sábado, 30 de abril de 2011

Normalidade


Começou naquele dia a busca do maníaco das loucuras por procurar a normalidade. Saiu desbaratado, sem ânimo para sentar sob o toldo e esperar a chuva passar, continuou caminhando sob ela, sem perceber, e aí foi quando deu conta de que poderiam apontar o dedo e chamá-lo louco novamente, logo hoje?, logo a ele, que esforçava-se por ser são?

Bobeou nas pernas, saracoteou sobre as pedras do calçamento enlameado e ficou esperando sob o toldo desanuviarem-se as nuvens para que pudesse procurar que fazer. Jamelão chegou-se a ele, molhado, encharcado, cheio de si, mal-cheiroso também. Sentou-se, língua para fora. Conversava com ele, quando deu de conta da anormalidade da situação: ele, conversando com o vira-lata mal-cheiroso da rua?, só pode ser coisa de louco...

– Jogar pedra na lua, sabe como é?

Lembrava das palavras do seu Arlindo da esquina, que caçoa desde sempre dele, pobre infeliz, que teve a zica de se descobrir louco.

– Meu filho, louco?

Lembra ainda da reação da mãe, que no dia, mão na frente da boca, espantada – tadinha – assombrou-se com a afirmação do médico. Ela quem procurou aquilo, cheia de dúvidas sobre que fazia esse menino, meio da rua até às tantas da madrugada a fazer não-sei-o-quê. Achava que pegava bagulhinho na ponta dos dedos ou estava a perder o septo cheirando talquinho.

Internou.

Até aí tudo bem, porque o que acontece entre quatro paredes, lá fica, coisas de família, etc., mas a mãe era uma fofoqueira: a vizinha da vizinha, da vizinha, da vizinha, já sabia de mais detalhes do que tinha dito o psiquiatra – que nada encontrara além de um pequeno grau de claustrofobia: exames de sangue, urina, fezes: tudo limpo.

– Eu falei que tava careta, mãe. Não sou disso, não acredita em mim.

A rua olhava de maneira estranha, pobre louquinho eles cochichavam entre si, via os sorrisos e os dedos apontados discretamente por baixo dos braços cruzados de uma conversa que não era com ele, não aparentava ser sobre ele.

Agora sob a chuva via o quanto estava acuado na mesmice de sempre procurar a tal normalidade, pois no dia em que choveu assim, ele tentara da mesma maneira; ficou na mesma esquina, fumando um cigarro, cheio de dores nos olhos, quando o Samuel, aquele cavalo louco, disse na cara dele,

– Lá vai o marmotoso, pega o doido!

Engolir calado é que não ia: de um impulso só, saiu correndo de debaixo do toldo em que se encontrava exatamente agora e de um pulo – era um cavalo! – acertou as fuças do dito homem-parede. Um chafariz de sangue lavou a calçada; o nariz parecia ter aberto os poços de petróleo do Golfo do México.

Chegou a ambulância; levou seu braço e num abraço levou-o junto. Sentiu saudades da sua mãe, por incrível que pareça numa semana voltou, disposto a provar sua normalidade. Parou de falar consigo mesmo, como era de praxe, bem como quando se via em maus lençóis ou problemas que não gostaria de que sua mãe tomasse conhecimento; soltou a coleira do Bóris, o Cocker Spaniel de sua mãe, com o qual costumava falar; parou de vestir-se da maneira que gostava (calças jeans rasgadas, cortou os cabelos desgrenhadamente belos – uns cachos loiros, doirados como algodão); além de pôr na lixeira seus cedês de rock. Nunca mais Nirvana, nem Slayer, Metallica, vá lá, vez por outra o Bob Dylan – e olhe lá que “Hurricane” não poderia ser tocada, porque foge ao estilo normal das músicas.

Olhava tristonho, fugaz, para o horizonte cinzento – era quase fins de tarde – e não se absteve muito por lá (contemplar o vazio é coisa de louco também...) e começou a pensar que, fosse tarde de sol, o sol seria de um alaranjado mais lindo. Poderia contemplá-lo até a hora mágica onde o amarelo vira cinza e depois um belo azul morto de cansaço para enfim ser o azul marinho que pode ou não ser coberto pelas nuvens rosadas de chuva – eram rosadas à noite, de dia cinzas. Por mais que lhe dissessem que eram cinzas não conseguiria afirmá-lo, pois só via rosa. Por isso, será que ele era louco?

Lembrou-se de que tinha que ir: remedinho que o doutor que não parava de fitar seu entre-pernas receitara. Mais um minuto ali, sua mãe lhe chamaria alardeando pra Deus e o mundo ouvir as horas do remédio.

Levantou-se, topou, segurou o passo, sangrou o dedo na pedra. Correr?, ele?

Jamais.

E,a,p’

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