terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Arnaldo + Sem nome nº 16

"eu gosto de ficar só
mas gosto mais de você."

Sem Você - Arnaldo Antunes
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"é que algumas nuvens
eu criei satisfeito
em fazer cair a chuva
para que no fim do dia
nosso lençol, lá desfeito
nos mostre onde se curva
o amor sincopado
pela minha voz que uiva,
toda vez, sem sentido
estando sem ter estado"

"sem nome nº 16"

eap

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

In Random - Carnaval

Uma livre associação de palavras, alem de um distúrbio dissonante ao pé do ouvido de uma música que nunca se faz inteligível em meio ao caos sonoro das guitarras, outras vezes entra a viola, entra também o dedilhar lamurioso cheio de dengue da viola recheada da ternura da bossa, e que bossa, aqueles dedinhos aveludados de um senhorzinho, mister powell, o foda, que, será que despretensiosamente?, descobriu a beleza da bossa, digo, não ele, mas outro, que punha o filhote pra dormir, mas, voltamos sempre às guitarras, porque parece que na nossa realidade, pelo menos a que se diz nossa, exclui o coração e os corações aflitos dos que não sabem nada do samba do malandro, do samba feito com a alma cheia de uma sabedoria popular, porque os coraçõezinhos que se esvoaçam em meio ao striptease da amargura pungente dos que querem lugar no mundo pretendem ficar assim mesmo, melancólicos, não pôr a sua exclusão num ponto de ebulição que jamais irão encontrar nem conceber como únicos os ritmos calientes das nossas violinhas, sanfonas, triângulos, atabaques e agogôs, que, simplesmente são difíceis aos ouvidos ainda não acostumados com a nossa cultura - ao menos comigo aconteceu assim a disritmia que começou por desconstruir meus ouvidos e personalidades, não que já me tenha ido pela cabeça esse enjoo ainda ressentido da cultura brasileira, que sequer molhei o mindinho em meio ao rio profundo no qual a música brasileira está inserida, cheia duma personalidade própria, ou não, entretanto, o ritmo é alegre, e o sonic youth me parece por vezes tão mais atraente com o seu niilismo, com a sua boca torta para falar de qualquer coisa que não aqueles olhares perdidos em meio ao caos dos desencontros de n.y., estas cidades todas, megalópoles, atoladas de pessoas sem razão, sem caminho, receando, às vezes, o dia em que poderão estar ou não estar neste mundo, que me perdoem os brasileirinhos, os fãs, assim como eu, de chico buarque, aquela maravilha de homem de olhos azuis e letras maravilhosas, caetaninho veloso e seu violão, tocado com o seu nojinho experiente, o maravilhoso e ultra-avant-garde tom zé em seu experimentalismo tropicalista, gil e o proto-reggae brasileiro, maria bethânia e sua poesia dita em voz alta para que todos escutem, vinicius, paulinho, os malditos, arnaldo baptista, macalé, e o caralho, enfim, eu tenho uma dívida de sangue com vocês, que, se esta coisa que não acredito de sangue pátrio estiver por correr em veias, que me perdoem de verdade vocês, mas o negócio do meu peito vai à mil com uma guitarra barulhenta, é como perguntar para deus se ele já leu nietzsche, com o perdão da paródia, senhor fante, mas o negócio é por aí, porque o barulhinho mosquital, mosquitífero, zumbido ao pé do ouvido tem feito um trabalho, no mínimo interessante na insanidade absoluta de meu pobre olhar - olha lá: eu ainda não sei se disse tudo o que tinha para dizer, entretanto, eu desligo o in random, espero a hora bater incerta, e quando for hora, já estaremos lá em baixo novamente discutindo música, por conta do menor zumbido surgido do nada, devo-te muito, brasil, cultura do, mas agora, eu não sei o que em mim habita, talvez coisas de peito cansado de respirar este ar carnavalesco que em nada me agrada, na verdade, este relato é o revival de um rock que ressuscitei apenas para ir de encontro com a tevê desligado em protesto contra estes desfiles satânicos - o bailar ensandecido de mulatas endinheiradas, de gringos podres de ricos, e de pobres iludidos, felizes, apenas, pela oportunidade de descanso de não estarem sendo obrigados a serem o que não são: homens.

