sábado, 26 de novembro de 2011

Uma do Velho Buk

"Caro Hans van den Broek,

Obrigado por sua carta contando-me da remoção de um de meus livros da biblioteca Nijmengen. E que ele é acusado de discriminação contra negros, homossexuais e mulheres. E que é sádico por causa de seu sadismo.

A única coisa que temo discriminar é o humor e a verdade.
[...]
No meu trabalho como escritor, eu só fotografo, em palavras, o que vejo. [...] Se eu escrevesse só e continuamente da "luz" e nunca mencionasse o outro, então como artista eu seria um mentiroso.

A censura é a ferramenta daqueles que têm a necessidade de esconder realidades de si mesmos e dos outros. [...]"

Carta de Charles Bukowski sobre a retirada de seu livro Crônica de Um Amor Louco das prateleiras da biblioteca holandesa ao Ministro Hans van den Broek.

Texto na íntegra aqui.

domingo, 20 de novembro de 2011

A Ideia Vaga II

A revolução começa no pensamento, corre ao papel à velocidade da pena, a tinta fresca te revolve a pensar novamente, divulgar teu poético?, belo?, anárquico?, que de tuas ideias são feitas? Que de tuas ideias são completas? A vaga noção do que queres é o que te move, mas diante disso, a ideia ainda é vaga,  mas vaga e vagará ainda em tua mente cheia de viver e fulgor. Aguarda-a e ela te envolverá como um vírus a se multiplicar e ser, não mais uma parte estranha a teu corpo, mas um organismo vivo, o todo de ti, lúcido e são.

E,a,p'

Asas

Broken Wings - Antônio Callomeni
Andava sozinho pelo centro da cidade, quando vi algo que assustou absurdamente aos que por lá passavam comigo, que foi a imagem de um homem voando. Todos pararam estupefatos, observando suas asas plumosas assomarem e galgarem as árvores, cheias de esplendor. Subiu até o alto, e quem estava andando comigo lá ficou a observar o anjo charlatão. No chão uma boina, que, acompanhada da chuva abundante que caía do céu naquela tarde nebulada de terça, era encharcada de moedas e cédulas de variados cifrões, palmas que explodiam às acrobacias do homem, que se vangloriava por ter consigo aquelas asas. Eu rio condoído. Saio caminhando pelas ruas do centro, aquelas árvores da praça do Justiniano de Serpa, a Filgueiras de Melo, onde, logo à frente a multidão se acumula. Eu tento não olhar, mas o infortunado rapaz alça um voo mais rasante e passa com suas asas rente à minha cara, fazendo com que eu me virasse e visse o espalhafato da multidão que me olhava rindo. Balancei a cabeça sozinho, pus as minhas mãos no bolso, em busca de um calor, embora eu gostasse do frio, e não usasse guarda-chuvas. E fui, caminhei até a outra extremidade da calçada, e ainda até o Imaculada Conceição, contemplei o lixo à esquina e desci um pouco mais. As pessoas ainda gritavam, quando, cansado, e longe sentei numa calçada mais adiante e comecei, mais uma vez, a cortar as pontas de minhas próprias asas com um canivete, embora elas insistissem em crescer.

E,a,p'

domingo, 13 de novembro de 2011

Eu não nego, eu entrego...

"Diz assim,
que eu rodei
que eu bebi
que eu caí
eu não sei 
eu só sei 
que cansei, enfim,
dos meus desencontros,
corre e diz a ela
que eu entrego os pontos"

Chico Buarque - Desalento do disco Construção (1971)

Amor de Deus

Eu prometo, senhor,
nunca mais prometer
tudo sem ser nada.


Eu prometo, que será
a última vez
que eu direi última vez.


Eu juro, que não usarei
sinonímia para esconder
o que seria promessa.


Eu prometo que não acredito
e acredito em não prometer
para que eu não precise acreditar.


E,a,p'

domingo, 6 de novembro de 2011

-

O sentimento de gratidão é a coisa mais ingrata deste mundo.

Mínimas Máximas VII -- A Irmãos Caçulas

- Ei, ei, Eliézer!
- Diz...
- Obrigado Brasil!
(faz um coração com as mãos e deixa os olhos vesgos)
- ...
***
- Ei, ei, Eliézer!
- Fala.
- Sou seu fã!
(faz um coração com as mãos e deixa os olhos vesgos)
- ...
***
- Ei, ei, Eliézer! Tu gosta?
- De quê?
- Do perfume da bosta?
- ...

Irmãos menores...

sábado, 5 de novembro de 2011

Um Conto Violento (ou Niilismo)



- Porra, vai tomar no cu, Zé. Cadê aquela velha "ultraviolência"?, me perguntaram um dia.

Fiquei chateado, porque nestes últimos tempos tenho abrandado minha cabeça, ela nem sequer sangra de tanto pensar, e por isso eu não quis matar ninguém. Na verdade, na verdade mesmo, ninguém fez por merecer uma morte.

Sigo a premissa de matar desafetos em ficção. Ora, mas a quanto tempo eu não sinto um ódio deste grau? Sabe lá... O legal disto tudo é que só quem ganha é a linguagem. Dois dias atrás eu recebi aquela crítica de pessoas que esperavam de meus contos violência, o caos urbano, porrada na cara, chute nos colhões. Pois aí vai uma dica para quem espera um conto violento. Na verdade eu vou matar um personagem fictício.

