domingo, 26 de setembro de 2010

Indistinções do pensar

Não sou destes que ficam a procura de um motivo; não procuro sequer um. O poeta ensina que viver não é preciso, e sim navegar. Ah, navegar... E eu que nem sei nadar? Que tenho medo de me afogar no mar, Que pela brava onda ser quebrado em seu quebrar e sumir borbulhando, até o fundo do oceano, me diz então: Como irei fazer para procurar um motivo-razão? E já que viver não é preciso, fico aqui, a bobear sempre por entre as linhas e que linhas tortas, traçadas por um velho homem. Não sei se já nela escreveram, mas sei que de uma maneira indistinta lá já está ela traçada. Mas cético sigo, e lá estão as linhas, Mas torto piso e já nem ligo, se se importam com o meu pisar. Caminhar é necessário, viver é um desvario, poeta.

sábado, 18 de setembro de 2010

Incompetência e desagrado.

Vi dois meninos fumando maconha descaradamente no meio da rua. A imagem, que para muitos, para a maioria, talvez, soe pitoresca, um nada a ver, para mim serviu de combustível para o ódio ao mundo.

Três meninos, uma menina, um menino e um pivete, que não deveria ter mais de dez anos, fumando maconha, a baforar, antes da esquina, a fumaça da tal. Eles riam, e eu não ria. Eles riam, e eu nem pensava em rir.

Pensei mesmo em pegar aquele pedaço de pau, madeira grossa, pesada de maçaranduba e acertar-lhes mesmo na coluna. Que filhos da puta!, eu pensei, Fumando maconha no meio da rua! No meio da rua! Em plena luz do dia! Vou matar esses putos de porrada!, eu exclamava de tempos em tempos, e observava que enquanto eles sumiam no fim do quarteirão, os velhinhos, com os seus humildes bonés, viravam a cabeça para trás, na procura incessante de saber que diabo o menino que mais descaradamente ria levava na ponta de seu indicador pressionado contra o polegar.

Quando eu achei que o pequenino apenas estivesse a acompanhar, eis que dá uma tragada grande e cospe a fumaça, como se fosse um grande homem a fumar o seu cigarro. Não ouvi, mas deve ter lhe dado um acesso de tosse. Tomara que morra, eu disse para o meu amigo, que procurava se conformar com aquela imagem, sentado, olhando para os três.

Puta que pariu, meu... Que filhos da puta, na cara-de-madeira, dizia ele, sem parar, enquanto por dentro vinha um gosto de vômito que quase pude sentir bater nos dentes e voltar garganta adentro, provocando aquela sensação terrível de azia, queimação na garganta que só se sente quando se põe para fora o vômito.

- Tô com nojo do mundo, falei para o meu amigo, que ria, e dizia, meio que para me acalmar que, Nem todo mundo é assim. Esses aí é porque querem ser os bichões, os patuazões, uns escrotos, porque nem mesmo os vagabundos, os vagabundos mesmos, eles não fumam maconha assim, na cara-de-pau, eles fumam nas entocas, escondidos. Eles é que são uns putos.

Mesmo assim, a imagem não me saía da cabeça, enquanto eu ouvia os outros meninos que subiam da outra escola a gritar com eles, Ei!, Ei, seus filhos da puta! Vão se foder, porra! Vão tomar vergonha na cara, caralho! Vão fumar em outro lugar! E jogaram uma pedra, creio eu. As pessoas que vinham subindo a rua, e viam a cena, não conseguiam não olhar para trás de tempos em tempos, e balançar as suas cabeças num sinal de desaprovação. Mas quem diabos somos nós, que não podemos sequer segurar nas mãos ou nos punhos deles e dizer-lhes, O que está certo é isso, jovem, e levá-los para casa dos pais, e ver no que dá. Ao invés disso, vamos nos apegando a sentir nojo, raiva, indignação.

