sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os Pequenos Demônios - Fragmento

Os pequenos demônios ainda me olham por baixo da cortina.

A luz baça, escurecendo, quase a fraquejar, e de tão amarela, percebo seu ritmo, indo e vindo.

As paredes, movimentos de espectros angelicais ou maldosos espíritos que calçam vidros nos pés.

A orquestra de um pequeno horror causado pela madrugada, que vai fria fria, sem nenhum som a entrar pelas brechas da janela - eu poderia jurar que os olhos deles atravessam aquela fresta aberta entre uma tábua e outra e estão aqui na minha cama. Os pequenos demônios.

Eu poderia simplesmente acender as luzes, ver, quem sabe, que feições seus rostos lembram, se têm rostos, se não é apenas um buraco, sem olhos, sem boca, sem nariz, sem nada, apenas um enorme buraco a tragar o pecado, o medo alheio. Minhas mesquinharias, minhas pequenas manias. Percebe-se que não falo assim por falar. Há na minha dicção esse tremor insistente, e quem estivesse a me ouvir cochichar que não vou abrir os olhos já saberia disto.

O rosto que tenho, pode ser, não sei ainda, é dele. Como adivinharia, se não sou louco de abrir os olhos. Talvez eu seja um louco, de pedra, dos pães, sabe? Mas não por querer abrir os olhos, mas por tê-los fechados, e supor a existência dos monstrinhos. Mas eu não julgo ser louco, apenas sei que eles respiram quentes em minha nuca. Quase lhos ouço a sussurar meu nome. Ciciam no mesmo ritmo contínuo e fraco da chuva que vai pingando nas folhas da árvore do lado de fora. O telhado deixa goteja suas salivas - todos jurariam ser algumas goteiras, mas eu sei que não o são. Os demônios vão descer um dia, e vão fazer o que Travis Bickle um dia disse que uma forte chuva iria fazer com a cidade de Nova Iorque em Taxi Driver: vai levar toda esta maldita corja consigo, uma chuva forte. Eu estarei lá para vê-los, todos eles, e eu inclusive, sendo puxados para dentro de um grande fosso onde jorrará uma lama putrefata, e o cheiro de enxofre irá invadir a cidade, os becos mais recônditos, as ruelas, as ruazinhas, as ruas conhecidas e avenidas - a trombeta do anjo vingador, como eu devo ter lido em algum livro.

Os pequenos demônios são os anjos caídos, que sobem vez por outra para atormentar minha paciência, assim eles lha testam, assim eles vêem que eu posso ficar completamente louco ao ver que se eu não digo isto a ninguém, vou somando suas aparições, seus olhos vermelhos por trás de paredes, de colunas a me fitarem, e somando, aterrorizo-me, pois não encontro remédio para fazê-los irem embora.
(...)

E,a,p'

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