quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Uma Mentira


Eu estive triste por muito tempo. Mas nem por isso me dei por vencido. A todo instante sou tomado de uma punção de que me move lento e contetado -- tentado, eu dizia? -- a fazer o que se tem que fazer. É por isso que eu escrevo. Eu escrevo como quem espera salvar alguma coisa com isso -- talvez a mim mesmo, talvez a própria esperança de salvação.

Mas não há volta: uma vez escrito, o escrito não morre. Se mata o escrevente, insistente na sua tolice, ele sim, vai para o inferno, e lá ainda está a queimar e esturricar, conquanto seus escritos, estes não: permanecem como o estigma fixado à ponta de caneta, que não o salvou, apenas fez com que talhasse fundo em sua (agora peço desculpas por usar esta palavra que não uso nunca), com que talhasse fundo em sua alma. Almas mortas são as de todos os que se fazem escritores, o que penetram nesta floresta densa de ramificações -- palavras, sentimentos. Se se escreve para se salvar algo, eu ainda não soube o que. 

A mim ainda não salvou, nem há de salvar ninguém. E eu não espero que salve, que eu não sirvo para demagogia, tampouco auto-ajuda. Eu sempre estive à margem da salvação mesmo -- uma espécie de anti-auto-ajuda; uma espécie de escrito para a morte, e a descrença... Que se há de fazer com a vaidade das mãos?

Fico, fico e fico a perguntar... No final, que resposta que há, senão aquela parede de tijolos vermelhos furada em cada ponta, no meio -- e no meio -- nada. O cimento, concreto, confuso, estridentemente silencioso, que essa (perdão por mais uma palavra que não uso), que essa coisa, essa tal "verdade" das coisas é difícil de cavar. E para descobri-la é preciso primeiro saber sobre si mesmo -- a busca do interno universal, sabe? E meu corpo tem sofrido as dores da alma, as dores da maldita alma... O sintoma mental tornou-se físico, tedioso, horrível. Fardo duro de se levar nas costas: ser o que não se é -- e todos a te confundirem, enquanto você rasga, dilacera, escancara a feiúra de sua existência, e não é uma auto-piada, e não é um humor negro. A seriedade vai-se embora, e nada fica realmente resolvido depois que as pessoas veem a sua beleza de morte-em-vida.

Na verdade, isto acaba aqui.

E,a,p

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um Conto Cômico do Destino


Foi na cigana: hmm... Seguinte, puxou a carta e foi logo dizendo que coisa de ruim iria acontecer para a mulher que ele ama. A carta era aquela: uma morte que vem a cavalo de galope, como disse o poeta, sobre o corpo morto de lágrimas copiosas de duas crianças e um bispo -- um bispo? -- clamando alguma coisa à morte que veio à cavalo -- um cavalo negro. Era alguém que ele amava, disse puxando a carta seguinte. Estremeceu dos pés à cabeça, cheio de pavor. Levantou-se, pagou e foi para casa. Ao chegar lá, sua esposa chorava abundantes lágrimas a descrever-lhe o resultado de um exame que trouxera a tiracolo dentro de um envelope. Era um câncer que lhe moía por dentro, apodrecendo-a. Ele não pôde acreditar no que ouvia, e abraçou-a, pensando no que poderia fazer. Olhou pela janela, viu o carro, único objeto de valor à curto prazo. Vendeu-o por menos do que valia em dois tempos. Pagou a melhor clínica da cidade para tratá-la, sobrando ainda alguma miséria, que pagou num alazão que seu pai vendera, advertindo que era um ótimo animal, perfeito às corridas, mas entretanto, era arredio -- lembrou-se inclusive que Pluto (esse era o nome do cavalo) só era sereno à montagem dele, pobre dele. E levou o bichano para casa resignado à um sofrimento mudo e surdo. No espelho os olhos do cavalo lho encaravam e ele quase que sorria, poderia ressarcir o dinheiro perdido, quem sabe. Foi então que soube da melhora de sua esposa, e felicitou-se por tanto.

Passado um mês, correu à cigana, que puxou novamente a carta da morte. O cavaleiro sobre o alazão preto olhava ameaçadoramente. Pensou que diabo era isso e redarguiu dizendo que salvara sua esposa. Olhou em volta e saiu, confuso. Seu pai saíra e deixara o cavalo sozinho na porta da cigana. Montou sobre ele e saiu à trotes largos e pesados até a sua casa, no meio do trânsito que era de seis da noite. Viu o médico que tratara sua esposa sobre ela completamente nu, passou até a cozinha, tomou de uma faca, e esfaqueou os dois até não poder mais e matou também a cigana.

