sábado, 24 de agosto de 2019

para uma poesia classista

não ao individualismo
não ao eu
não ao intimismo
não ao singular
sim ao plural
sim a nós, vós e elas e eles
sim à classe
sim à maioria
mas, sim, aos desejos do homem
sim à necessidade e à luta
sim a um mundo que perece
nas periferias
em cada favela, rua e chão de fábrica
sim ao despertar constante
da consciência de classe,
sim ao estímulo à luta
contra nossos senhores
entre nós a certeza
de que existe um conflito
que vai além do ódio
que precisa de norte
que precisa de luta, pão e revolução.

paz entre nós, guerra aos senhores

mais vale a nossa luta através dos séculos
que esses reacionários,
mais vale o momento,
que as mentiras,
e o resto, é construção, corpo a corpo, olho a olho,
e não nos enganemos: é uma luta de uma vida,
talvez de duas e meia,
mas é a única luta que vale a pena.

delimitemos nosso front,
sempre foi assim e sempre vai ser.
nossa arma é a palavra,
é a ideia, a verdade e a história.
e o resto, é ficção, mentiras e mais mentiras.
e não nos enganemos: nos nossos dias, todas elas
têm o mesmo valor da verdade
para quem não nos quer emancipar -
mas é a única luta possível.

não é necessária a piedade ou compaixão
por aqueles que nos tem
escravizado através dos tempos,
muito menos com os detratores de nossa causa.
a vitória há-de vir, mais cedo ou mais tarde,
o resto, são tigres de papel,
e não nos enganemos: essa luta já tem vencedores.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

tudo há-de se iluminar

tudo se ilumina com o tempo
mais que os obscurantistas estejam aí,
o que importa é que mais dia menos dia
tudo se ilumina.

demorou séculos na idade média,
demorou décadas na ditadura,
talvez esta fase demore anos
mas o que importa é sempre chega o dia
na mais demorada noite escura.

é fato que existem pessoas cegas,
mas são poucos os que conseguem
enxergar na noite escura,
apenas aqueles que andam
com uma lanterna de conhecimento
sabem que o mal não dura.

e eles vão tentar esconder a luz,
apagar o registro geral,
atirar contra nós
e alegar que foi acidental.

vão nos dar facões
e vão bradar
que o inimigo está nesse quarto,
e nós vamos nos cortar
antes que tudo se torne mais claro.

eles vão dizer que era impossível prever
mas meus olhos estavam bem atentos
meus ouvidos ouviram as vozes:
e eu vi a mão no interruptor,
e as gargalhadas dos nossos algozes.

eles nos querem cegos,
eles nos querem desorientados,
eles nos querem com ódio,
eles querem nosso sangue
e vão, inevitavelmente, ter.

mas não importa: tudo se ilumina,
tudo há-de se iluminar.

daqui a alguns anos,
vão fazer mea culpa,
vão apertar nossas mãos,
nós pedir pra limpar a bagunça
e nos fazer sentir certa culpa.

mas a história é clara
e há um grande volume
debaixo do tapete.

não dá mais para esconder do que essa gente é capaz,
mas eu sei:
que antes de se iluminar completamente,
ainda vai escurecer um pouco mais.

mas sejamos fortes,
vamos dar as mãos
a quem merece;
soltar pelo menos uma
e usá-las como se deve.

apertar o pescoço
que já vem com força pronta no nó da gravata
sentir seus corpos estrebuchar,
e em cima deles
criar uma sociedade que vai prosperar.

o inimigo é muito claro:
e não é este que está nu e desqualificado,
este aí, é só um ventríloquo
seu mestre está de terno num blindado.

eu sei que parece difícil,
eu sei que parece terrível,
mas tudo se ilumina, acredite quando digo:
essa história ainda vai ser escrita
pelas mãos de quem está resistindo.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

não adianta a métrica da vida

a vida se esvai num rio
deságua em mares
e, conforme dela corra um fio,
vai sempre ao encontro
de seus pares.

somos pequenas gotas de chuva,
grãos de areia do deserto
e toda miudeza que se acumula
das pequenezas muitas
do universo.

viver é um sopro que se dá,
que vem não sei de onde
e por mais que tentemos se agarrar
o curso certo de toda ventania
é ir longe.

mas se esse longe é breve
e toda vida se aninha na mão
de um gigante de passo leve,
talvez a gente seja parte de um
grande "senão".

mas não adianta trocar em miúdos
tudo que se pode dizer da vida
mas continuo a contar os segundos,
cansado de com a incerteza
conviver ainda.

terça-feira, 23 de julho de 2019

a saudade nos envelhece rápido

para laís helena alcântara souza
a quem devo saudade, afeto
e um espaço preenchido na história e na memória.

eu entendo tua partida
entendo que houve uma dor.
uma dor tamanha,
que não se mede pelo que sobrou.

queria entender mais
pra segurar uma tristeza tamanha
que também não se mede pelo peito
e é composta apenas de uma força estranha.

não posso voltar no tempo
mas se pudesse iria
te abraçar sem hora de acabar
te segurar as mãos
e não deixar esse tempo passar.

vou deixar teu nome no tempo,
vou deixar teu nome na história,
pra deixar que, sempre que precisar,
saibam que laís ocupa uma memória.

