domingo, 26 de junho de 2011

Linha de Passe



Posso dizer que não foi à toa que o filme Linha de Passe foi passar no Telecine Cult ontem, às 22 horas ("horário nobre"). Havia tempo que estava na lista de filmes para ver antes de morrer (digo de pronto que a minha lista vai para mais além que mil e um como é título do livro), e não foi em vão que pu-lo lá. Não que minha lista tenha algo de fantástico ou que só entre o que "é bom". Porque do bom ao bom tem sempre uma variável abissal que separa a minha opinião, que como dizem por aí popular e historicamente, que termina onde começa a sua. Mas enfim, falemos do filme.


Walter Salles, foi aquele que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1999 - ganho por A Vida é Bela, de Roberto Benigni - com Central do Brasil (Fernanda Montenegro também concorreu à premiação de Melhor Atriz), assina a direção do filme. Em comum os filmes resguardam um Brasil (ou Brasis) que as pessoas negam ver, mas que está presente na maior parte do país. Não é oito nem oitenta, falando em popular. É a vida que é pobre, mas sem descer os degraus da marginalidade. Os personagens beiram a tal, mas não chega a ser um Cidade de Deus (para aqueles que reclamam que filme brasileiro só fala de favela e sacanagem).


A direção do filme é precisa, tranquila, tradicional até, e nos direciona para a vida de cada um dos membros da família. A casa é apenas o que os une, pois que a história de cada um é interdependente, parece na verdade, cinco pequenos filmes enraizados e ligados pela instituição família, que parece surgir só como a desencadeadora disto tudo.


Apesar da simplicidade de uma possível explanação - porque é um filme simples - a maneira como é levado, com mão firme pelo diretor, nos mostra que está nas mãos de um bom artista fazer o que é a máxima de uma boa literatura igualmente: extrair do ordinário o extraordinário. E há no filme esta necessidade de identificar um Brasil, não exarcebado, como um dia fora, naquele velho tema do Cinema Novo, mas de uma necessidade de inserção das vidas que lutam como pequenas formigas que debatem-se por baixo da terra - porque é certo que na vida real, sempre se decai um pouco à mais, e esta decadência, do filme, não da vida, é tomada de uma sensibilidade que só é possível esconder por trás de virtudes, desejos, paixões - como o futebol, a religião e a dignidade, que cada qual busca.


E,a,p'

sábado, 25 de junho de 2011

Palavras de Saramago



"A certa altura, saiu a pergunta: como é que você, depois do muro de Berlim e do que se passou na União Soviética continua a ser comunista?


E eu disse: Sou uma espécie de comunista hormonal.


"O que é isso, comunista hormonal?"


É que, assim como nasci com um hormônio que faz crescer a barba nasci com um hormônio que, queira ou não queira, faz de mim um comunista."



Do programa Entrelinhas

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ao bom jovem idoso



O jovem tem todos os defeitos do adulto



e mais um:



— o da imaturidade.






Nelson Rodrigues

A Máquina em Verde

Ilustração para o livro "E Agora Qual o Caminho?" de Antônio Olinto Ed. Escala 2008





Passeava. A máquina era lembrança vaga, difusa em meio a neblina do pensamento. Mas passeava entre ela e as plantas. Mas hoje, a máquina era mais presente. Máquina e concreto puro. Fumaça, máquina, concreto, ar, puro e impuro.




Mas passeava. Há quanto tempo eu não utilizo esse verbo: "passear". Sair por sair, pôr pé fora do mundo, ver, apreciar, cheirar, sentir, degustar, fotografar com os olhos, apalpar, sorrir. Tudo definido no verbo: passear.



E passeando, sempre me encontro, mas me encontro me perdendo. Conhecendo pela primeira vez qualquer lugar que se valha de ter sorte em sê-lo -- desconhecido. Eu que não acredito na pouca coisa que se soma a vida adulta! Da minha cabeça ninguém tira: é tudo passageiro. Beleza mesmo só naquele tempo, que gente muita, que faz lama, diz e desdiz sem vontade -- preguiçosa vontade, digo. Que dizem:



-- Eu era feliz!... E não sabia!



Daquele tempo, fruta do pomar, do pomar que é pé, do pé que eu subo, com meu próprio, mastigava com força, sem olhar, analisar, pois que era natural, do pé. Fina beleza natural, que só tinha no quintal florido da casa de minha avó. Lama no pé, coisa que menos me importava. Hoje: é tudo tão certo. Eu sinto falta das pequenas coisas. Sinto falta das coisas erradas de épocas passadas, que hoje não é mais: pura criancice!



