terça-feira, 15 de maio de 2012

Três da Madrugada

Houve uma época em que propaganda de cigarros era a coisa mais cool do mundo. Tinha sempre aquele cara super bonito, que baforava enquanto dirigia o seu carrão, aqueles sons, chiados extensos, aquela coisa meio good trip que toda publicidade hoje em dia empurra goela abaixo para nós. Era bonito de se ver. Eu via sempre nos intervalos das corridas de Fórmula 1, quando tinha, sei lá, oito nove anos. Depois, quando a moda do politicamente correto e dos afetados pegou de vez, essas propagandas passaram a acompanhar os intervalos daqueles jornais da madrugada, que eu, insone confesso desde os oito, assistia todas. As dos Hollywood eram as melhores.

Tenho 25 anos de fumo -- sendo que 15 deles passivo. Fui acostumado desde jovem com isso. Meu pai sempre tinha um Marlboro vermelho no bolso da camisa, minha mãe guardava o seu Dunhill sobre a geladeira. Eu lembro. Quando comecei, eles não disseram nada, apenas comentaram que era melhor que álcool ou drogas ilícitas. Fiquei um pouco desasado, não minto, entretanto, nunca pedi um tostão de minha mãe nem de meu pai para comprar os meus cigarros. Roupas, sapatos, discos e fitas sim. Eram outras drogas.

Hoje em dia fumar é coisa para quem quer pagar de hipster por aí. Sai, bebe todas, com uma carteira de Lucky Strike no bolso -- de preferência aquele afrescalhado, que você tem que apertar no filtro pra que ele fique parecendo um icekiss com tabaco e agrião. E, claro, se os pais souberem, morrem, ou matam, ou nem isso, por serem cigarros mentolados, a merda vai ter que parar ali na festa, e para realmente. As mocinhas acham um charme andar com uma garrafela de ice e esses cigarrinhos nojentos que só cheiram a incenso, o que me dá náuseas, mas em outras ocasiões fazem aquele sonzinho de asco ressentidor de eca quando se aproxima um garoto que fuma. Sofri repulsas, mas não deixei.

Existe hoje até aquilo que chamam por aí -- que eu já ouvi -- cigarros de veado. Embora eu ache que cigarro é cigarro e pronto. Não distingue sexo, raça, religião ou posição social. É sempre ele quem te faz uma companhia quando sozinho -- os que fumam sabem que a solidão à fumaça de um cigarro numa mesa ou num lugar escondido ajuda às dores do peito.

Esses aí nunca sentirão a mão tremer convulsa numa madrugada em que se passa a fio, a espera de uma ideia, e que o corpo, dolorido de um cansaço inexplicável, pede, clama e geme por um cigarro. Que seja uma guimba esquecida no chão, que seja, até mesmo, saída da boca de um leproso, contanto que eu sorva de novo aquela fumaça e tire de mim essa agonia de não ter ideia nenhuma pra repor meu sono de volta. Por nervosismo já fiz muito: roí unha, arranquei fios grossos de cabelo, batuquei na mesa, tremeliquei as pernas, o pé. Só não tinha sentido a ânsia do cigarro.

Fui no bar, tomei uma dose de cachaça -- coisa que não faço -- três da manhã. Não tinha cigarro nenhum. Voltei pra casa, com frio, com fome, mas sem vontade de comer. Sentei de frente à tevê, esperei que alguma coisa passasse, não passou, eu dormi -- não fumei.

eap

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