[mas fique aqui por perto,
fique aqui por dentro
e crie suas raízes
dê seus frutos, dê suas flores, dê suas sementes,
dê seu riso, dê sua presença, dê sua lembrança
mais além que uma pedra com teu nome e foto.
é o que fica dentro de nós que vai ocupar um espaço fora:
esse espaço vazio preenchido de ausência.]

já tenho saudades de você,
e essa saudade durará pra sempre,
o arrependimento também
- e deus sabe o quanto dói,
mesmo que eu seja incapaz de chorar -
fico pensando,
olhando esse vazio que você deixou,
não faz nem um dia,
e eu já me sinto velho de saudade.

tomara encontre o bem -
e se puder avisa, se puder me diz,
se puder me conta se você já tem a paz que sempre quis.

eu vou ficando, vou levar como der.
tenho tantos planos, tantos projetos,
ainda vou realizá-los - porque é o que me move
e vou te contar quando for aí - se você quiser.

terça-feira, 16 de julho de 2019

pixo

isso, de se escrever na parede das coisas,
ainda vai dar pano pra manga,
vai ser folha pras histórias
e ainda vai ocupar os espaços
de todas as memórias.

isso de ser
mancha preta em muro branco,
de levantar teu olhar pra cada canto,
onde a cidade se subverte em alento
é herança djalgum banto
perdido de nossa veia em algum momento.

isso de ser
mancha vermelha em roupa de varal,
na calada da noite tingida,
por coturno e boina cinza,
inda vai ser odiosa manchete de jornal,
nas calçadas de casas e lajes distintas.

mas é nas calçadas e nos céus de fios de poste
com vozes agudas que não podem fugir
abafadas em cigarro
e afogadas em café forte,
que eu vejo todo dia essa tinta emergir.

e eu, que já cansei de caiar esses muros
cansei também de esperar
e deixo o pixo do muro,
que é pela voz deles que a cidade vai falar.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

escrever-se

a gente brinca com a história
e faz de tudo pra esquecer
mas não adianta:
a todo momento, por baixo da porta,
a poeira entra, e continua a entrar,
mesmo quando a noite é fria demais
e não deixa tua sala-memória descansar.

fecha essa janela
porque, de fato, não adianta,
todo dia o sol entra pela persiana,
em filetes finos,
tão natural,
como quando se nasce, cresce e morre.

você sabe que a história não perdoa,
você sabe que a história não esquece,
e se você quer ficar nela,
olhe o quintal, a grama que cresce,
a árvore que sombreia
e conta seu tempo em cada auréola do seu corpo,
e aprenda, que só quem risca uma página deste livro é quem permeia
sua trajetória junto do povo.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Quem é e de Onde Vem o Herói Brasileiro?

Ultimamente tenho observado um grande crescimento no interesse pela mídia de quadrinhos (a tal nona arte) e a culpa é um pouco do grande e lucrativo mercado de cinema que a Marvel e mais especificamente o Estúdio Marvel Comics, e mais especificamente ainda, a Disney, tem sobre o grande acervo de personagens da editora. A DC Comics segue a mesma medida, com disputas intermináveis para quem consegue chegar na casa do bilhão com os seus filmes -- em detrimento, às vezes de roteiros e artes lamentáveis dentro do mercado editorial que está passando por uma crise que, igual, só se viu nos anos 90.

Entretanto, passando um pouco a bola para o quadrinho nacional, muitas vezes, criança mesmo, quando comprava meus "gibis" da Turma da Mônica, me perguntava onde estavam os heróis brasileiros. Você tinha nos X-Men ali um Mancha Solar, mas, ainda assim, não era representativo suficiente. Era preciso protagonismo, era preciso um cenário local, era preciso mais um pouco para que um herói brasileiro, de fato, fosse algo que valesse a pena. Mas é complicado, e essa complicação só se tornou clara para mim depois de alguns anos lendo -- não histórias em quadrinhos, mas literatura.

Quando debruçamos sobre a história dos comics estadunidenses, vemos grandes alegorias. O Superman, criado na década de 30, por dois judeus representava essa síndrome do imigrante: o alienígena que vive entre nós e precisa se camuflar na sociedade enquanto luta contra inimigos. Ariano Suassuna costumava dizer que o Superman era uma versão ianque de Jesus Cristo, mas, vá lá, pode ser, a alegoria do personagem encaixa em muita coisa, mas, principalmente no american way of life, ainda mais quando se trata de um país que vivia em plena crise (de 1929) e possui um orgulho imperialista por serem os detentores do tal "mundo livre".