E,a,p'

domingo, 25 de setembro de 2011

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O dia seguinte é sempre o pior dia.

-

Se eu não nasci para fabular, então eu não minto tão bem quanto penso e crio.

Casulo



É que eu te tenho em minha casa
pra proteger a tua tristeza -- fazê-la sorriso,
satisfação.
Posta em meio às minhas mãos,
eu ainda te guardo
como se guarda à um tesouro.
Não há mais fronteira entre sono e outro:
tudo se confunde em meio às mãos,
os sons intercalados, suspeitos,
das quentes respirações que cortam a aurora:
Mas é de todo cálido o silêncio que penetra
e corta e cruza e disseca a madrugada fria.

É que eu te tenho em meu casulo,
protegida,
a salvo de toda selvageria que nos envolve,
que mais somos, senão vítimas
dum lirismo inerente,
dum amor indecente.

(Tudo parte da gente.)

E,a,p'

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um Adeus


Ele tinha um sonho, era quase um sonho besta, um sonho egocêntrico, um sonho até mesmo egoísta, vaidoso. Mas ele sabia que não era digno de tal vaidade. Tinha muito mais o que fazer que fugir de toda a realidade se enraizado em meio às palavras -- infelizmente a vida ainda estava ali, inflamada a sangrar, exalando um cheiro insuportável de podridão, de pus.

Então ele resolveu jogar pela janela todos os seus papeis sujos de manchas de café, enodoados, todos eles duma sujeira, impregnados todos eles de sangue de suas entranhas, invisíveis, claro, mas era ainda assim dolorido, era, ainda assim traumático o fato de sê-los todos seus. Qual o propósito de aparecerem todos eles ali, diante de seus olhos. Era na verdade um despropósito, ele via, e isso já era de todo dolorido.

Pensava na sua desinfelicidade, que era o supra-sumo da infelicidade, da não felicidade: era decerto um desinfeliz! Então deixou-se quedar na poltrona, mas não sem antes fazer chover na cidade uma chuva branca, aos grilhões, de papeis, de letras, a chuva das palavras que caíam do céu de seu décimo sexto andar, enquanto  a cidade adormecia e não pôde testemunhar o espetáculo da chuva de palavrões (no bom sentido) e das verborreicas (idem) histórias que voaram aos ares, que tinham heróis e heroínas, que tinham cavalos galantes e carros que seguiam a velocidade e o destino do vento... Talvez se a cidade tivesse acordado antes da rua ter sido varrida ao amanhecer, talvez - e só talvez - teriam achado linda a chuva de palavras...

E,a,p'

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um Praguejar


Eu te tenho em falsos e comedidos passos;
no fundo eu não me acho, apenas pisco
os olhos em meio a ternura branda da aurora
que reluz quaisquer espumas que flutuam
em meio ao sol que reluz a chama acesa
duma esperança esquecida.

Sou a fúria vermelha,
sou raiva incontida
a espera de um trisco
para explodir em mil pragas;
sou aquela mesma
chama esquecida.

E,a,p'

domingo, 11 de setembro de 2011

Preguiça

Toy contemplando

Vento breve, vento escasso, escuso de breve estar
passando por meus cabelos, ouriçando meus pêlos,
farfalhando as folhas da palha de coqueiro,
que se esfregam umas nas outras preguiçosas de um domingo

este que nos move a observar as coisas sob um olhar atento,
deitado a observar a nuvem que assoma o céu

cinza fumacenta,
cheia de si e em todo.

É bem um domingo ruim, bom e bem apenas por este vento,
que leva pra longe o sol suarento, de toda segunda à sábado.

(madrugada de sábado temerosa do domingo
passada sob a fumaça do cigarro
e o vapor do café insone e aflito)

Quando enfim é dia,
mas dum dia... Domingo.

Ali um gato passa, sob a vista cansada do cachorro,
que não vai correr, que não quer correr: é domingo
e este vento, mas este vento...

