quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Das Cegueiras de Joyce

Há histórias que nascem para ser apenas um relato, outras se abrem num cortinado, e de dentro, o espetáculo é a vida, não em fatos, mas em fatos, aqui no sentido português, ou regional mesmo, como fui acostumado a ouvir, os fatos, as vísceras da mente, um descortinar de tudo o quanto há de belo, de trágico, de horrível, e para além, nada mais, o fato, sentido de história, é o que pouco importa, posto que para nós brasileiros, mexer nos pauzinhos para melhorar, aprimorar e transformar a língua é um fato digno, a maneira, seja ela linguística, semântica, no ponto de vista introspectivo, redescobrindo os descaminhos da mente, que não mente nunca, em contraponto, tudo isto, com os norte-americanos, que adoram histórias cheias de segredos, cheias de trâmites inseguros, transitando sempre entre o livro de mistério e os livros de policiais durões, pelo menos, assim os entendo, entretanto, aqui se saliente o meu parquíssimo conhecimento da literatura estadunidense e inglesa, que guarda bons nomes, como Philip Roth, Sir Arthur Conan Doyle, Ernest Hemingway, e, claro, um que subjaz à todos estes, paira como o fantasma insuperável no seu virtuosismo sem tamanho, Joyce, que elevou a literatura inglesa a um padrão alfômega, que até agora poucos conseguiram alcançar, mas, claro, sempre que um ser vai lá a bater à porta do virtuosismo em língua inglesa com seus livros sempre vai haver aquela comparação com o escritor de Ulisses e Finnegans Wake e de Retrato do Artista Quando Jovem. Mas, isto são renomes, agora, falemos de Lolita, que, à sombra do assunto polêmico, deu a Vladimir Nabokov o status de um mestre na língua inglesa, graças à escrita graciosa, que suplantou a obscenidade do tema, e, ora, que maravilha isto, já que um destes renovadores e mestres era um russo imigrante, que, antes de escrever este livro já havia escrito outros nove romances em russo, mas agora vemos a ironia de tal entre os meios da segunda guerra e o infinito da guerra fria, seria esta a prova de que a arte é pacificadora, não tem língua, não tem pátria nem família?, voltemos a Joyce, que ficou cego, graças a um problema relacionado à obscenidade, e, bem, em trinta e pouco o problema se dissolveu, e muitas pessoas, ao passo que o pobre homem ficou cego acusaram-no, o fato por conta da visão detratora de mundo que o homem tinha, uma bobagem cristã, que alguns chamariam de castigo de deus, que deus malvado este que cega e limita os poderes de fogo da escrita de tão maravilhoso homem que conseguiu elevar a literatura em língua inglesa de simples balbuciar de palavras e fatos transcorrentes uns por cima dos outros, aqui um salve! para Joyce, mas, o mesmo, se tivesse ocorrido, poderíamos dizer da cegueira que acometeu um escritor canadense chamado Wyndham Lewis, que exaltava a precisão do caos maquinal, a modernidade e tudo o mais, não obstante isto, além, claro de fundar o vorticismo, que, se for à “vórtice”, de acordo com o dicionário, dará num movimento maquinal, enfim, um ser impressionante no começo do século vinte, claro é, entretanto, examinando mais à fundo na biografia do rapaz, e não é fofoca literária, já que tais fatos são defendidos em sua obra, foi um rapaz mui simpático com as causas fascistas de Hitler, apoiando-o, num livro que tem um título engraçado, que não li, entretanto, pelo título se aperceberá o que houve de errado, The Hitler Cult and How it Will End, acho que não preciso dizer como acabou isto, e no meio do caminho ainda houve, claro, crítica a escritores deliberadamente de esquerda e que eram sinônimo de renovação da língua inglesa, como a nossa depressivazinha, a Virginia Wolf, e, outra grande ironia, o próprio um dia foi, digo dos renovadores, posto que virou assumidamente direitista, e cego ficou, daí, se fôssemos transferir o castigo de deus ao homem, quem mereceria o título honorável de castigado-mor? Que fique aí a questão, mas, se não for injusto, que eu morra agora, por isso acho interessante observar estas questões que não deixam de nos estarrecer, aliás, nós que nos interessamos pela literatura como um todo, eu, busco não ter tanto preconceito com as outras literaturas de línguas que não sejam neolatinas, já que provei da delícia das linhas escritas à ponta da caneta francesa, italiana, espanhola, portuguesa, brasileira, mas, veja lá, todos traduzidos, que ainda não tive o privilégio de pegar nas mãos o original e ler as palavrinhas juntas na língua mãe, mas planejo ler nosso Dom Quixote em Don Quijote, e me surpreender pelas mãos de Miguel de Cervantes, Gabbo e seu Cien Años de Soledad, além de Alighieri, com o paraíso, o inferno e o purgatório, lá nas delícias da França, bebendo de Sade, que é o que mais me interessa de outras épocas, e por isso, nada tem a ver com o que falava agora a pouco, mas sim com as outras línguas que não neolatinas, quando estive a ler por estes dias o prefácio da tradução de Paulo Leminski, de um dos outros renovadores da língua norte-americana, um senhor, que também bebe das águas de Joyce, chamado John Fante, agora, mais uma das ironias da literatura, o rapaz é um ítalo-americano, e não um puro-sangue, por assim dizer, vagabundo, como aqueles outros rapazes da geração beat, Kerouac, Burroughs e Ginsberg, que são jovens pelos quais bastante me interesso, que por sua vez deu origem ao vagabundo-mor, senhor Charles Bukowski, maldito, que também era outro não-puro-sangue, vindo dos confins da Alemanha ainda jovem, e enfim, vive destas contradições a arte, que se dependesse do castigo de se fazer cegar os seus artistas, estes, bravos senhores, ainda dariam um jeito de fazer maior, penso eu, sua glória e que ceguem-nos, atem-nos até as mãos e deem nós nos dedos, que ainda assim daremos maneira de pôr a folha o pensamento escrito!, ah, sim, quase me esquecia, ia findar sem lembrar que dizia que lia o John Fante com o prefácio do tradutor Paulo Leminski, que revelava antes ter preconceito com estes pobres diabos iludidos por tantos anos em seu american way of life, posto que o que se vê no livro é o outro lado da moeda, e por isso, além de abordar uma bela temática ainda tinha o privilégio de sorver as inovações joycianas, aqui uma brincadeira lúdica até com o próprio nome do homem, enfim, era uma revelação ao Leminski, que não se deixou cegar também ele pelo preconceito que ainda temos com algumas coisas, por isso é que vez por outra digo ao Machadinho, meu filho cá fique um instante, que vou dar uma volta com Dostoievski pelas tabernas da gélida Rússia do século XIX, para me embriagar de vodca, enquanto descubro outros machados nas roupas de Raskolnikov, ou, cá fique, Jorginho, que Sartre e Camus vão a dar um passeio pelo lado europeu da vermelhidão comunista de um e negra do anarquismo do outro, vez por outra, dizer isto às palavras não é nenhum pecado, por isso, desconfio, com todo respeito ao nosso senhorzinho ali dos confins de Alagoas, Seu Suassuna, é bom se misturar e brincar de liquidificar areia e água, ver no que dá, que xiismo, está mais que provado, sem discordar de uma bela peneirada, dá em cegueira.

eap

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