Nessa esteira, pode-se colocar, mais abertamente, o Capitão América de Jack Kirby, que representa isso claramente no auge de uma 2ª Guerra, com a icônica capa dele socando Hitler na cara (não está errado, inclusive, fascista e nazista, diálogo é na ponta do fuzil). E é incrível como o quadrinho se transforma numa propaganda de nacionalismo, levando jovens à guerra. O ideário do herói, em um país que viveu uma guerra civil, duas guerras mundiais e sustentou o polo da guerra fria e de todas as outras importantes guerras do século XX e XXI, são extremamente fortes. Então, pensando assim, faz sentido que os comics sejam tão populares lá, que as pessoas possam se identificar.

Agora, o Brasil, mais que uma análise editorial, é preciso que se debruce sob uma ótica histórica.

Antes de mais nada: sim, houve heróis nacionais, como o Flama, o Raio Negro, Capitão 7, Judoka etc. mas são cópias que, até certo ponto fizeram sucesso nos anos 70, alguns deles, inclusive, como rádio-novela, mas, são poucos os que lembram e os que sabem desses heróis, então, fica aqui este parágrafo de salvaguarda.

De qualquer maneira, diferente dos EUA, o Brasil não tem um histórico de conflitos bélicos, assim como não tem um histórico de heróis nacionais. Quem são os nossos heróis nacionais? A família real portuguesa? Dom Pedro I que num "gesto de bravura" guiou o país à "Independência"? Tiradentes, que foi esquartejado sendo o menor dos envolvidos na Inconfidência Mineira? A Força Expedicionária Brasileira que foi empurrada pros últimos dias da Segunda Guerra?

Aliás, quantas guerras o Brasil teve?

A Guerra do Paraguai deixou grandes prejuízos para todos os países envolvidos e não há quem lembre da relevância desse conflito, uma vez que, hoje, ainda, há um tratado de paz estabelecido pelo Mercosul entre os países que compartilham uma mesma riqueza natural (visando interesses econômicos, claro).

Assim, o panorama que se forma é: o Brasil não tem heróis. E os heróis que ofereceram certa resistência em momentos de crise, são ofuscados pela poeira da história deixada pelos covardes, como a Lei de Anistia, que ainda hoje é utilizada como carta-branca por setores do governo para fazer revisionismo ou falseamento da história (como o infeliz do General Teophilo o fez recentemente). Assim, se o país respeitasse a sua memória histórica, poderíamos afirmar, que sim, Marighella foi um herói (sem receber olhares de reprovação dos centristas e dos ultradireitistas).

O que nos leva ao recente caso do quadrinho/filme "O Doutrinador". A começar pela premissa de um herói cuja identificação com o povo brasileiro é nula, a história tem como pano de fundo um "revoltado on-line" qualquer que resolveu que a solução era exterminar políticos na base da bala. Alguns podem concordar, mas quem se propõe a soluções simples não pode reclamar das consequências graves disso.

Então, o que se tem é essa ausência de uma visão mais estreita sobre contextos.

Sim, contextos: o contexto brasileiro não se aproxima do norte-americano em nada. Somos muito mais próximos dos países da América Latina.

Nesse sentido, podemos entender porque Mafalda de Quino é um grande nome dentro do que se entende como "banda desenhada" em todo o mundo, sendo produzido pelos nossos hermanos da Argentina: existe um contexto e existe, mais que isso, uma relação intrínseca com a história, com a sociedade e com a arte. Por essa razão que Mafalda pode ser visto como um respiro muito original dentro dos quadrinhos latinos -- mesmo que ela não use capa, ou tenha identidade secreta ou super poderes. Na verdade, a inteligência ingênua de Mafalda para questionar o mundo em muitos casos supera anos e anos de produção de qualquer herói gringo.

O Brasil, inclusive, em plena ditadura, viveu um grande momento com as joias raras que fizeram parte dO Pasquim Ziraldo, Jaguar e muitos nomes que vieram dessa geração que entrou pra história e continuam presentes, assim como influenciaria os cartunistas que viriam na década de 80, já em uma redemocratização, Angeli, Henfil, Laerte etc.

Mesmo assim, o cartum acaba não tendo a mesma "relevância" comercial que os conglomerados editoriais. Um alvorecer da forma como o Brasil lida com a sua nona arte acontece atualmente e os "heróis" são, majoritariamente, vindos do povo, afinal, como disse acima, o caráter belicista do país é nulo, movimentos contra opressores, como na época da ditadura, são impopulares (a ver a recepção deste momento político com o filme "Marighella"). Então resta à nona arte se voltar ao seu povo e a retratação dos supervilões diários e históricos.

