sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dos Vaga-Lumes e Vassouras

"I, I wanna be a horse
[...]
I, I'm the boy,
She, she is the girl,
He, he, he is the bear,
We, we are the army you see through the red raze of
Blood, blood, blood, blood."

Liars -- "Broken Witch" 
(They Were Wrong, So We Drowned -- 2007)

Ócio criativo, todos os dias, a folha branca. Nenhum som, coisa alguma que ajude para começar a cítara elétrica a tilintar. Tão difícil esse uso, e eu aqui, esse instrumento lá. Prazos e mais prazos, eu mesmo não sei que fazer -- a criatividade era outra, eu era outro, não era gordo e barbado.

Fui pra uma floresta, eu, meus amigos, coisas que não se veem por aí: floresta, frio, árvores, animais selvagens, ursos, o mais perigoso deles; na verdade, de tudo, só me deixava nervoso o urso. O resto, até a descoberta daquele caderno, era resto de nada. Os dentes do urso mastigam um peixe. Salmão, direto do Canadá pra cá.

Os cadernos. Na verdade, antes deles, o Drummer arranjou sabe lá quantos quilos de erva, pôs na mochila, acompanhou o Bass, que trazia já consigo bebida que se degustasse quente. Dessa sorte. Fomos. Eu munido dos meus cigarros, minhas tralhas, meia dúzia de cuecas para mais de seis meses de espera -- que viesse de uma vez.

Ficávamos à toa com os instrumentos nas mãos, rodando pela sala da casa, o chão de madeira, grunhidos, que viam e voltavam. O som estava em todo lugar, agora, onde a inspiração? Nunca soube se o caderno fora invenção do Drummer, ou se fora sério aquilo de corpos decepados pendurados no arame farpado da cerca do quintal. Peles cheias de sal, meninas estupradas pelas estradas e um carro em alta velocidade que, sequer cuidavam de atropelá-las e deixar lá -- mesmo com os ossos quebrados, esmigalhados, partidos em mil, eu ainda as tinha nos braços. Andando na floresta, três vaga-lumes doces, rindo de frio, rindo de nada. Drummer falava coisas,

-- ela, coitada, segurou-se nesta árvore, abraçada, jurou, sei lá, que alguma coisa fosse salvar e wah! um grito do Bass. Que surgia do nada, um ponto vermelho de horror, o urso a devorava, enquanto ele fugia com o pau de fora, completava o Drummer, rindo, e eu, que era o urso, e também o cavalo, dizia Bass, ríamos. Coordenei o pensamento e não dormi.

No dia seguinte, madrugada de vaga-lumes risonhos, doce, quase se agarrava a candura do momento.

-- é complicado, porque ele se travestia, punha de novo a cruz sobre a pedra. E, sabe, observava, e somente isso, porque ele tinha esse costume de costurar a boca das vítimas, depois, a cruz, sei lá quantos pregos no pé. Dá pra imaginar seis pregos daqueles furando teu pé? Não tem espaço pra tanto, Uma árvore caía lá na frente, Bass, cuidando de derrubá-la -- seca em vida, uma vaca mugia. Dois dias sem dormir, a madrugada coisa de outro mundo. A noite não demorava tanto assim na cidade. O que era ele? Era um bruxo, me respondia Drummer, irresoluto. Eu sou um mago, oi? Um mago. Mago de óculos? Nunca vi. Há sempre espaço na vassoura dela, sabe? Um frio na espinha. Não sabia porquê.

Na cama, ele me segredou; o cigarro na boca. Nem aqui os vaga-lumes paravam. Mais de um quilo de luzes.

-- Eu já te disse que cerceei o jardim do meu vizinho com os ossos deles? 14 pessoas, meu Deus, era tanta gente. A próxima linhagem vai demorar a surgir.

Achei que fosse dormir, mas depois disso, acordei mais ainda. Os olhos saltados. Os lobos. Os lobos, sim, estes, mas, longe, nada fariam. E comecei a rezar. Ao que o Drummer, o olho aberto, altas do dia quase raiando, disse,

-- Você pode até amarrar suas mãos, se você quiser. Eles vão fazer acontecer de qualquer maneira. Não adianta. Essas bruxas vão te levar, como levaram aquela meia-dúzia de lagartos, mais de um quilo de luz dentro dela, como é que pode? A garrafa caiu, e Drummer, parecia, adormecera. Se ao menos eu pudesse dormir, mas, uma aranha, que bebia minhas lágrimas, observava tudo quieta, sobre a sua teia que tecera um mês inteiro. Um atabaque surdo, suas patas. Nada... O som era perfeito, sem nexo.

*

Dois meses depois, a pergunta era essa: como vocês conseguiram esse feito? A Europa ama vocês. Mergulharam de cabeça no pesadelo, pensei. Os Estados Unidos batiam os dentes um no outro, nosso foco, sequer fizeram cócegas nas prateleiras, como resolver?

Disse, o que veio na mente:

-- Sempre vai caber um na vassoura da velha bruxa.

eap

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