sexta-feira, 10 de agosto de 2012

poema à palavra sonhada

essa palavra que alucina, dissemina
sem dó nem piedade, afaga e cumina
numa ideia: ei-la, não mais que ela
é quem quero para suplantar
a dor de toda existência miserável
de toda dúvida e de toda certeza;

essa palavra navalha, essa faca cega,
bisturi enferrujado que insiste penetrar
que insiste penetrar que insiste penetrar,
dilacerar os tecidos da epiderme 
e da derme -- chegará onde quer
fitará o que quiser, e dirá o que quiser
e nos olhos revirados de prazer,
saberá que vai certa e insistirá -- penetrando.

palavra que descerá amarga garganta adentro
(não adianta mastigá-la - 
só espalhar-se-á seu amargor)
fará rasgar a pele e o nervo do esôfago
encostará no líquido biliar do estômago

(regurgitará todas essas palavras, 
a azia queimando
na boca do estômago, 
como vômito e vômito comido)

e fará mal, fará mal, fará mal
como se desejaria que a calda de candura
do mais doce licor descesse,
e, inflamada, e líquida, 
descerá como pedra de fogo,
dilacerando a uretra em pus,
e sólida, jamais descerá, 
sempre desejando voltar.

essa palavra na veia, 
correndo de cima a baixo
e queimando fugaz e esfriando inerte
meus olhos, minhas pálpebras -- 
então distancia as coisas
e aproxima do que se quer 
(esse o nada o tudo da vida)
vai-se por dentro, pico no cérebro
no lombo frontal, agulha no olho
farpa debaixo da unha, que outrora
foi enfiada na carne do coração e 
lambida pela língua aberta.

eis a palavra que quero disseminar.

eap

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