Vide, aí, os quadrinhos de Marcelo Quintanilha, em "Tungstênio", que virou filme nas mãos de Heitor Dhália, "Daytripper" de Gabriel Bá e Fábio Moon, que lançou os irmãos no meio de quadrinhos internacional, "Cidade-Motor" de Camilo Fróes e Moreno Pacheco, levantam um futuro pós-apocalíptico do nível Mad-Max na Bahia, além da repercussão de "Angola Janga: Uma História de Palmares", de Marcelo D'Salete, ou mesmo o quadrinho "Castanha do Pará" de Gidalti Jr., inspirado num conto chamado "Adolescendo Solar" de Luizan Pinheiro (esses últimos vencedores do Prêmio Jabuti, principal prêmio literário do país).

página de "Cidade Motor" 
créditos: Universo HQ
Isso porque nem citei que, nos anos 80 e 90 emerge uma figura que traz personagens absolutamente marginais, com problemas surreais e situações de alienação social que elevam seus personagens à extrema loucura: Lourenço Mutarelli, que, aos trancos e barrancos, ainda os produz, embora tenha migrado com bastante sucesso para a literatura, tendo produzido em quadrinhos coisas absurdas, como "Transubstanciação" e para a literatura "O Natimorto" e o "Cheiro do Ralo" que são livros de inegável qualidade literária.

Assim, fecha-se o ciclo, tornando a nona arte brasileira num produto evidentemente literário e que busca a sua inspiração no meio literário, que por sua vez busca seus personagens e tramas numa realidade brasileira muito urbana, muito corriqueira e muito catártica, o que eleva, assim, o nível dessas relações de arte de fato para muito além dos temas de super-heróis norte-americanos. O heroísmo vem do povo - mesmo que o mercado editorial seja um tanto quanto elitista.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Antropofagia do Rock Nacional - Lírica e Forma (breve análise)

Oswald de Andrade falava em seu Manifesto Antropofágico sobre os rumos da poesia brasileira a partir da semana de 22. Se alimentar de toda e qualquer influência, miscigenando e criando a identidade própria (ou quase isso). Caetano fez o mesmo 40 anos depois com a Tropicália e essa relação entre a música e a poesia de reflete de maneira muito saudável no Brasil - e, claro, o rock nacional, em algum momento iria cometer esse canibalismo de maneira muito positiva em algum momento (como de fato acontece hoje).

O rock nacional, aliás, o roque, se divide de tempos em tempos em determinadas categorias e subgêneros que fogem ao nosso olhar (ou audição).

Recentemente estava pensando nessa coisa enigmática que são esses movimentos invisíveis que surgem de tempos em tempos e que só nos são apresentados quando alguém enfim explana essa visão de fora, essa macro visão amalgamatica das coisas.

Existe a geração 80 que levou nas costas algumas bandas que ainda hoje são históricas, como Os Paralamas do Sucesso, ou o Lobão, que, para além da pessoa escrota que se tornou (assim como Roger do Ultraje a Rigor), é um músico inegavelmente talentoso.

Dentro daquele momento podemos pinçar algumas tendencias, como uma clara influência do punk/pós punk principalmente na vertente brasiliense, da Legião e até da Plebe Rude - ao passo que você tinha um interesse estranho com o ska.

Destaque, também, para a New Wave que provavelmente estabeleceu maiores traços afetivos com essas pessoas que hoje se encontram na casa dos 40 e poucos. A Blitz, pra mim, é um exemplo claro disso, mas em geral, a própria New Wave como extensão do que foi o Punk também deixou seus traços em algumas bandas. Aqui e ali você pode enxergar um The Cure (Legião Urbana tem trechos de "Será" que para mim são claramente retirados de "Jumping Someone Else's Train", assim como "Tempo Perdido" é um beijo descarado nas guitarras do Johnny Marr, do Smiths) um B'52s e por aí vai.

A efervescência política e, principalmente, a abertura democrática permitiu que esse soft punk vindo de Brasília existisse, mesmo que se comparados com o eixo Rio-São Paulo eles sejam algo bem menos agressivo, até, diria, ingênuos.

Mas o que se observa aí é um flerte com uma identidade estrangeira. Poucas são as bandas e artistas que trouxeram algo fora desseb padrão, você tem aí, registros mais antigos de Secos e Molhados, que mesmo com a sua estética Glam, eram diferentes - ou ainda, Os Mutantes que surgiram na efervescência da Tropicália.

Claro, óbvio, que já naquela época tinham bandas como a Patife Band que não soam como nada já conhecido até então, ou ainda Os Mulheres Negras, Picassos Falsos que são casos a parte. Mas aqui trato do mainstream (afinal até no cenário internacional existem esses pontos fora da curva, como, por exemplo, Frank Zappa).

A tendência, então, se manteve até os anos 90 quando, enfim um subgênero emergiu ao mainstream, trazendo elementos regionalistas e enriquecendo a lírica para além dos lugares-comuns que só eram muito próprios da MPB que foi o manguebeat. Chico Science elevou a outro nível uma mistura de maracatu com hard core, refazendo o trajeto iniciado com Caetano na Tropicália, quando misturou elementos em sua lírica e misturou Brigitte Bardot com Coca Cola e bomba atômica - ou até Raul Seixas, como minha amiga salientou, que no início misturava Luiz Gonzaga e Elvis Presley. Entretanto, a mistura se aproxima na lírica e na forma, com a Tropicália, mas ainda assim com algo muito próprio e que, apesar da morte precoce de sua principal voz, sobrevive como parte de um movimento que daria forma e faria escola para uma série de outras bandas. Mas para que isso aconteça é preciso estar atento a duas outras bandas que surgem mais ou menos na mesma época: Pato Fu e Los Hermanos.