Dois anos se somam, mais um e mais um. Quando se vê, desponta na garganta a fruta que tanto se comeu, e aí não tem mais retorno. Gosto hoje de andar entre os prédios, galgar os andares mais altos, ver que de tão belo há na cinza que se soma em meio ao trânsito... Que é que há de belo? Eu gosto hoje, mas não entendo por que. Mistério Cinza-Fumaça.



Quando de uma dessas perdições para que me achasse, deparei-me com um labirinto.



Tentar achar-se em meio ao pensamento levou-me a velha casa de minha infância feliz. Lá, com nada além de um buraco em meio ao vazio deparei-me. Fora decepcionante ver as ervas-daninhas a cobrir a casa, as paredes, as velhas árvores, que se acinzentavam -- ou seria o meu labirinto? Caminhei pelos arredores, desvencilhei-me de ramos e plantas que caiam de pés de goiaba, tentei mastigar uma madurinha madurinha, mas o gosto não era o mesmo. Calei-me por instante, ao ouvir o surrupio de um pé que galha quebrou. Avistei ao longe a casa da máquina, que ligávamos para que do poço profundo subisse à caixa d'água água que nos lavasse.



Lá ia o barulho.



A voz que cintilava o momento sibilou baixo, como uma Iara, como Vênus, a seduzir. Seduzindo. Talvez, esta voz era quem ia a levar-me gostoso ao embalar da rede, do sorriso quase choroso -- e me lembro. A voz crescia, o motor que há muito não funcionava, repuxou com sofreguidão a água, batucou, tilintando alguma peça mais frouxa, para, por fim, cumprir seu ofício maquinal. E quando de seu movimento, ainda ouvia a doce doce voz -- naturalmente feminina -- que da casinha emanava; do resto destoando, um cheiro exalava, que era flor de laranjeira. Beleza rara, flor em meio ao lodo e aos bichos mortos, pequenas criaturas. Avistei seus longos cabelos, era mulher morena que por trás da máquina se escondia; em meio a ramos, em meio a flores, em meio ao lodo, do cheiro de ferrugem, da máquina que descascava sua tintura verde - ainda que pouca, remanescia.



-- Saudades de você, ela disse e a voz me tragou. Tentei, pensando precisar de minha ajuda, ajudar. Por ajudar, acabei tragado. E num mundo outro, estive a fuçar como um cão que lambe as feridas do leproso, uma beleza que nunca mais havia visto, desde tempos vindouros da minha -- aquela -- infância. Saudades que tinha, que por tragado ter sido, nem faço questão de voltar. Tudo é cheirando de desejo.



Desejo Sôfrego-Verde, em meio ao lodo que me arranca a face. Já não sou o homem que sou, apenas a criança viva dentro de um adulto morto que sou -- julgando-me vivo.



Hiato breve, mas de volta.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Pra acalmar...

"Há quanto tempo desejo
seu beijo molhado de maracujá...

Tô me guardando pra quando o carnaval chegar..."


Quando o Carnaval Chegar - Chico Buarque

Poema ao Pensamento



Fumaça neurônio,
vai, fumaça...
Que é só o tempo
que passa.

Infinito exercício,
deveras cansativo,
mas de todos, digo:
o mais bonito.

E,a,p'

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Poemeto Mínimo

Trago vazias minhas mãos;
mas tenho em meu peito
um amontoado de botões

esperando o momento certo
para explodir em mil palavras
que pouco a pouco se anunciam.

eap

quarta-feira, 1 de junho de 2011

3s de Forca



Eu caio;



tenho caído;



e por mais que faça



não vejo sentido



em me debater:



Por isso deixo.






Ao fim da linha



ao fundo do poço;



onde a corda,



senão em meu pescoço?






Pescoço em pedaço,



um craque surdo,



meteu-se minha'lma



num canto recôndito:



um outro mundo.






E,a,p'

Toma da Mão...

M. C. Escher - "Desenhando-se"







Toma de meu braço

pois sabes bem

que vou aonde fores,

porque hoje

é dia de ser feliz,

e se for do teu lado,

amada minha,

melhor ainda,

porque nessa estrada

terá muito mais flores

para mais além

que cinzas no caminho.




Toma de minha mão

algo que seja ninho,

que é pra cuidar de ti

- passarinho -

que é toda flor de união.



Fica mais um pouco a me fitar

e se quiser,

vou sim,

só pra poder me lembrar,

que hoje o dia foi bonito,

porque estive contigo;

que se amanhã eu te for ver,

saiba que eu

te ofereço ainda

meu tímido mindinho

a te buscar.


E,a,p'