E,a,p'

Para as Próximas Gerações

“Fica um pouco do teu queixo
No queixo de tua filha”

Carlos Drummond de Andrade

Movimentar-se é sempre um grande desafio. Na maioria das vezes, nem queremos voltar de onde vamos. Sei que existem pessoas que vão e vão mesmo, não voltam, e que por onde passam deixam aquela marca irremediavelmente sua, fazendo com que as pessoas que lhes viram, ouviram palavra, ou apenas na memória ficou por um tal perfume, ou pelo gosto de algum beijo dado por algum eventual caso de amor. Sabe lá!
Meu avô era assim. Eu lembro que ele foi muito importante antes que eu conhecesse novos avós que escreviam as palavras que eu gostaria de escutar (sobretudo um tal Saramago).
Não. Não diria importante. Intermitentemente o via. Já inclusive o xinguei. Sejamos então bastante sinceros em relação a tudo.
Mas dentre as poucas palavras que trocamos nas festas de São João que ele organizava em frente à sua casa, que ficava até bem longinho da capital, pelos idos do Parque Luzardo Viana, soube extrair dele aquele ar de sabedoria, próprio dos velhos, patriarcas das famílias – e esta minha família do lado de meu pai, tem certa tradição familiar, que eu antes só achava haver nas famílias das novelas. Claro que não são milionários, cheios de intelectuais, ou que resguardam em si, um sangue lusitano, italiano, hispânico, daqueles que gritam nas mesas de reuniões familiares.
Nós gritávamos também, só para constar.
Aquele café da manhã de domingo era sempre um acúmulo de fofocas da família, do primo que iria se casar; da tia que nunca ia aos aniversários; daquele primo que longe morava e que não ligava, daquele que um dia morreu... Temas polêmicos, como religião, perpassando pelo avanço constante do cristianismo protestante dentro de minha família – sobretudo por meus primos – em contraste com o tradicionalismo católico dos mais velhos – no caso, minhas tias. Ou mesmo futilidades, a vida das celebridades, os filmes em cartaz... Eu sempre permaneci calado, observando, como um telespectador – como o telespectador – que sou. Apenas depois de um tempo foi que vim a participar destas conversas, que segundo me parece, veio mesmo lá dos tempos de meu avô.
Um dia, tantos meses antes de sua morte, soube que ele havia vindo desde sua casa até Fortaleza com os piscas-alertas ligados. Era um homem de passado rude, que, ruidoso que era, os filhos guardavam sempre na memória aquele Seu Pompeu que dava gritos estridentes pelos corredores da casa.
– Lili!
De Liege: esse era o nome de uma de suas filhas do segundo casamento, era o grito que eu costumava escutar – mesmo depois de velhinho, que era um misto de um grito carinhoso e avisando de que lá vinha uma hora de sermão. Sermões estes que se transformaram em marca registrada dos filhos, que passou para os netos e enfim, hoje, esperamos passar aos bisnetos, que ainda são pequenos, mas já falam pelos cotovelos.
Mas voltando ao caso do pisca-alerta ligado, ele veio por todos aqueles quase ou mais de dez quilômetros, eu acho, dirigindo sua Quantum, 1989, que substituiu o seu antigo carro – que os filhos insistiam que trocasse, pois que o antigo Del Rey era um estorvo em sua vida, e que naquela idade (por aí de uns oitenta e tantos anos, mas de cinco menos de noventa) não poderia ter mais estresses com carros. Seguiu Fortaleza adentro, passou pelos bairros até chegar à casa de sua filha, onde ela viu-o já chegar de longe com as luzes amareladas a piscar, e pôs-se a falar, quanto que ele, conservando aquela mesma rabugice dos velhos tempos, olhou para a atual esposa, balançou a cabeça, e disse,
– Foi Verônica quem deixou ligada esta porcaria... Não te disse, filha, que tu deixasse esse carro do jeito que tu encontrou?!
– Mas, Filhinho, o último que usou o carro foi tu...
– Cala a boca, mulher!
Os risos sempre corriam à vontade, e desta vez não foi diferente, pois que este não era ele? Era marca sua, deixada para trás e para frente por essas gerações futuras – todas movidas da pura rabugice. Sei que mesmo depois de doente, enfermo mesmo, sabia vez por outra das notícias de que ele era a mesma descarga de rudes palavras com a sua então esposa, até o dia em que viu até mesmo o finado Tio Aroldo, morto desde 1991, a chama-lo (outra característica desta minha família é ser muito crente em fenômenos esotéricos, místicos, uma religiosidade à flor da pele) para ter com ele um dedo de prosa.
As demências, delírios e alucinações que permeiam o pré-morte.
No dia em que morreu, sentados estávamos a relembrar aquele dia do pisca-alerta ligado, marcando todo um trajeto, chamando a atenção de todos – deixando ali sua marca, inconsciente, mesmo que sob os risos, riem até mesmo aqueles bisnetos que nem chegaram a conhecer a história, presenciá-la ao menos com a consciência do cômico. Mas na cabeça desta sua geração posterior, é inerente sua voz. Ecoa um pouco em nossas vozes um tanto de seu timbre e tom.