Pato Fu tem o mérito lírico de elevar o nível de suas letras sem perder certa doçura e simplicidade, sem falar no mérito técnico de seus músicos. Los Hermanos, por sua vez, na forma experimenta a marchinha, o hard core e faz um primeiro disco excepcional.

Essas duas bandas seriam responsáveis por ditar um norte que seria seguido ao longo de toda a primeira década do século XXI e que pode ser sentido até hoje, numa criação de identidade própria da música que, cada vez mais aproxima o roque da MPB. Ao longo dos anos, nomes como Mombojó, Móveis Coloniais de Acaju ajudaram a desmembrar movimentos iniciados lá no finzinho da década de 90 que trouxeram, inclusive artistas que olham para a MPB com um pouco mais de vontade e fazem dessa a sua base, como Cícero, Céu (antes de flertar muito mais com o reggae), Tiê, Tulipa Ruiz, Jeneci, Silva, Phill Veras, Ana Canas etc.

Contribui para isso o advento da internet, claro, que ajudou muito a divulgar o trabalho de artistas cada vez mais diferentes e que viriam, até mesmo, a elevar a nível lírico boa parte das bandas de roque propriamente ditas e aqui podemos inserir bandas como Metá Metá, Carne Doce, Ventre, Lupe de Lupe, O Terno, Karina Buhr, Cidadão Instigado (mesmo que esta seja um caso a parte) etc.

O fato é que, hoje pode-se dizer que, resguardadas as devidas proporções e, principalmente, interesse por parte do público, dada a democratização da internet, hoje o Brasil dispõe de uma vasta gama de artistas que fazem roque com um elevado nível lírico, principalmente levando em conta o flerte desses artistas com a MPB (e a inevitável influência desta com a prática literária e poética brasileira) e, não mais macaqueando e emulando gêneros e subgêneros estrangeiros.

Mas, que fique claro: não que isso necessariamente seja critério qualitativo, afinal, os anos 90 têm uma grande quantidade de bandas que são inegavelmente boas e que ajudaram a construir bases pro que viria na década seguinte e que cantavam majoritariamente em inglês se valendo do lo-fi de bandas como Yo La Tengo, Guided by Voices e Pavement. Cigarettes, Pin-Ups e mais notadamente, Pelvs.

Mas isso já é conversa para outro dia.

sem título 121

tem esse silêncio
cercado de barulho
no caminho pra casa.

eu o abraço
e me aconchego
e vejo a dança dos fios dos postes
feliz, como uma criança
que descobre a física
das coisas não ditas.

tem essa aura suja
que carregam as capitais:
é peso demais
pra se carregar
numa única chuva
que cumpre seu papel
de lavar nossa sujeira
e escorrer
uma lama
que só se desloca de rua a rua
como este ônibus
que me leva
do ponto a
ao ponto b
sem demora
e como sujeira,
eu vou embora.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

caçada

você vai me seguir
você vai me procurar
você vai se frustrar
você vai se fingir
de amigo e conversar

você vai me seguir
você vai me abordar
você vai se cansar
depois de me infligir
tapa e pontapé, tentar dialogar.

você vai me torturar
e eu vou conseguir
enfim me libertar
sem soltar um único a
até você se frustrar e me matar.

não vou ser mártir
não vou ser herói algum
mas vou te assombrar
à noite, quando você deitar
debaixo de sua cama vai checar

e quando eu for fantasma
monstro que você criou
você vai se perdoar
lamber suas feridas
e me incriminar

mas tudo bem,
tudo bem,
eu vou ficar bem,
tudo bem,
tudo tem o seu tempo,
tem e vem,
como tudo na vida
eu vou levar bem,
numa boa.
no além e aquém
do que tem de estar bem
sendo eu:
seu ninguém.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

estrangeiro nativo

eu não sou deste país,
eu sou cidadão do mundo,
eu sou cidadão do fundo
de um quarto escuro.

eu não sou empregado de ninguém,
eu não sirvo a mestre nenhum,
eu crio os meus castelos e moinhos
e com meu escudeiro, vou além,
vou pra lugar algum.

eu não falo português,
eu falo outra língua,
não adianta me imitar
nem tentar fazer rima,
eu sou latino americano,
tenho sangue quente,
não tenho eira nem beira,
mas sigo contente,
e toda vez que me acusam
eu chamo toda a gente,
pra bater, pra te xingar,
quem sabe até te esmurrar
e fazer careta,
ocupar uma rua
ou uma cidade inteira.

eu canto samba de raiz
mas curto rock n' roll,
não faço questão de ir a igreja
e faço dos versos o meu show,
não toco violão, não tenho oração,
mas guardo sempre a boa intenção
de fazer valer o que eu sou.

