sexta-feira, 28 de setembro de 2012

sonho

um dia, acordou, olhou-se no espelho, fez a barba, foi trabalhar, o carro emperrou, resolveu ir andando, foi assaltado, chegou no trabalho atrasado e sujo, foi demitido, voltou para casa, a conta do reboque, a carta da esposa: vou te deixar, rômulo me ama, levou os filhos, tevê às nove, o time, eterno perdedor, terceira divisão, sorriu, se embriagou da cerveja vencida, escreveu uma carta, ligou pra mãe, ninguém atende, com uma cadeira e uma corda vai à cozinha, amarra-a bem junto à madeira do teto, o salto no vácuo, o crack absurdo: a corda quebrou, caiu sobre a cadeira, fraturou a espinha dorsal.
e hoje, josé é tetraplégico.

eap

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

avec toi, juste la paix


às vezes eu só quero descansar, te quero lar, te quero ar, sem ter tempo de me cansar e se eu me cansar – e se eu cansar – acordo à tarde (contigo é sempre um pouco mais tarde), te tomo a mão, e aí então quem sabe a gente pode rir dos projetos de frases dos nossos disfarces, das coisas fáceis da vida, dos meus enfadonhos ‘enfins’. é que às vezes eu só quero descansar, te querer lar, te querer lá um pouco menos e mais aqui porque pra mim me agrada de contigo dividir o mesmo ar assim eu fico um pouco mais em casa, que essa cidade me tira o fôlego e o som é todo o tudo – esse nada sou eu – apago a luz e aí então é o caos calmo do teu silêncio.

eap

sábado, 15 de setembro de 2012


quanto mais me descubro menos me gosto, menos vontade de me ser sinto.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

canção do vento

vento vai, pra longe me leva, sim
que eu tenho aqui, qualquer vazio
enfim.

vento vai, pra longe me leva, mar
que assim que der, eu vou lá
voltar.

que só de imaginar, meu bem querer
a vida de bandeira, se espraiar,
me dá saudade tanta te ver,
saudade assim não dá...

vento vai, pra longe me leva, viu
que eu já não sei voltar sem mais
sou vil

vento, pra longe me leva, ah s'eu
me afoito de chegar, é que no fim
se deu

de estarmos na beira mar, querer
saber do sol, que é só teu, sem dó
de tua pele se amorenar, ah, morena,
que é disso só que eu faço meu
compasso de dança...

vento vai, pra longe me leva, meu
coração que só quer paz, de tanto
ser teu

vento vai, pra longe me levará,
assim, que eu souber pronde ir
eu vou seguir
caminho só
de chegar
sempre andando
no quebra mar.

eap

domingo, 9 de setembro de 2012

carinhoso


até que um dia me casei. sei que não é a melhor coisa do mundo, sempre soube, mas no fundo estava escrito que no momento em que ela me perguntasse que sim eu jamais lhe iria dizer que não. mas pensando assim, vou me guiando de achar que sou um crápula, que não gosto realmente dela, o que não é verdade – mas como posso ter essa certeza? e se realmente não gostar dela a ponto de não poder ir adiante nessa escolha? que mal há, pergunta a mim minha cabeça, em se admitir para si que não há amor aí? não atinei para isso, e, pensando bem, eu deveria me ter questionado disso antes, mas, tantas coisas, que sequer sei de meu amor próprio. sentado aqui vendo-a se trocar, pôr vestidos na minha frente, andando de calcinha e sutiã pelo quarto como se eu fosse seu irmão, seu amigo gay, sinto que chegamos a tal ponto de nossa intimidade que o pudor sumiu. rememorando e remoendo os três anos sete meses e dois dias que namoramos lembro de tudo, de suas vergonhas como quando começamos a acariciarmo-nos, dessas línguas loucas de primeiras semanas, que se transformam nos beijos fugazes de lábios secos, dessas mãos que insistem em encontrar a carne viva do lado de dentro, para depois manterem-se longe, essas mãos, andando os dois no meio do shopping, no teatro e no café, dessa vontade de se ver juntos dentro de um quarto, dentro de uma intimidade que parece nunca vir, quando acontece, se quer e se quer e se quer, até que, a intimidade obtida, tudo se tornou para ela chato, inclusive o sexo, ela me olha assim como quem quer fazer outras coisas – e, demorei a ver que às vezes as mulheres querem muito mais que isso, e é por isso que ela me olhava daquele jeito, jeito de quem me pergunta por que cê não sente um pouco mais do meu silêncio, da minha cor, dos meus olhos, do meu cheiro, de longe – no fundo elas amam ser amadas, ser desejadas, sexualmente, sim, mas, mais que isso, um desejo de se tê-las, platônicas, atônitas, agônicas e lacônicas e, aprender isso, para um homem, que nada mais é que um bicho, é trabalho árduo – tenho amigos que sei que nunca irão aprender a ser assim, não sei quem de nós mais errado. ela tem um sorriso em me perguntar qual o vestido mais bonito, sorri mais ainda quando opino, ela se veste, gira bailarina na frente do espelho, me olha por baixo dos cabelos avoados sobre seus olhos levemente escurecidos, eu, sentado como estou, quedante o óculos da minha cara, fico pasmo, nesse instante com a beleza dela, ela pergunta que é?, nada, vira-se e vai ao encontro do guarda-roupas se trocar, não, não o quê?, não se troque, por que?, porque cê tá linda daqui, ela enrubesce, e como enrubesce?, não sei, depois de tanto tempo (alguns anos, isso não lhes direi), levanto, vou até ela, tomo da sua cintura, não lhe beijo, sinto sua respiração perto, e o sorriso bobo, que é que cê tem hoje?, nada, cê bebeu?, não, deito-a na cama, deito-me ao seu lado, ponho de canto só os sapatos, ela se apressa em desabotoar o vestido, e eu digo não, oi?, não, não tira, ela fica sem entender, então tomo de sua mão gelada, ponho-a sobre meus ombros, tiro os óculos, abraço-a, fecho os olhos, ela fria, sua pele, e eu quente, então ela diz que não lembrava do quanto minha pele era quente, e eu não lembrava do quanto teu ombro é macio. eram por volta das nove da noite, o som dos carros na janela chegavam e iam diminuindo, até o quase silêncio, apenas seus dedos encaracolando meus cabelos era audível. madrugada ela me diz silenciosa, cicia, eu senti tanto a tua falta.

eap

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

rascunho de samba 1


é porque sou triste
que essa canção existe,
é por estas e outras
que não são aquelas. Roupas
que vesti, cansado de esperar
pelo verso mais perfeito
pela face se pintar.
minha casa, fui eu quem criei
com a tinta do sonho. e enfeitei
de adornos-mil
com verduras e verdades,
talvez, vil, mas, foi
só pra te agradar.
bem-vinda, ó, benvinda...
se não sou samba, sou tristeza
e há quem diga, com certeza
que estarei a me enfeitar
de adornos-mil
só pra te agradar...

eap

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

produção

sem produção.
sem produtos
sem ação.

sem salário.
sem sal
sem alho
sem motivo vário.

sem razão.
sem raça
sem reação.

sem teto.
sem ter
sem afeto.

sem condição.
sem conformidade
sem diferenças
sem posição.

sem vida.
sem vir
sem partida.

sem poesia.
sem pó
sem heresia.

sem amor.
sem ar
sem dor.

sem piedade.
sem pio
sem idade
sem idoneidade.

sem cem,
sem Ser
sem.

eap