Em primeiro lugar, para se criar um conto violento, é preciso frieza, um olhar clínico, um senso de humor cínico e negro. Quando falo negro, não é gargalhar, é ironizar a maldade como fosse normal. Tipo, E ele enfiou o braço dele todo no cu como se estivesse a ponto de palitar os dentes. É certo que o hiperbolismo ajuda nessas horas. Você já viu um cu com dentes? Nem eu. Daí passemos a descrição de violência, que pode ser de dois tipo: um física no mano-a-mano e/ou covarde, com armas brancas e vermelhas e pretas e de toda sorte de cor.

Particularmente gosto da covarde, pois enfiar uma faca no olho de um personagem é bem mais fácil e rápido. Aliás, esta descrição deve ser rápida, senão vai parecer que você está trabalhando na autopsia. Por exemplo, imaginemos que o fulano que me perguntou onde está a ultraviolência estivesse de frente para mim de braços abertos. Suponhamos que no meu bolso eu tivesse uma faca, iria no meio dos peitos dele. Duas facadas com o peso de uma pedrada. Sentiu a velocidade? Pois então. depois de tudo isto, o rapaz sendo maior que eu para variar, merecia ter sua cabeça esmagada por meia dúzia de pulos sobre a sua cabeça, mais ou menos na altura dos olhos, que é para ver se eles saltam fora da caixa. Isso, muito bem.

Agora vem a parte mais cruel, o pós-porrada. Geralmente se pensa, Derrubei. Venci. Errado. O cara pode levantar a qualquer momento, e é aí que tens que mostrar que levantar dali pode ser a pior das ideias. Munido da faca, que pode ser qualquer uma, você vai pôr a ponta dela na gengiva do rapaz, e cavar, cavar, até encontrar a raiz do dente e depois arrancar com a mesma faca. O rapaz vai sorrir lindamente, e falando em sorrir, corte-lhe os lábios, para que se tenha certeza de que este sorriso lá irá permanecer. Depois, recomponha-se, e passe a dedicar-se a fazê-lo sofrer. Para os fumantes, o cigarro pode ser apagado em dois locais estratégicos: ou no ouvido ou no olho -- se não tiver saltado da caixa.

Bem, depois disto, você pode comprar um banjo, acender uma fogueira, e com um espeto, pegar as peles que irá cortar com a mesma faca -- que quanto mais cega melhor -- mastigar a sua carne enquanto ele agoniza até morrer, ouvindo sua voz celestial cantar "Oh Susanna, don't you cry for me/ I come from Alabama...".

Você se pergunta, E a foto acima com isso?

Laringite.

E,a,p'

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Reflexão


Tem certos dias em que a gente acorda com aquela vontade meio inconstante de não falar nada e falar, de não olhar pra nada e olhar, de dizer que não vai e ir, e assim por diante.

O problema é a reflexão.

Vez por outra eu me pego refletindo em não refletir, e acabo chegando a conclusão de que, como disse Amarante, "não te dizer o que penso já é pensar em dizer". Não querer refletir é refletir sobre a não-reflexão. Pior é que nem é complicado, é simples, direto, e é um ciclo vicioso.

Dois dias atrás estive assim, eu, José da Silva Sousa e não sei mais das quantas de sobrenome, sem conhecimento, sem documento de identidade, sem fotografia que me deixe relembrar, me peguei pensando na vida, nos caminhos descruzados, de braços largos que ela me forneceu sem que eu pedisse, e me dei conta de que ela tem mania de me jogar na cara muita coisa e dizer, Vira-te, como fosse fácil isso.

Se vida fosse vida, janela fosse apenas uma janela, tudo seria bem mais simples... Mas há o ser e o nada, há a coisa e a não-coisa, há muito em que se refletir... E vez por outra meu corpo chamava, Ó José, por onde que você anda que não volta pra me viver?, ele perguntava, daí eu voltava, com enxada na mão, sem remédio. Mas se a coisa fosse simples, eu pensei depois, talvez não tivesse eu onde estou. E de repente o lampejo bateu como uma pontada forte, e vi coisa de cinco ou seis coisas que eu gostaria de nunca ter visto, que eram todas à cheiro de morte -- esse cheiro amargurado, pesado e fedorento.

Enxugar o sol da testa é que era remédio.

Fui à jantar em casa, com um buraco no estômago, cheio de fome, e vi o prato de comida, mulher sem sorriso, o filho conversando criancice, que não é nada e tudo, e  cachorro com rabo abanando mosquitos, na porta de casa. E a casa nem é minha, eu não tinha parado para perceber que em sete dias por semana, em sete longas horas diárias eu nunca parava para perceber que era absurdo chamar de meu um teto que não é, nunca foi nem será. E a mão foi a testa, aos olhos, que molharam o arroz copiosamente, mas, sem que ninguém percebesse, enxuguei-os de relance, com mão aberta, e recompus minha figura. 

-- Que foi pai?
-- Num foi nada, menino. Vai jantar.

Se eu não tivesse parado para refletir, se eu não tivesse parado, se eu não fosse eu! Não se dá direito a pensar o homem, não tem o direito de pensar, de refletir sua condição, que o que é forte, esmorece, e então, é implosão, coisa de se sentir dó, que homem chorando é coisa mais desalentadora que nunca já se viu. Vi meu pai chorar uma vez, uma de tristeza, outra de dor, nunca outra vez, e aquilo nunca saiu da minha cabeça, pois eu sempre achei que homens não choravam, heróis não choravam nem sentiam dores. Mas... Heróis? Quem falou neles? Quem os inventou? Deus?

Ora, a resposta é uma coincidência.

E,a,p'

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

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Sinceridade é iludir a si mesmo de que a verdade é sempre a melhor solução.