segunda-feira, 5 de novembro de 2018

a última dança (ou o baile de sangue)



Latina Dancing painting - Unknown Artist Latina Dancing art painting

e houve este dia
em que o baile parou
as máscaras caíram
e todos se assustaram com o que viram.
seus pares, que antes dançavam sem se conhecer
passaram então
a ver quem era quem
sem atentar aos detalhes
da mão que apertava
mais que o normal
a outra mão
que queria que a valsa continuasse
porque a dança era, em si,
algo que tendia a satisfação.
e houve o grito de horror
de milhões de vozes
que vociferavam um uivo lúgubre
e como nunca
pudemos perceber que a valsa era,
na verdade,
uma armadilha.

os rostos eram feios,
dentes armados
para morder
a carne dos seus comuns,
e fazer sangrar
um baile de sangue.
mas as máscaras só foram entregues
antes do baile começar,
os convidados chegaram
sem elas,

e o que se seguiu
não deveria surpreender.
então deu-se a matança
e uma cruz pesada,
caiu sobre os convivas
e só depois,
percebemos que jesus não estava naquela cruz.
o cheiro era de chumbo,
os sapatos eram botas coturnos,
e as roupas eram camufladas
como os seus rostos.
e não sabíamos,
não poderíamos imaginar,
o tamanho do orgulho
que eles sentiam
na hora de abrir nosso tórax
com unhas sujas
e retirar de dentro de nós
o nosso sangue.

quando a matança enfim acabou,
o que se seguiu foi que a banda
continuou
e ao invés de lanceios e braços e pernas
ouvíamos marchar
botas e baquetas
que conduziam nossos semelhantes
ao abate final
onde dançar seria proibido
porque aquela seria a última dança
desde agora,
até o infinito
para o terror de nossas crianças.

quando no futuro perguntaram
o que se sucedeu ao baile
as pessoas riram
e diziam que o sangue
era tinta
que as botas
eram de palhaços
e que os gritos
eram gargalhadas
e que as máscaras
eram rostos pintados.
o baile nunca existiu,
o baile era uma desculpa
para que covardemente pensássemos
que poderíamos estar juntos
sem culpa.

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