segunda-feira, 1 de junho de 2015

edgar

era uma vez aquele homem. mas era uma vez de ter-se pena, porque aqui era seu fim, embora comece outra história, a de edgar.

pobre edgar.

edgar era pai de família, casado há 35 anos com a mesma senhora gumercinda, aposentado das agências dos correios, concursado, o inss, todas as contas em dias.

saía todo santo dia 15 de cada mês, pagar as contas na lotérica, apostava na mega-sena, 40 anos apostando, ganhou na quadra uma vez -- com o dinheiro comprou uma tevê sharp 14 polegadas em 1987.

era o amor dos filhos, o amor de sua esposa, o amor de seus netos, o amor de seus amigos -- seu edgar era um amor. todos moravam na sua casa.

os netos faziam algazarra, o velho nem dormia, mas era tão amoroso, que a eles fazia companhia.

dona gumercinda comprava vestido e jóia, edgar amava ser útil, amava o agrado, era um marido pacato e dedicado -- embora gumercinda se maldissesse do seu cheiro de naftalina, edgar dormia na sala, cadeira de balanço, gumercinda, amada, esparramava-se em solitária harmonia.

mas eis que dia 15 de julho, ia conferindo a numeração da mega-sena, entra despropositado o carro, edgar voa 15 metros à frente, quebra as pernas, a dentadura dupla e os óculos vão longe. edgar que era só amor, era uma vez.

mas acordou de súbito, e assinou a papelada do hospital, 3 dias depois, o joelho estilhaçado, andava sem sentir que suas pernas desmontavam.

juntaram seus pedaços com uma pá. puseram na maca, cola, parafuso, prego, martelo, um pedaço de ferro, costura um sorriso, edgar até sorria.

alta do hospital, edgar vai para casa, escreve uma carta:

"saiam da minha casa, pedido meu
escrevo porque não posso falar
arranjem um lugar para chamar de seu

Edgar"

ninguém entendeu o disparate, mas decidiram todos sair, os filhos levaram netos e noras, dona gumercinda foi morar com o mais velho, a casa era toda de edgar, que dia 15 de agosto faleceu no prazer solitário de um cinto preso à porta do paraíso.

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