Que adianta isso, se não há ação? Mobilidade para levantar do banco de cimento e fazer alguma coisa, que não só reclamar, se indignar, xingar, esculachar, apedrejar, ter ânsia de vômito. Isso não apaga a ponta do cigarro de maconha, isso não faz com que o uniforme do colégio seja respeitado, isso não faz com que os pais olhem para eles, e lhes deem lições severas, que não são bater, espancar, não: Mostrar para que lado caminha a coisa, para onde se deve ir, para onde deve se caminhar.

Se isso é uma forma de afrontar quaisquer formas de poder, como poderiam dizer os defensores da causa, por que não lutar contra isto lúcido, são, de olhos bem abertos, com a consciência tranqüila de que não há por quê apontar os dedos sujos de seja quem for que está lá em cima, ou lá em baixo a condenar. Mas este não é o caso.

Entendi isto num momento de reflexão, quando em casa cheguei e olhei meus irmãos a brincar com seus carrinhos de plástico, a fazer brum, brum, brum, e frear seus freios imaginários nas bocas, olhando para os seus mundinhos, rasgadamente, introspectivos. Há esperança, pensei.

Lembrei do fato, e cheguei a conclusão de que infelizmente, não fazemos nada. Mesmo pensando desta maneira, chegando a conclusão que cheguei, sorrindo do jeito que sorri, o cigarro amanhã estará novamente aceso, e rindo eles estarão, sem que ninguém queira rir daquilo. Os olhos vermelhos ainda vão ficar, e todos olhando para eles. E cambaleantes ainda vão caminhar, e podem mesmo cair, e não vamos fazer nada. E caindo vai o mundo destas pequenas maneiras. Que fazer, se somos assim: tudo é tão comum... Deixa passar.

sábado, 11 de setembro de 2010

O Crítico.


Pois não é que aquele cara não conseguiu enfim publicar seu primeiro livro?, até surpreso recebeu a notícia, e mal teve tempo de comemorar, e ser parabenizado, quando foi chamado para uma comitiva de imprensa numa livraria. O homem se sentia pouco a vontade naquele ambiente, onde na sua frente estavam seus leitores, que nunca leram seus livros, e que mesmo assim lá estavam a esperar suas palavras acerca das dúvidas que pouco surgiam a não ser daqueles seus ex-companheiros de trabalho, os senhores jornalistas. Agradecia a deus por não estar ali presente nenhum daqueles críticos literários que apodrecem a possibilidade de ver um futuro promissor para o artista. Pensou ser mesmo, estes tipos, uns artistas fracassados. Mas não os renegava, porque ele mesmo passou boa parte da vida a descascar jovens e promissores artistas. Lembrava mesmo do seu tutor nos tempos de calouro no jornal. Na verdade um jornaleco, que hoje em dia é um puta jornal do caralho. Nas colunas sociais, todas as celebridades municipais estão a disputar suas caras e sorrisos amarelos. Que putos, ele pensava, mas nada poderia fazer. Ora, jornais estão aí para tudo. Inclusive para recepcionar, nós, artistas emergentes no mundo já tão disputado dos literatos. Já dizia, e não tornava a repetir que estava com medo de um crítico aparecer, mas ora, como poderiam barrar um crítico. Por acaso entra um homem com letras garrafais estampadas na testa, com as palavras CRÍTICO. Se assim fosse, todos eles morreriam de fome.



Eis que lhe aparece um homem de roupão estampado, vermelho, com flores pretas, e uma cueca samba-canção, andando pelo salão receptivo da área da comitiva. O homem punha nas mãos um livro do homem, que tinha aquele aspecto de todo livro de contos: Uma capa preta, letras em maiúsculo, com o título, e lá em baixo em braco-gelo, o nome do autor. O crápula, gritou o homem, que na outra mão, trazia apertada uma caderneta e uma caneta, um gravador e na ponta de dois dedos uma garrafa de um uísque barato. Sua barba disforme, por fazer, meio branca, sua careca descomposta, seus últimos pêlos, seu peito cabeludo à mostra numa camisa de botões que estava manchada de café, e os óculos a escorregar pelo nariz. Imagine Jack Nicholson em Os Infiltrados quando bêbado estava. Pronto. E lá ia ele, cambaleante, enquanto dois seguranças seguravam seus braços, e ele se desvincilhava, sutilmente, puxando os ombros e caminhando entre os livros, derrubando alguns de propósito, e lendo um conto chamado, Os Malditos Sangue-Sugas, gritando palavras que ecoavam mais alto que as do autor,