eap

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Sala, o silêncio, os retratos


As imagens nos passam as mensagens que desejamos,
e nem sempre é a mesma das do criador,
entretanto, entre tantos entreatos e cortinados,
sei da sala o vazio de meus tios e avós mortos,
cortinados pela terra fria, surrada em sutil melodia,
que os seus silêncios tem cuidado de me dizer,
e, antes que se diga dia, se sabe triste, a sinfonia
de mil trombetas angelicais explodindo
sob o céu e o sol salgado e selvagem armado,
cingindo luz e melancolia por seu labor todo dia,
de defender o céu e o seu infinito,
quereria então ele, lançar seu grito,
despertar todos os mortos,
ver olhar os olhos dos retratos da sala,
tios, avós, padrinhos e parentes,
primos, primas, alegres, doentes,
o silêncio dos retratos, as cores pretas-e-brancas
que colorem de felicidade o rosto sério de meu pai,
a face limpa e séria de minha mãe,
a cadeira vazia sobrante na sala,
o silêncio cortado na garganta,
cuspe seco na minha história,
e quem dirá de mim, o último Silva vivo,
que espera nada mais que o silvo,
da última coruja a piar nos céus.
O anjo desce, espectro de carne e madeira,
salvo pelo pai, e a lareira cinzenta,
que fatia do pão dormido de nossa mesa de domingo
não terá mordido este anjo sem dentes,
que me diz baixo, enquanto observo,
"Estes retratos mais nos falam
quando calados por muito tempo."