E,a,p’

Fortaleza, 04 de junho de 2011, sábado.

sábado, 10 de setembro de 2011

Um eu fragmento, um eu dilacerado


Fernando Pessoa em "Flagrante Delitro"

Era um paspalho e sabia disso tanto que tinha a mania esquisita de se sentar na calçada e contar os passos por cima das linhas. Poxa vida, como tínhamos um misto de raiva e dó daquele cretino. Toda a nossa vontade era de ter o cérebro dele funcionando dentro de nossas cabeças cheias de ideias mais aguçadas em relação ao corpo das mulheres, à bola na rua, à outras coisas que não os estudos, que não á sua chata compenetração estudantil. No fundo o seu silêncio gritava que o burro era eu, que éramos todos nós. E quando eu dei por mim lamentava por não poder levar esta história adiante, enquanto papel rabiscava o guardanapo manchado de uma tinta que dançava aos olhos. Precisava de inspiração, eu precisava largar a cachaça, o cigarro, essas amizades fracassadas que não me levariam a lugar algum e tentar continuar, seguir em frente e ser para mais além de um cara que lê muitos livros. Preciso de sexo bem pago. Preciso de exercícios físicos e dieta balanceada. No fundo eu preciso ser como as outras pessoas. Eu não leio porra nenhuma! O que me move é esta fuga da realidade, e no final das contas, eu leio romances, e meu pai nunca precisou ler um romance para ser o que foi -- e não é isso que me indigna. Meu pai não é nada, assim como eu ainda não o sou. Mas eu tento ser diferente. Sabe esta cicatriz em cima da sobrancelha, descendo até aqui na boca? Fui eu tentando não parecer meu pai, tentando ser outra coisa que não seu resto (seu trocado) de gene. Foi tudo o quanto ele deixou para mim, e não é o bastante. Se ele pudesse olhar em minha volta, ele iria ver que o que ele deixou foi a miséria de uma vida indigna. Eu sempre vou ser a sombra do que ele foi -- e mesmo que eu não seja ele, eu serei ainda uma sombra uma negação daquilo que ele não é. Como sou pobre, como somos pobres, cromossomos mal feitos, cromossomos malditos! A todo instante eu forço minha garganta para entrar uma gota após a outra de um gole de cachaça -- e assim eu vou criando minha ficção, embolando em minha cabeça qualquer história que não seja a minha própria, que a realidade... ah, a realidade. Se você acha que eu prefiro viver na ilusão, eu lhe direi que a ilusão é uma realidade, e essa realidade tem andado um tanto iludida. Eu ainda lutarei. Eu ainda lut...

E,a,p'

Do imbróglio que quiproquó...


Ai! não me deixe aqui
o sereno dói.
Eu sei, me perdi,
mas ei, só me acho em ti. (...)

E hoje eu sei:
sem você sou pá furada...

Paquetá - Los Hermanos

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Uma Tijolada em Bebeto, O Bruto


Bebeto era o cara mais marrento que eu já havia conhecido até então. Ele fora o último dos felas que eu tive a honra e o desespero medroso de conhecer. Todos sabiam da sua fama de machão. Ninguém queria disputar com ele meia hora de porrada. Meia hora? O Mardem, coitado, quando era mais jovem, naquele dia em que ele vendou os olhos e disse, Deixo vocês me baterem, ao que prontamente todos fizeram: deram uma sova que valeu por todas as que ele dera até então em todos (Theo, Mardem, o seu irmão, o Filhin, Afonso...) o que foi sério e deixou ele chorando de raiva quando tirou a venda -- ao que viu que todos haviam pulado o muro de suas casas --, tomou a maior das sovas, apanhou por todos, quando o Bebeto tirou a venda e viu que só estava ele lá com cara de pateta esperando levar um murro na boca. Mas claro, nesta época o Mardem, se hoje é o Vaca, naquele tempo era um Bezerrinho.

Sabendo disto, ninguém mexia com Bebeto. Hoje ainda, há quem tema levar na cara uma bordoada, sendo ele o cristão protestante que tem sido. Se entregar a Jesus fora uma escolha que resfriara seus ânimos, porque antes?, ah, antes, Bebeto era pau de dar em doido. Saía no pau com qualquer um que olhasse pra cara dele por mais tempo que fosse normal -- o que seria... no máximo dois segundos, vá lá. Quando digo que Bebeto era doido, é porque é verdade! Se ele fosse um animal, seria um cachorro, se tivesse raça, seria pit bull. Não é pagando pau, porque eu não sou de pagar pau pra ninguém, mas é verdade. Eu peguei a boa parte de sua mudança cristã.

