quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um Adeus


Ele tinha um sonho, era quase um sonho besta, um sonho egocêntrico, um sonho até mesmo egoísta, vaidoso. Mas ele sabia que não era digno de tal vaidade. Tinha muito mais o que fazer que fugir de toda a realidade se enraizado em meio às palavras -- infelizmente a vida ainda estava ali, inflamada a sangrar, exalando um cheiro insuportável de podridão, de pus.

Então ele resolveu jogar pela janela todos os seus papeis sujos de manchas de café, enodoados, todos eles duma sujeira, impregnados todos eles de sangue de suas entranhas, invisíveis, claro, mas era ainda assim dolorido, era, ainda assim traumático o fato de sê-los todos seus. Qual o propósito de aparecerem todos eles ali, diante de seus olhos. Era na verdade um despropósito, ele via, e isso já era de todo dolorido.

Pensava na sua desinfelicidade, que era o supra-sumo da infelicidade, da não felicidade: era decerto um desinfeliz! Então deixou-se quedar na poltrona, mas não sem antes fazer chover na cidade uma chuva branca, aos grilhões, de papeis, de letras, a chuva das palavras que caíam do céu de seu décimo sexto andar, enquanto  a cidade adormecia e não pôde testemunhar o espetáculo da chuva de palavrões (no bom sentido) e das verborreicas (idem) histórias que voaram aos ares, que tinham heróis e heroínas, que tinham cavalos galantes e carros que seguiam a velocidade e o destino do vento... Talvez se a cidade tivesse acordado antes da rua ter sido varrida ao amanhecer, talvez - e só talvez - teriam achado linda a chuva de palavras...

E,a,p'

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