eap

Das Cegueiras de Joyce

Há histórias que nascem para ser apenas um relato, outras se abrem num cortinado, e de dentro, o espetáculo é a vida, não em fatos, mas em fatos, aqui no sentido português, ou regional mesmo, como fui acostumado a ouvir, os fatos, as vísceras da mente, um descortinar de tudo o quanto há de belo, de trágico, de horrível, e para além, nada mais, o fato, sentido de história, é o que pouco importa, posto que para nós brasileiros, mexer nos pauzinhos para melhorar, aprimorar e transformar a língua é um fato digno, a maneira, seja ela linguística, semântica, no ponto de vista introspectivo, redescobrindo os descaminhos da mente, que não mente nunca, em contraponto, tudo isto, com os norte-americanos, que adoram histórias cheias de segredos, cheias de trâmites inseguros, transitando sempre entre o livro de mistério e os livros de policiais durões, pelo menos, assim os entendo, entretanto, aqui se saliente o meu parquíssimo conhecimento da literatura estadunidense e inglesa, que guarda bons nomes, como Philip Roth, Sir Arthur Conan Doyle, Ernest Hemingway, e, claro, um que subjaz à todos estes, paira como o fantasma insuperável no seu virtuosismo sem tamanho, Joyce, que elevou a literatura inglesa a um padrão alfômega, que até agora poucos conseguiram alcançar, mas, claro, sempre que um ser vai lá a bater à porta do virtuosismo em língua inglesa com seus livros sempre vai haver aquela comparação com o escritor de Ulisses e Finnegans Wake e de Retrato do Artista Quando Jovem. Mas, isto são renomes, agora, falemos de Lolita, que, à sombra do assunto polêmico, deu a Vladimir Nabokov o status de um mestre na língua inglesa, graças à escrita graciosa, que suplantou a obscenidade do tema, e, ora, que maravilha isto, já que um destes renovadores e mestres era um russo imigrante, que, antes de escrever este livro já havia escrito outros nove romances em russo, mas agora vemos a ironia de tal entre os meios da segunda guerra e o infinito da guerra fria, seria esta a prova de que a arte é pacificadora, não tem língua, não tem pátria nem família?, voltemos a Joyce, que ficou cego, graças a um problema relacionado à obscenidade, e, bem, em trinta e pouco o problema se dissolveu, e muitas pessoas, ao passo que o pobre homem ficou cego acusaram-no, o fato por conta da visão detratora de mundo que o homem tinha, uma bobagem cristã, que alguns chamariam de castigo de deus, que deus malvado este que cega e limita os poderes de fogo da escrita de tão maravilhoso homem que conseguiu elevar a literatura em língua inglesa de simples balbuciar de palavras e fatos transcorrentes uns por cima dos outros, aqui um salve! para Joyce, mas, o mesmo, se tivesse ocorrido, poderíamos dizer da cegueira que acometeu um escritor canadense chamado Wyndham Lewis, que exaltava a precisão do caos maquinal, a modernidade e tudo o mais, não obstante isto, além, claro de fundar o vorticismo, que, se for à “vórtice”, de acordo com o dicionário, dará num movimento maquinal, enfim, um ser impressionante no começo do século vinte, claro é, entretanto, examinando mais à fundo na biografia do rapaz, e não é fofoca literária, já que tais fatos são defendidos em sua obra, foi um rapaz mui simpático com as causas fascistas de Hitler, apoiando-o, num livro que tem um título engraçado, que não li, entretanto, pelo título se aperceberá o que houve de errado, The Hitler Cult and How it Will End, acho que não preciso dizer como acabou isto, e no meio do caminho ainda houve, claro, crítica a escritores deliberadamente de esquerda e que eram sinônimo de renovação da língua inglesa, como a nossa depressivazinha, a Virginia Wolf, e, outra grande ironia, o próprio um dia foi, digo dos renovadores, posto que virou assumidamente direitista, e cego ficou, daí, se fôssemos transferir o castigo de deus ao homem, quem mereceria o título honorável de castigado-mor? Que fique aí a questão, mas, se não for injusto, que eu morra agora, por isso acho interessante observar estas questões que não deixam de nos estarrecer, aliás, nós que nos interessamos pela literatura como um todo, eu, busco não ter tanto preconceito com as outras literaturas de línguas que não sejam neolatinas, já que provei da delícia das linhas escritas à ponta da caneta francesa, italiana, espanhola, portuguesa, brasileira, mas, veja lá, todos traduzidos, que ainda não tive o privilégio de pegar nas mãos o original e ler as palavrinhas juntas na língua mãe, mas planejo ler nosso Dom Quixote em Don Quijote, e me surpreender pelas mãos de Miguel de Cervantes, Gabbo e seu Cien Años de Soledad, além de Alighieri, com o paraíso, o inferno e o purgatório, lá nas delícias da França, bebendo de Sade, que é o que mais me interessa de outras épocas, e por isso, nada tem a ver com o que falava agora a pouco, mas sim com as outras línguas que não neolatinas, quando estive a ler por estes dias o prefácio da tradução de Paulo Leminski, de um dos outros renovadores da língua norte-americana, um senhor, que também bebe das águas de Joyce, chamado John Fante, agora, mais uma das ironias da literatura, o rapaz é um ítalo-americano, e não um puro-sangue, por assim dizer, vagabundo, como aqueles outros rapazes da geração beat, Kerouac, Burroughs e Ginsberg, que são jovens pelos quais bastante me interesso, que por sua vez deu origem ao vagabundo-mor, senhor Charles Bukowski, maldito, que também era outro não-puro-sangue, vindo dos confins da Alemanha ainda jovem, e enfim, vive destas contradições a arte, que se dependesse do castigo de se fazer cegar os seus artistas, estes, bravos senhores, ainda dariam um jeito de fazer maior, penso eu, sua glória e que ceguem-nos, atem-nos até as mãos e deem nós nos dedos, que ainda assim daremos maneira de pôr a folha o pensamento escrito!, ah, sim, quase me esquecia, ia findar sem lembrar que dizia que lia o John Fante com o prefácio do tradutor Paulo Leminski, que revelava antes ter preconceito com estes pobres diabos iludidos por tantos anos em seu american way of life, posto que o que se vê no livro é o outro lado da moeda, e por isso, além de abordar uma bela temática ainda tinha o privilégio de sorver as inovações joycianas, aqui uma brincadeira lúdica até com o próprio nome do homem, enfim, era uma revelação ao Leminski, que não se deixou cegar também ele pelo preconceito que ainda temos com algumas coisas, por isso é que vez por outra digo ao Machadinho, meu filho cá fique um instante, que vou dar uma volta com Dostoievski pelas tabernas da gélida Rússia do século XIX, para me embriagar de vodca, enquanto descubro outros machados nas roupas de Raskolnikov, ou, cá fique, Jorginho, que Sartre e Camus vão a dar um passeio pelo lado europeu da vermelhidão comunista de um e negra do anarquismo do outro, vez por outra, dizer isto às palavras não é nenhum pecado, por isso, desconfio, com todo respeito ao nosso senhorzinho ali dos confins de Alagoas, Seu Suassuna, é bom se misturar e brincar de liquidificar areia e água, ver no que dá, que xiismo, está mais que provado, sem discordar de uma bela peneirada, dá em cegueira.

