segunda-feira, 8 de junho de 2015

Sem Nome nº 77

quando foi que de repente me fiz assim tão frio,
mesmo no regaço do vestido, na mão na mão,
ainda assim, esquenta coisa nenhuma esse meu peito,
perito em se questionar se é hora de se entregar.

pelo tempo que passamos juntos deveríamos saber
que quando a gente se vê ainda tem aquele tremor
o frio na barriga, as pernas inquietas, o olhar perdido,
mas eu, que sou líquido, já me adestrei, cachorro de rua;

embora por dentro a coleira tenha-se rompido
e duma mordida eu tenha arrancado um pedaço
de nossa história e levado comigo, para enterrar no quintal,
profundamente, escavador, mineiro: faço da memória meu ouro/meu osso

quando dá vontade, desenterro, lambo, mordo, contemplo,
para guardá-lo novamente e ser assim, sem fim,
todas as vezes em que eu olhá-lo, enterrado -- algo assim
que julgava morto, as nem tanto.

foi de ver-te, tuas pernas grossas e pele trigueira,
que me refiz um pouco, encontrei ali, o fim
e o começo do primeiro gole,
1991 a 2013, a vida escorregava densa como fosse óleo

sem nos misturarmos, detive-me num sono malicioso,
onde, com manhas de gato faminto, desaguei a contorcer-me,
mas era sono charmoso: o tique nervoso, de coçar os olhos
e cisco nenhum impedia de contemplar o frasco de veneno

que porventura, no espelho olho, e também sou.
mas, como e quando foi que fiquei tão desprezível
ou desprezante, desprezado, desesperado, de um grito mudo,
de um grito surdo, por saber: onde eu estou?

minhas mãos continuam as mesmas, meus dedos,
minha boca, meus dentes, cada poro deixa correr ainda
o suor, e os pelos, todos ainda em seus devidos lugares.
página 1, página 2, as canetas riscam o silêncio.

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