eu não sou brasileiro, eu sou cearense,
sou de fortaleza, do itaperi,
que é lugar de gente,
eu sou dessa rua, eu sou desta casa,
eu sou minha família,
eu sou minha asa,
não tenho eira nem beira,
mas faço como ninguém
um café e puxo uma cadeira
pra conversar dessa situação,
desse nosso sofrimento, desse novo apagão,
eu falo dessas coisas e não digo nada
durmo tranquilo quando não faço amor de madrugada.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

sem tempo

2 irmãos, mãe morta, atropelada, 18 anos. era um desespero sem tamanho. não bastasse o pai, sumido no mundo, inda agora essa. dois irmãos, ele, sem emprego, sem faculdade. presente de grego, futuro de lamentação. não adianta chorar.
ensino médio, cabou-se, emprego de meio-período, entrega água no garrafão, a madame do carro popular, segura a bolsa com força: só quero o troco. todo dia uma prova diferente: no troco da matemática é que se aprende bem, no uso do vocabulário certo é que uma moeda convém: bom dia, com licença, obrigado.
não tinha tempo pro orgulho, não tinha tempo para sentir ódio. era só resignação.
levanta cedo, prepara café, arruma menino, arruma menina, vai deixar, pega lanche fiado, desconta no fim do mês.
era presente de grego, esse do destino, transformar logo cedo em homem um menino. obviamente, claramente, reticente, nem uma gota de suor, fumava escondido (era bom exemplo).
todo dia era essa a rotina, parecia um sonho o fim de semana. a saudade da mãe era tamanha, mas não tem tempo pra saudade, não tem tempo pra orgulho, não tem tempo para sentir ódio: tô passando, eu ouvia ele gritar. deixava água, compras também. homem de confiança do pinheiro, o dono da budega, ia pra onde for, sem medo, com bolo de dinheiro, voltava com o troco que o fulano mandou.
moreno, às vezes era preto, nego, neguim, ficou conhecido neguim da água. braços finos, mas levanta galão de 20 litros com uma mão só.
neguim era forte, era conhecido, nem mesmo a malandragem mexia com o menino: esse é responsa, guerreiro demais.
o tempo corre igual a cargueira azul, rua acima, rua abaixo, beco aqui, sobe escada, ele nem pensava, faz um ano, nunca chorei.
foi na formatura da oitava série do irmão, que chorou primeira vez. aquele ali, meu irmão, é o guerreiro.
a irmã viria a se formar 3 anos depois (quando o irmão passou no vestibular).
era tanta lágrima que era mar, derramado, de seco, de magro, mas escondido. tudo era só alegria, mesmo que às vezes tivesse que se estressar, mas neguim não tinha tempo para nada, não tinha tempo pra rancor nenhum.
entendia pouca coisa de si, do seu lugar, foi por isso que se chocou quando o irmão disse que ia embora, estudar no piauí, aprender engenharia e depois tirar eles dali.
a irmã saiu também, arranjou emprego no exterior. achou chique demais, nem reclamou.
aí que a casa de neguim ficou vazia. foram 9 anos segurando, mas, mais dia menos dia, essa lágrima teimosa de tristeza cairia.
e caiu, mas neguim não tinha tempo, não tinha tempo de nada não. morava no barroso, tava completa a sua missão.
nunca mais soube de neguim, acho que o irmão o levou pra outro lugar, ou a irmã, sei lá. tava sempre apressado, eu sabia que em algum lugar ele ia chegar. 

sábado, 19 de janeiro de 2019

sapato emprestado de um amigo (ou carta em versos com a voz de belchior)

eu uso sapato emprestado
já há mais de 3 anos
e é o sapato de um amigo, que chamava de ex
tamanha infantilidade
eu nunca pensei.

mas olha, meu amigo eu te carrego comigo
e faz mais de um ano,
mesmo que se falar
a gente já não fala faz um tanto.

eu peço desculpa pela minha ausência,
quanto mais eu sumo
mais o coração cobra clemência
porque hoje o que eu carrego comigo
é mais que dois pares de sapato
um cadarço encardido
e um solado desgastado
eu carrego minha vida
pois não me esqueço nunca daquele dia
em que eu quis me matar
e você me levou numa viagem
que eu neguei por não enxergar
o bem que você me fazia.

hoje eu sou arrependimento
mas também sou gratidão
pela sua companhia
mesmo que tão ausente
e a culpa é toda minha.

eu carrego bem mais que léguas andadas
eu carrego também
as canções que foram cantadas
no calor daquela casa
e as muitas conversas regadas a cachaça
e coca cola pela madrugada na sala.

é, meu amigo, talvez esse sapato eu não devolva
mas quero retribuir essa amizade
essa paz que você leva e traz consigo
que é um caos calmo e contido,
apenas pela alegria de ser.