eap

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Lavra Palavra

Palavra encantada.
Palavra cantada.
Lavra cantada.
Lavra apalavrada.
Palavra desencantada.
Cantada num canto.
Lavrada em pranto.
Palavra lavrada.
Lavrada em encanto.

eap

Domingo

O tempo parou
em todos os lugares
onde o tempo deixou
seus segundos,
seus pares.

Era domingo,
tevê ligada nos lares,
era infinita a sensação
de mediocridade
arrastada pelos ares.

eap

as horas caladas se retraem...

(Sem nome nº 19)

as horas caladas se retraem,
mas se é tempo de voltar,
que se voltem as palavras,
cheias ou vazias --
esvaziadas do sentido absoluto,
contrariando tudo o que já foi dito.

eap

Aos Amigos

Uma outra coisa me passou pelas pálpebras agora:
sabia desd'antes que as nossas histórias jamais iriam se cruzar.
Como todos os amigos, há neles uma ponta de inimigos...
Que alguns se vão, alguns se vêm, alguns se vendem,
alguns tomam o rumo mais complexo, do nada ao nada,
e quando damos por nós, estamos assim, tão solitários
quanto um feto dentro do útero silencioso da mãe,
boiando nas vísceras, no sangue e na própria excreção.
Todo o resto é um planar sobre o infeliz segundo de outrora...
Quais segredos não matamos, receosos de que se espalhem
pelos fios da aurora rubra dos ventos apontados pela ponta da língua
em nome da amizade desfeita, finda, amiga?
A alguns, hoje, eu digo adeus, sem medo, pois, depois de um tempo
que mais é a amizade, senão o produto do desencontro dos gestos,
o desentendimento do que se não pode entender?
A outros, eu aguardo a oportunidade de conhecê-los além das palavras;
Há ainda, aquela que para quem o amor do amigo ainda foi pouco
para o amor que cresceu e explodiu num beijo desesperado --
um beijo do fico, um beijo de namorados!

Há, acima de tudo,
o medo de que tudo esteja acabado.

eap

Uma Ideia

uma ideia pula de dentro de mim
e quem dera fosse fácil dizê-la
somente assim, desta maneira
há algo além do que fica aqui
palpitando dum prazer mudo,
tartamudo, apalpadelas sem fim
é algo de pouco mais de segundo
e há algo entre o místico ser
que se faz de pobre e duro
carranca na face, espelho em ter
além do disfarce, um grande furo,
em meio ao poder do que se sabe
nulo.