segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Analfabetismo Sentimental

Se minha morena entendesse o que aqui tenho guardado,
saberia que o que falo, não é nada além do que é.
Tanto falo, tanto trago em meu peito...
Queria saber escrever, e não deixar rasgados os papéis,
Numa indecência, numa disenteria de tintas de caneta,
a tentar traçar belíssimas fôrmas e formas de sentimentos
dos quais todo o meu peito é feito
E se enfeita em cores e alegrias em te ver, morena.
Brilhar os olhos num amorenar de tua pele,
São necessariamente as férias que sempre quis.
Agora, tento digitar analfabetadamente qualquer coisa que tenha sentido
Invento palavras, invento cores, tamanhos e dissabores mil, para tentar
Ao menos se equiparar nesta vontade de expressar o inexpressável.
Perto disto, sou nada mais que um juntador de palavras,
Um néscio qualquer, um abrupto buraco em meio ao nada.
Não tenho como dizer, além de três palavras o que vagueia estes versos
Sem rimas ricas, sem bons traços, sem métrica, sem nenhum propósito.
São as três palavras, que guardo para nós.
E além de nós, um mil de palavras mais,
Para se representar no teatro do amor.

E,a,p'

(Decentemente)

Um corpo bóia numa piscina
Na cidade do Rio de Janeiro.
O Leblon pára,
A cidade salta os olhos.
Que fato exclusivo.
Vale a primeira página,
Vale bem mais que uma mera fotografia.
Exclamam pelos corredores.
Seus braços estendidos,
Lembram o Cristo Redentor
(a flutuar).
Posto que sua cara n'água,
Só o faz ser um sonhador.
Não é que de um brando sorriso encharcado ele é feito?
Mas que sonhos lhe passavam na mente,
Antes de todo este nó ser desfeito?
Os dedos enrrugados de quem envelhece precocemente,
Não esconde a idade de quem quer apenas morrer
Decentemente.


(....)


E,a,p'

domingo, 3 de outubro de 2010

Jeito de Corpo


"(...) Cara, Careta, Dedão.
Isso não é legal,
em frase de transição. (...)"

Caetano Veloso - Jeito de Corpo

Road-Movie


Um dia ponho o pé nesse mundo, sabe?, Um dia vou conhecer outros lugares que só ouço falar. Tiro a habilitação, compro um carro qualquer, e em dia me mando nesse mundão. Vou deixar as coisas em casa, levo só o que amo demais. As coisas que amo demais. Meus livros de poesia, meus discos de bossa-nova e rock n' roll, minhas camisas de frio que nunca usei e o óculos de sol, que não vou precisar me envergonhar para usá-lo, pois quem eu vir pela estrada, nunca mais me verá novamente. Ponho também a câmera fotográfica, que é para retratar os momentos que passarei, só eu, o retrovisor, as placas de sinalização e a estrada.


O asfalto segue uma linha reta, mesmo que torta, mesmo que no meio do barro, aquele sentido único de ir para lugar nenhum.


Passo na casa da amada, dou um beijo, dou um tchau, que é para ela demonstrar seu sentimento mais verdadeiro. Passo na casa do amigo, e digo que mais tarde a gente bebe aquela cerveja no bar da esquina, em casa eu digo que volto mais tarde e um beijo na minha mãe eu dou. Aproveito e dou um abraço nos irmãos. Ponho na bolsa uma garrafa daquela cachaça favorita, compro um maço de cigarros e aí vai ser só o vento no rosto.


Vou parar em cada cidade, ver todos os donos de botequins a me sorrir quando, de manhã, pedir um café para merendar com pão entupido de Manteiga da Terra e queijo. Vou sorrir para as cabrochas, e não vou mentir para elas, nem dar esperança, pois lá de onde saí deixei meu coração pendurado num cordão - e se ela o tiver desrespeitado, eu não ligo.


Vou conferir o amanhecer em todos os lugares que eu puder, olhando o céu se alaranjar, e azular da maneira que ele achar mais apropriado; seja chiando pelo litoral, cortando o mar salgado, ou seja abrindo espaço por entre as árvores do cerrado. Pela linha que ele traça até o final do horizonte eu vou seguindo, deixando um tantinho de tristeza por onde passo, numa conversa de bons amigos que vou fazendo em cada mesa de restaurante que vou passando. Vou temer e me amigar com cada um dos senhores policiais que estão na estrada fazendo a batida.


Meu carro não vai ser o mais belo, nem o mais silencioso e nem vai ter um ar-condicionado potente, para que eu possa fechar as janelas e seguir viajem de maneira tranqüila. Ah, não vai não. Porque ele vai ser um possante velho, que vai rasgar a madrugada acordando os sertanejos, os moradores das pequenas cidades, para que saibam que eu estou passando, vai ser antigo, para que eles possam ver que não importa quão nova seja a novidade, ela envelhece no instante posterior. E a janela vai permanecer aberta que é para o sol amorenar meu rosto e meu braço, e para que todas as cores da estrada (o marrom das montanhas, o azul do céu, o prateado das estrelas, o verde do mar e da mata virgem, e o cinza do cerrado morto, o amarelo das casas) e todos os cheiros possam penetrar carro adentro.


Vou conhecer as melhores pessoas deste mundo, que não vão ter tempo de mostrar seu verdadeiro Eu. Vou conhecê-las antes mesmo que elas possam me cansar, que elas não me mostrem nada além que as pessoas que deixei para trás. Elas vão sorrir ao me ver, e mesmo que não sorriam, eu vou saber que não vou mais voltar a vislumbrar seus rostos novamente. Vou cantar, sorrateiramente, numa roda de samba e vou ser aplaudido pela verdadeira malandragem, ali, nos arredores da Lapa, mas antes, vou entrar num terreiro e tocar atabaques para uma Mãe-preta, na Bahia de Todos os Santos, que vai me abençoar para algum orixá, e depois, lá no centro-oeste, vou subir no palco e me jogar na multidão, num show de rock, e o mar de gente vai me levar até o momento em que no chão eu for posto. Depois vai ser bom chegar na Argentina e não saber o que fazer diante do tango. E quando a América for pequena, vou para o velho continente, e de lá, se tempo der, vou descobrir minhas origens nas savanas. E se mesmo assim, o mundo me aprecer pequeno, tem o mar, que é um mundo à parte.


E se um dia eu parar em algum lugar com o qual eu me sinta novamente bem, tranqüilo, que queira parar ali e estacionar meu carro definitivamente, vai ser o lugar onde serei enterrado. Sete palmos debaixo de muita areia e por cima um gramado bonito e verde. Como eu quero.


Um dia eu pego minhas roupas ponho numa bolsa e saio fora dessa vida.


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Auto-explicativo.

Preciso Me Encontrar - Cartola (Que irônico!)