segunda-feira, 4 de março de 2013

um caso, às 3 da madrugada de sábado para domingo

Nighthawks - Edward Hopper

essas ruas andam cada dia mais intranquilas. dou de encontro com alguns bares abertos. ao longe me comunicam um casal que há ali mais alguém além. não ligo. a rua é deserta e fria. peço, não uma cachaça, um uísque, um conhaque, nem rum, nem nada. um café, e admiro que tenha.  papéis correm as ruas, jornais da semana passada, o casal olha assustado, o balconista não se admira, o turno da noite é seu. conversamos um pouco: já fazem sete anos. sete anos! exclamo, e ele não se altera. nem sei seu nome.

o casal ri um para o outro, ela recosta sua cabeça no ombro dele, repousa brevemente; ela olha em outra direção enquanto ele olha para dentro de si abraçando-a. fico pensando no que aconteceu aos homens da última década. todos andam meio amolecidos, recuados. enternecidos. mas estou falando de mim... ele sorri enquanto afaga seus cabelos, ela permanece séria enquanto o abraça, e quando se largam ela volta para ele sorrindo. desvio minha atenção para não constrangê-los. lembro dela, aí entristeço, mas brevemente. fico pensando se era dessa mesma maneira que seus olhos fugiam. e ela fugia.

no bolso do casaco carrego machado, que me diz coisas de olhos de ressaca e de meninas que são mais mulheres que muitos homens. daqui uns anos, quem sabe, a próxima linhagem de homens saberá desvendar a chave desses mistérios, mas, sou franco em admitir que cada ano que passa e mais mulheres conheço vejo que é cada dia mais difícil saber como lidar. o futuro será dominado por mulheres dominadoras e por mulheres que se satisfazem sozinhas. imagino que de longe nenhum daqueles homens de uma longínqua idade média tenha imaginado sofrer por mulher nenhuma. talvez na cama de dormir daqueles tempos, por trás do amélico olhar da esposa submissa já se resguardasse na hora do amor feito às pressas um olhar furtivo enquanto arfava sobre si o animal bicho-homem. ela observava a porta, a janela, imaginando outras coisas, em silêncio, enquanto o porco fedorento se debatia sobre ela.

o café esfriava, sem açúcar. levei um tempo para retirar os olhos dele. abri o jornal distraidamente, olhei as horas, eram 3 da madrugada, e a rua ainda estava deserta e fria. a cidade parecia um enorme cemitério. de longe, lá de baixo, eu podia alcançar com os olhos as janelas dos prédios e em cada uma delas, um olho furtivo de uma mulher quem sabe, nadando em seu próprio mar de introspecção -- armando o próprio jogo de cartas.

eap

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