- "E então, eis que todos eles ficavam boquiabertos diante das exigências do editor-chefe do jornal em relação aos críticos, Peguem-nos nos mínimos detalhes, não existe uma obra sequer, musical, cinmatográfica, literário ou da puta que os pariu que esteja imune ao nosso minucioso trabalho. Fodam com a vida e obra destes putos egocêntricos que se aventuram em auto-biografias, que pecam pela falta de emoção das suas vidinhas medíocres, relatando inclusive a primeira vez que se masturbaram. Ora, a quem diabo interessa como foi a sua primeira vez? Músicos? Ora, se eles fazem um trabalho experimental, aí vocês apoiam, que é para aqueles molecotes pseudo-cults começarem a se achar uns cuzões porque aquela banda que usa a descarga de privada como instrumento musical é uma banda que merece notoriedade. Façam com que esta..." Mas o que é isso?, perguntou então de repente, fechando o livro e alisando a roupa do escritor, que ainda olhava com um sorriso dissimulado, meio envergonhado. Ora, se o meu pupilo não virou um homem.

- O senhor está péssimo, avaliou finalmente o escritor.

- É, mas garanto que melhor que o seu livro, falou irônico o velho, que sorria olhando para a cara do rapaz, batendo na capa do livro. O outro, que desfez o sorriso e lhe estendeu o braço para o lado de fora da livraria, pediu licença e saiu com ele a empurrar-lhe as costas, perguntando-lhe, ao longe, que diabo faz aqui?, e gesticulando, apontando o dedo na cara do outro, o outro ria, abria os braços, deixava a garrafa cair, levantava, sentava no chão do shopping, dava um pulo, enquanto o outro lhe estendia os braços e pela sua boca se entendia, Por quê?, e de repente, voltava o homem, e num gesto de enfado, sentava na mesa e o homem, no vidro da saída lhe sorria, dando adeus com as mãos. Que figura irritante lhe parecia!, e cansado, abandona a caneta, levanta da cadeira cansado, empunha um livro seu em mãos e sobe na mesa. Rasga a primeira página, a segunda e a terceira. Não é literatura, não é nada, se não for o que se pensa ser realmente. Que diabos, só é um pouco de verdade. Os críticos destruiram amanhã todas as duzentas páginas, mas e daí? Amanhã surge mais um sucesso, e eu vou lá e desço o pau nele também. Que se foda. Eu mesmo vou falar sobre o meu próprio livro. Estão vendo este conto, O Dia Em Que Sertanejo Chorou, é uma merda,da qual eu me aproveitei da linguagem chula para chamar a atenção. Estão vendo o conto, Último Dia de Sucesso, é demasiadamente ordinário, usei do dramalhão para descrever a asceção e queda de uma banda, e daí, bandas dão em árvores, você chuta uma e nasce a melhor banda do mundo de todos os tempos da semana. Cantou algumas músicas, rebolou na mesa, empunhou seu livro por completo, queimou, e desceu da mesa e deu as costas ao público.



No outro dia, que livro era aquele, senão um que não mais estava nas prateleiras? Não era mais nada, senão o último best-seller da última semana. E lá estava ele, na sala do editor-chefe da revista, a pegar seu emprego de crítico de volta. E no final das contas, ele próprio tinha razão: Os críticos são uns artistas fracassados.



Cansado.

Amanhã é domingo e eis o pior dia da semana.

Falta de criatividade, falta de saco e paciência.

Melhor seria morrer amanhã.

Não sei o que há.

Eu deveria estar num dia inspirado para escrever.

Mas não dá.



Escutando "The Desperate Kingdom of Love", PJ Harvey, do albúm Uh Huh Her.