segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

sem tempo

2 irmãos, mãe morta, atropelada, 18 anos. era um desespero sem tamanho. não bastasse o pai, sumido no mundo, inda agora essa. dois irmãos, ele, sem emprego, sem faculdade. presente de grego, futuro de lamentação. não adianta chorar.
ensino médio, cabou-se, emprego de meio-período, entrega água no garrafão, a madame do carro popular, segura a bolsa com força: só quero o troco. todo dia uma prova diferente: no troco da matemática é que se aprende bem, no uso do vocabulário certo é que uma moeda convém: bom dia, com licença, obrigado.
não tinha tempo pro orgulho, não tinha tempo para sentir ódio. era só resignação.
levanta cedo, prepara café, arruma menino, arruma menina, vai deixar, pega lanche fiado, desconta no fim do mês.
era presente de grego, esse do destino, transformar logo cedo em homem um menino. obviamente, claramente, reticente, nem uma gota de suor, fumava escondido (era bom exemplo).
todo dia era essa a rotina, parecia um sonho o fim de semana. a saudade da mãe era tamanha, mas não tem tempo pra saudade, não tem tempo pra orgulho, não tem tempo para sentir ódio: tô passando, eu ouvia ele gritar. deixava água, compras também. homem de confiança do pinheiro, o dono da budega, ia pra onde for, sem medo, com bolo de dinheiro, voltava com o troco que o fulano mandou.
moreno, às vezes era preto, nego, neguim, ficou conhecido neguim da água. braços finos, mas levanta galão de 20 litros com uma mão só.
neguim era forte, era conhecido, nem mesmo a malandragem mexia com o menino: esse é responsa, guerreiro demais.
o tempo corre igual a cargueira azul, rua acima, rua abaixo, beco aqui, sobe escada, ele nem pensava, faz um ano, nunca chorei.
foi na formatura da oitava série do irmão, que chorou primeira vez. aquele ali, meu irmão, é o guerreiro.
a irmã viria a se formar 3 anos depois (quando o irmão passou no vestibular).
era tanta lágrima que era mar, derramado, de seco, de magro, mas escondido. tudo era só alegria, mesmo que às vezes tivesse que se estressar, mas neguim não tinha tempo para nada, não tinha tempo pra rancor nenhum.
entendia pouca coisa de si, do seu lugar, foi por isso que se chocou quando o irmão disse que ia embora, estudar no piauí, aprender engenharia e depois tirar eles dali.
a irmã saiu também, arranjou emprego no exterior. achou chique demais, nem reclamou.
aí que a casa de neguim ficou vazia. foram 9 anos segurando, mas, mais dia menos dia, essa lágrima teimosa de tristeza cairia.
e caiu, mas neguim não tinha tempo, não tinha tempo de nada não. morava no barroso, tava completa a sua missão.
nunca mais soube de neguim, acho que o irmão o levou pra outro lugar, ou a irmã, sei lá. tava sempre apressado, eu sabia que em algum lugar ele ia chegar. 

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