é, meu amigo, eu verso na voz de belchior,
e creio que esse presente ruim, ainda vai nos trazer
algo muito melhor
ou até muito pior,
mas eu acredito no seu sonho
ele é um pouco meu também
e esse sapato, eu lembrei,
calçou meu pé tanto tempo
findou sua sola,
mas não se preocupe, que convém
que na minha próxima visita
leve uma bebida na sacola
e uma conversa pra uma boa prosa.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

mi carino II

é um carinho mudo
que eu nutro no meu canto
pelas coisas bonitas do mundo.

tenho vontade de beijar meus amigos
desconhecidos
irmãos
sentir um abraço quente
bater no peito a peito
mão a mão.

é esse sentimento de concreto
que se solidifica no meu peito
como uma imagem criada
instantaneamente.

bebo o amor líquido
enquanto trago meu cigarro
tomo meu café
enquanto espero um afago.
e como uma luz que se exalta em meu peito,
eu ilumino meu caminho,
na direção certa de um abraço.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

um conselho ao poeta romântico

o poeta baixo é grande
quando fala por uma mulher
o poeta, eu acho,
não está interessado no que ela quer.

o poeta fala, versa a mulher amada
odes e sonetos sobre a mulher invisível
sobre a mulher sonhada
sobre a mulher impossível

a mulher sem pêlos,
a mulher sem cor,
a mulher sem anseios,
a mulher sem amor.

é fácil matar o poeta,
se uma mulher começar a falar
é fácil enforcar um poeta
se ela começa, ela mesma a versar.

o poeta instituição, histórico,
o poema indiscreto de coxas e seios
de boca, de lábios, de desejo irrisório
de quem a mulher não nutre desejos.

imagine a mulher que fala do falo,
da frustração do homem mediano
imagine a poetisa que diz não me calo
a uma versão minha que não amo.

imagine você, que a poesia é feminina
que o poeta cria seu verso infantil
crescendo nesse substantivo que culmina
nas criações de uma mente indiscutivelmente viril.

o poeta tem que mudar sua poesia,
o poeta tem que ouvir uma, toda mulher
saber que seu horizonte se amplia
a medida que fora do corpo se constrói o que se quer.

respeite o corpo que versa, pense nisso!
é mais fácil que descrever o impossível
e se matar aos 27 por ter sido omisso
ao pouco que se preze do que é crível.

este mesmo poeta, se revisitado, tem suas falhas
é impossível não ter sido um erro antes deste fato:
pensar fora do corpo feminino e das suas saias
e deixar essa masculinidade velha e aborrecida no passado.

pense nisso, poeta; pense com carinho!
vamos criar novas crianças com um amplo horizonte
e fazer dessa geração um exemplo, um caminho
para ir mais além do que fomos, para ir cada vez mais longe.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

uma canção desesperada

eu tenho um violão e umas ideias na cabeça
e faço delas o meu norte pras palavras.
eu tenho poucas notas, mas carrego uma certeza
-- e faço dela o pedestal pra minhas mágoas.

eu tenho uma vontade e um milhão de desejos
e faço deles aço pra construir minhas asas.
eu tenho um sonho e um bolso cheio de segredos
e em cima deles me sinto a prova de balas.

eu tenho tudo o que preciso para ser quem eu sou
tenho o tempo comigo para ser meu abrigo
eu tenho a pólvora pro meu canhão de amor,
sou o mais perigoso terrorista do meu inimigo.

eu faço versos e não a guerra do homem,
que serão eternos como a esperança
eu faço guerra contra a ignorância de quem tem fome
pra que eles se juntem a mim num levante de vingança.

eu tenho uma canção na garganta pronta para entoar
e ela agora é cantada entre suspiros e murmúrios.
eu tenho essa canção e ela um dia vai ecoar
vai fazer cair as armas e derrubar os muros.

eu tenho uma visão que no escuro envaidece
eu tenho uma cegueira que na madrugada é trunfo
eu tenho uma missão e o dia ainda amanhece
e quando isso acontecer a gente vai...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A Utopia do Nordeste Independente

Teve esse dia, que sonhei tanto,
que o nordeste depois de sofrer
com preconceitos nada a ver
achou no mundo o seu canto.

Era pai de família e mãe também,
era primo, era prima,
era tio e era tia, avô e avó,
de Cocal de Telha a Santarém.

Todo mundo pedia,
todo mundo gritava
solte a gente, arre égua,
ou a gente se desprega na base da enxada.

Tinha esse tal presidente,
São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e era tanta gente
dos interiores e capitais,

Que também queriam ver
o Nordeste independente,
mas os motivos desses aí
eram muito diferentes.

O paulista dizia que carregava
O Nordeste nas costas,
Outros diziam
Que era terra de gente preguiçosa.

Mal sabiam eles, que cada prédio
e avenida gigante,
Tinham sangue e suor
Do povo retirante.

Depois veio gente perguntar
Que “se o Nordeste é tão bom
Por que tinha tanta gente
Vindo daí pra cá?”

