para a ela dar. Um mendigo se assustou com a movimentação brusca e saiu correndo com os seus farrapos.







Que é isso?




Um bombom que guardei para te dar, Teresa. Eu gosto de você, nêga. E desde muito... Quero andar contigo nem que seja ao menos de mãos dadas. Te acho uma mulher e tanto, sabia? E não mentia. Seus óculos de grau davam a ela uma certa beleza intelectual que me dava calafrios, suores frios. Não podia me conter, ao menos que ela me beijasse, aí sim, eu poderia ser normal ao seu lado enquanto ela não reagisse, eu estaria naquela situação, parecendo um animal acuado. Sei que a imagem só pode ser assustadora, por isso espero, com as mãos juntas, como quem suplica.







Você é um vermezinho medíocre, asqueroso, sabia? Não é um homem, eu falava de mim para mim. Eu daquele jeito, suplicando por ela me dar o mínimo que ela pudesse, que não fosse um não porque senão eu iria ter de... chorar, também.







Um vermezinho asqueroso e esquisito.







Esquisitinho, falou ela e então me deu um beijo, sorriu e saímos de mãos dadas. Meu coração livrava-se de um peso estranho, eu sentia que algo de bom iria acontecer, tinha a sensação estranha de diminuir-me frente à ela, como que eu fosse pouco a pouco transformado numa criança e observando seu rosto lá de baixo, com aquele sorriso e me sentindo protegido pelos seus seios pujantes que eu posso ver daqui debaixo. Um vermezinho esquisito, você, rapaz, eu falei de mim para mim de novo. Era minha namorada? Companheira? Mãe? Irmã?







Na primeira esquina, joguei o punhal numa lixeira de metal.












.






Do início ao fim.

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