domingo, 9 de setembro de 2012

carinhoso


até que um dia me casei. sei que não é a melhor coisa do mundo, sempre soube, mas no fundo estava escrito que no momento em que ela me perguntasse que sim eu jamais lhe iria dizer que não. mas pensando assim, vou me guiando de achar que sou um crápula, que não gosto realmente dela, o que não é verdade – mas como posso ter essa certeza? e se realmente não gostar dela a ponto de não poder ir adiante nessa escolha? que mal há, pergunta a mim minha cabeça, em se admitir para si que não há amor aí? não atinei para isso, e, pensando bem, eu deveria me ter questionado disso antes, mas, tantas coisas, que sequer sei de meu amor próprio. sentado aqui vendo-a se trocar, pôr vestidos na minha frente, andando de calcinha e sutiã pelo quarto como se eu fosse seu irmão, seu amigo gay, sinto que chegamos a tal ponto de nossa intimidade que o pudor sumiu. rememorando e remoendo os três anos sete meses e dois dias que namoramos lembro de tudo, de suas vergonhas como quando começamos a acariciarmo-nos, dessas línguas loucas de primeiras semanas, que se transformam nos beijos fugazes de lábios secos, dessas mãos que insistem em encontrar a carne viva do lado de dentro, para depois manterem-se longe, essas mãos, andando os dois no meio do shopping, no teatro e no café, dessa vontade de se ver juntos dentro de um quarto, dentro de uma intimidade que parece nunca vir, quando acontece, se quer e se quer e se quer, até que, a intimidade obtida, tudo se tornou para ela chato, inclusive o sexo, ela me olha assim como quem quer fazer outras coisas – e, demorei a ver que às vezes as mulheres querem muito mais que isso, e é por isso que ela me olhava daquele jeito, jeito de quem me pergunta por que cê não sente um pouco mais do meu silêncio, da minha cor, dos meus olhos, do meu cheiro, de longe – no fundo elas amam ser amadas, ser desejadas, sexualmente, sim, mas, mais que isso, um desejo de se tê-las, platônicas, atônitas, agônicas e lacônicas e, aprender isso, para um homem, que nada mais é que um bicho, é trabalho árduo – tenho amigos que sei que nunca irão aprender a ser assim, não sei quem de nós mais errado. ela tem um sorriso em me perguntar qual o vestido mais bonito, sorri mais ainda quando opino, ela se veste, gira bailarina na frente do espelho, me olha por baixo dos cabelos avoados sobre seus olhos levemente escurecidos, eu, sentado como estou, quedante o óculos da minha cara, fico pasmo, nesse instante com a beleza dela, ela pergunta que é?, nada, vira-se e vai ao encontro do guarda-roupas se trocar, não, não o quê?, não se troque, por que?, porque cê tá linda daqui, ela enrubesce, e como enrubesce?, não sei, depois de tanto tempo (alguns anos, isso não lhes direi), levanto, vou até ela, tomo da sua cintura, não lhe beijo, sinto sua respiração perto, e o sorriso bobo, que é que cê tem hoje?, nada, cê bebeu?, não, deito-a na cama, deito-me ao seu lado, ponho de canto só os sapatos, ela se apressa em desabotoar o vestido, e eu digo não, oi?, não, não tira, ela fica sem entender, então tomo de sua mão gelada, ponho-a sobre meus ombros, tiro os óculos, abraço-a, fecho os olhos, ela fria, sua pele, e eu quente, então ela diz que não lembrava do quanto minha pele era quente, e eu não lembrava do quanto teu ombro é macio. eram por volta das nove da noite, o som dos carros na janela chegavam e iam diminuindo, até o quase silêncio, apenas seus dedos encaracolando meus cabelos era audível. madrugada ela me diz silenciosa, cicia, eu senti tanto a tua falta.

eap

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