O motivo eu sei bem,
Mas antes que eu lhe diga a verdade,
possas saber que todo nordestino que tá aí
Do seu cantinho tem muita saudade.

Mas desconfio, cá pra mim,
Que o sudelista não saiba ou ignore nossa saga,
Pois que o motivo de o Nordeste ser assim,
É porque historicamente, nossa riqueza foi explorada.

Inclusive, caso você não saiba, direi:
Que quem sustentou toda a massa
Foi da cana, a bagaça,
Pra fazer mais doce o açúcar do rei.

Mas não tem problema,
tá tudo nos livros de história,
Tudo isso que lhe digo, eu estudei,
e carrego comigo
Pra dizer pra você nesses versos de agora.

Tinha gente que não concordava,
Nem todo mundo era abestado,
Porque mesmo num lugar tão sofrido
Há de se separar o joio do trigo,
Pra reconhecer o povo aguerrido
Que vivia no seu estado.

E esse pessoal quando viu o nordestino gigante
Gritar por independência e alforria,
Se juntou no mesmo grito num instante,
E disparou em direção ao que esse povo defendia.

E foi um levante popular,
Nenhum governante, coronel,
Padre, budegueiro, vereador,
Deputado ou advogado de anel
Teve parte no clamor.

O presidente,
Era essa figura estranha
Que carregava o seu vocabulário
Numa bolsa de colostomia
Para que não perdesse a oportunidade
De descarregar a sua eugenia
Numa mediocridade tamanha.

Era casado com uma cearense,
O que não queria dizer nada,
Uma vez quase nega ajuda
ao Estado da esposa
E quando mandou ainda passou na cara

“Faz forte oposição a nós”, ele disse,
De Camilo Santana, uma figura tão insossa, incolor e inodora,
Que seria incapaz de ser contra a picada de uma muriçoca,
Avalie de uma figura tão tacanha.

E seguiram-se anos assim,
Nesse morde e assopra,
Até que o povo um dia se cansou
E diante dos mandos e desmandos
Do Presidente-Bolsa-de-cocô,
Resolveram pôr as mãos na obra.

Mandaram Exército, Forças-Armadas,
Marinha, Força Nacional
E até a Aeronáutica.

Mas ninguém arredou o pé,
O povo ficou gritando lá,
Os políticos eleitos
E até os mais direitos,
Que não sabiam o que fazer,
Resolveram se juntar e protestar.

E o povo sudelista, vendo aquela situação
Foram pra rua pelo motivo errado
Queriam eles se livrar dos 9 estados
E construir uma nova nação.

O presidente então, todo cagado,
Resolveu pegar a sua caneta bic,
O bandeijão deixou de lado,
E assinou o atestado:

“Eu declaro,
Como presidente do Brasil
A independência dos Nordestinos,
Esse povo comunista e socialista,
Com influência clara da doutrina feminista,
E Que vocês vão pra puta que os pariu!”

Sob vaias e aplausos
O presidente sancionou
Que o nordeste era independente
E nenhum sangue se derramou.

Muita gente veio pra cá,
Ajudar a fazer história,
Muita gente foi pra lá também,
Esses eu quero é distância da minha memória.

Mas o que importa é que teve um carnaval
Foram 4 dias de festa,
Em cada estado
e em toda capital.

Claro que o começo não foi fácil,
Isso temos que admitir,
Empresas foram embora
Não puderam suportar
A soberania de um governo popular
Longe das asas do Jair.

Mas o Nordeste era grande, era forte,
Cheio de recursos naturais,
Pois você veja que o sol virou energia elétrica
Deixando a era da escuridão para trás.

Ainda, na orla do nosso litoral,
Era tanto vento,
Que a ideia da ex-presidenta de estocá-lo,
que na época entenderam mal,
Virou energia eólica, muito limpa
E com o devido cuidado ambiental.

O índio também foi respeitado:
Ameaçaram cortar os colhão
De empresário malandro
Que desse uma de ladrão
Invadindo território demarcado.

Disseram os donos do poder popular que
“quem quiser infringir lei ambiental,
Aqui não é lugar,
Basta atravessar a fronteira,
Se tornar cidadão brasileiro,
Que você poderá desmatar”.

Diante dessas medidas,
A Europa abriu relação com o Nordeste,
Já com presidente, hino e bandeira
O mundo estava vendo o pleno desenvolvimento
De um povo que não tinha fronteira.

A música era ímpar em cada lugar:
mangue beat, heavy metal, hard core
forró, axé, pagode, samba,
todos conviviam como música popular.

Era um sonho tremendo,
Era um sonho gigante,
Infelizmente acordei,
Mais triste do que antes.

O Brasil de agora despreza sua história,
Pois se soubessem de verdade das respostas
Jamais sustentariam essa história
De carregar o Nordeste nas costas.

Então, seja URSAL ou URSENE,
Do Brasil, o Nordeste está de fora,
Vou ficar com a minha utopia
Até que eles recuperem sua memória.