segunda-feira, 9 de março de 2015

vinícola [fragmento]

não seria justo deixar o mundo desta forma
a forma como propus deixar de ser
vegetando como as paredes da casa,
deixando subir pelas pernas o lodo
e ressecando quando bem se dita o sol

às vezes desaparecer é a palavra que usamos
para transpor a linha tênue de uma mudança brusca
e a mudança definitiva daquela fase
em que os meninos se tornam homens,
ou mesmo o aniquilamento do que foi social

porque há dias e dias em que se supõe estar cansado
e até mesmo quando este se revoa até o telhado
e cobre tua casa como um pé de maracujá
envolto em musgo, donde se criam fungos
as criaturas tendem a se sustentar no calor de seus corpos

aí, deixar o mundo: não existe ideia mais ridícula,
que morrer ainda é bem melhor que sonhar,
não lembro se já disseram que a vida era castigo
e se não é assim que encaramos a desgraça
eu não quero mais saber das ruas onde vivi

porque eu posso afirmar que como um vinho
o corpo e a mente no qual fui jogado sem perguntas
foi tomando para si as misturas da terra e a água
e por quantos anos de tédio e lamento tive que absorver
para que neles se encrustasse o cheiro e o gosto daqueles dias

[...]

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