O que acontece, é que ninguém entendeu, quando um dia, o Theo, escondido por detrás de uma árvore, Raul resolveu jogar nele um tijolo de construção. Ia tudo bem, tudo em paz nesta atitude, acreditem se quiser, e jogou o tijolo -- quando digo "jogou" não digo que arremessou, para matar. Era no máximo para rasgar a testa, deixar um hematoma, essas coisas, que o Theo bem que merecia (e ainda merece) uma tijolada -- e jogou. O curso do objeto iria em cheio na perna de Theo, não fosse, surgir do meio de uma parede côncava (para dentro -- coisa que só a rua Betel tinha) Bebeto distraído, acabando de aliviar um mijão, tentando ainda abotoar a calça. Leva ele uma baita tijolada no peito, produzindo um barulho estrondoso, um trovão. Bebeto, instinto de animal, apenas pôde esboçar uma reação: levantar os braços, e suspirar,

- UNGH!

E, claro, sua bermuda caiu ao chão e Raul ficou desesperado achando que iria levar uma surra colossal de Bebeto, porque ele já batera em outras pessoas por muito menos. Theo já marcava carreira pra correr também, pois sabia que quem estivesse no caminho de sua raiva levaria sova também. Mas qual não foi a surpresa dos dois que Bebeto soltou aquela gargalhada que só ele sabia soltar... Claro que esqueci de mencionar: Bebeto era também muito amigo, muito companheiro apesar de bruto, e toda esta sua fraternidade é expressa na sua gargalhada que é a maior do mundo, a mais sincera e verdadeira que poderia existir. E no final da noite, coisa de dez pra lá, estavam os três rindo da situação, sob a luz amarelada do poste, sentados no tradicional banquinho de madeira em frente à casa de Theo -- hoje nem existe mais, mas a risada de Bebeto, permanece.

E,a,p'

sábado, 3 de setembro de 2011

Almoçando Com Kurt Cobain

Loucura, era assim: Mardem em seu lugar, pondo os pratos à mesa, cheio do tesão juvenil que lhe movia. Como eu o odiava por me bater, por bater em todos. Mas também: ele era um monstro. Um cara que tem o apelido de Urso e Vaca, só pode ser monstruoso.

Mas éramos todos grunges, senão no estilo, ao menos éramos no nome e no conhecer. Gostávamos mesmo da sujeira, daquele estilo de vida que beirava à marginalidade, mas que não decaía até lá por conta de nossos pais, que tinham medo de tudo. Pelo menos os meus, os de Theo, Afonso, Raul e Gil assim eram. Mas Mardem era o louco. Nunca teve medo de sova nenhuma que pudesse levar. Batia, corria pra cima, feito o louco que era. E tinha aquele certo quê de loucura. Eu não tinha certeza nem poria minha mão no fogo por Mardem.

Nirvana era a sua paixão. Usava as calças rasgadas no joelho, os sapatos pretos na canela gorda e cabeluda cheia de hematomas que ele fazia questão de exibir era sempre o mais fodido possível. E queria porque queria ser o Kurt. Matar-se-ia aos 27, disse uma vez. Eu gostava, procurava sobre na internet - era fã sim, mas não a ponto de morrer como e por.

Sei que das histórias que mais me lembro, era aquela em que ele, só em casa, punha dois pratos na mesa, e dizia ser o de Kurt Cobain. Conversava com o lugar inocupado no outro lado da mesa como estivesse realmente a falar com alguém. Foi nesta época que as pessoas começaram a se preocupar, achando que ele tinha enlouquecido de vez. Chegou ao cúmulo de dizer que Kurt comia mesmo o almoço que ele punha. Ficamos pasmados de um terror.

Logo depois, porque o Theo nos contou (era seu vizinho), ele disse que quem comia o almoço era o gato, Godah, e quando não o próprio Theo, que de maldade, para contribuir com a loucura dele, pulava o muro de sua casa, dava três ou quatro mastigadas no prato e voava de volta para casa, quando ele voltava; ao que o irmão de criação de Mardem, o Sal, começou a fazer o mesmo. Mas, vai explicar pra ele: cada um acredita no que quer.

E,a,p'

-

A mulher é a melhor parte do Homem.

E,a,p'

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Poema Vazio III

Às paredes

A minha cabeça
organiza
o que
não é simples,
e inferniza;
então desalento.
Por enquanto
o momento,
é incerto,
circunspecto;
é todo
cheio
de um tudo
vazio.

E,a,p'