sexta-feira, 13 de março de 2015

-

eu só queria ser lembrança
de coisas boas
e não essa carne entumecida
de culpa

exílio 5

a solidão por si só não é escolha,
não é escola
e me perdoem o ridículo da vida
porque viver tem sido um fardo
tão pesado e dolorido
que eu não consigo imaginar
que as coisas possam dar uma reviravolta
em tão alto nível de secura

chegar-se-ão dias solitários,
dias em que ninguém vai entender
que essa solidão é solitária
por não ter ninguém por si
nem por mim, nem pelos outros

às vezes os dias vão ficar cheios
de grandes vazios
pra serem completos
por rios de nada
e no interim entre eles
pode ser que haja
um pequeno resquício de graça
graça que não vale a pena

quarta-feira, 11 de março de 2015

martelo//prego

a festa acabou,
fecha-se o ciclo das imperfeições
e inicia-se o das preocupações
e a amargura toma conta do dia
do amor, dele inteiro,

e a festa acabou
com o copo ainda meio cheio,
ainda bem,
a festa tem hora, sem hora não dá,
se fosse infinita era inferno,
o corpo respira aliviado,
a mente pede por mais,

a festa acabou
mas calma, que toda festa acaba
a festa a festa a festa a festa
o recorte é tão falso que soa como música
e quando é que vão me dizer o contrário,
eu prefiro sentar e esperar que os dias
tenham chuvas mais fracas
sóis mais amenos
vós que sois a desgraça dos meus dias
e os sóis que sois que são, querem
como quem se queria o suor impregnado no corpo

a festa acabou
resta a ressaca, o corpo clamando por água,
por alimento qualquer, por gordura,
por cigarros, por sono, ressaca
ressaca de mar e terra e corpo e ar,
a luz é baça e balança a faísca última do meio-dia
quem fez o sol tão quente,
quem fez a noite tão escura,
quem fez a chuva tão incômoda

mas em londres

a festa acabou
a festa não pára
a festa não pode parar
o espetáculo não é lógico
o espetáculo é caos,
a festa é espetáculo,
e é tão difícil controlar o ódio e a inveja
que senti quando você abriu sua boca para vomitar
em cima dos meus olhos
aquelas demências,
mas, olha bem, eu vou te responder à altura:
vomitar na sua boca
e conceder que a lama e o ácido gástrico do qual beberás
ainda te faça melhor que essa gentalha de mil homens na tua cabeça
e se eu te amava antes, hoje eu não posso segurar a vontade
de tentar te esfaquear pelas esquinas,
sem motivo ou que esses desmotivos já sejam um

a festa acabou
perdeu a graça
a música perdeu compasso
o sono chegou
o cansaço legou
e fizemo-nos entendidos sobre tudo
a boca não fala nem beija nem bebe nem fuma
a boca só arca
e arqueja
pedi a conta, pedi a desforra
perdi os cálculos
perdi as negociações de toda a minha vida
e essa festa
de luzes horríveis
caio babando, espumando feito um cachorro
e são tantas fotografias
posso ser menos prolixo,
dizer que a festa sempre acaba,
mas eu nunca fui bom com os sinais
nem com as maiúsculas
e porque sou dado aos minúsculos
a festa tinha que acabar

a festa acabou
pros poetas
pras putas
pros amigos
pras empregadas
pros playboys
pra advogada a festa nem tinha começado
pro doutor a festa não parará

a festa acabou
e a dancinha solitária
com o copo na mão
o salão vazio
no meio a luz
e meu vazio todo preenchido
de que
nunca soube

a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou a festa acabou

terça-feira, 10 de março de 2015

a cena muda

como esperar o desespero
sem nele depositar uma gota
de drama?

em tudo o que se debruçar
inda restará a pacata sagacidade
de alimentar
as cenas
e os entreatos

por que detrás das cortinas
quando sai a estrela
entra o ser humano,
que usa vestes normais --
carne e ferida aberta
osso e desaforo
palavra e não-texto

como é a vida
fora do holofote
dentro das paredes
dos bolsos,
dos fones.

onde escondemos os vícios
quando não tem ninguém para impressionar

será que detrás de nós inda há
parcela ou múltiplo ou divisor
que nos tente a segurar esse fio de hombridade

se o mundo se depara com o teu ato final
e a vida, já se sabe, é imitação da arte,
acaba o espetáculo

mil rosas em teu teatro.

-

essa paz é quem me inquieta
enquanto me emudeço
a alma por dentro é tormenta

segunda-feira, 9 de março de 2015

exílio 4 (soneto de inominação)

esqueci dos títulos possíveis para determinadas coisas
mas o vazio que elas me dão também são porta de liberdade
não consigo amar as liberdades que me são dadas tão bem
entretanto, consigo limitá-las muito bem quando quero.

os deslimites, mesmo eles, quero saber procrastinar quanto puder.
era de ser algo menos doloroso essa vontade de viver – salvo-o:
o não vivo, indivíduo respirante, pela escolha própria de morto
e intitulado como tal, como proceder tal dor de cabeça constante?

mas não consumo energias para além das mais necessárias, há
(em cada pedaço de caminho pelo qual não se pode caminhar só)
uma leveza em nosso corpo só de pensar em liberdade-eu

e nem assim eu rotularia esses textos que saem perto do sono
calado eu sensorizo toda cor de led que porventura brilhe-brilhe
nessa hora oportuna de ser alguma coisa que não tão vivo.

exílio 3

cantei um dia sobre as falhas de caráter
que formaram o rosto de esfinge que me viraste,
fazer parecer assim, que na cerveja bebida de ontem
ainda me ressoam alguns fuzzes e poderíamos
dormir com white noises dentro de nossas cabeças
conquanto nos deparamos com a suposta cabeça voltada para trás,
especialmente quando a chuva teimasse em cair lenta
no meio de novembro — o que não é normal —
então, mais dia menos dia, as nossas cabeças se refreariam
no meio do caminho para com a ladeira
mas não consigo supor tratamento mais incréu aos seus devaneios
de me querer para si — eu sinto até muito
porém na verdade sinto tão pouco e não vou mentir
porque já não consigo mentir, já não consigo captar as ondas
de som que carecem de ouvidos não tanto apurados,
mas que precisam de sensibilidade de alma,
catapultar para fora de teu corpo vontades, desejos,
a própria essência do que é alma, fazer-se corpo são
fazer-se inerte condutor ao perigo que se corre de alimentar
o fogo com teu corpo, tua carne,
merecidamente estaremos cansados de tudo isso, sem culpa.

exílio 2 (casa-homem)

casas entediadas recebidas pelas sombras,
assim são as que repente me encontro
quase como que se tivesse me feito um mal
sendo o grande bem – as portas brancas de tinta descascada
como as feridas de meus braços que ainda não cicatrizaram
ouço longe a música 80’s sem muito senso de ridículo
porque na verdade eu gosto de estar amando o feio
e suas conjecturas – desistir das mesmas coisas
e se contorcer sobre a cama enquanto o teto derrama na testa
pedaços de gesso e neva meu sonho
a sombra que caiu pelo clique das luzes apagadas
abafou meu sentimento de abandono e na verdade
era existir pouco e se fazer algo como luz ou nem isso
no espelho do que já se faz distante, longe.
queria derramar menos esse drama em tua boca
para concretizar mais verdades que a fatalidade outrora depreendida
e no escuro do quarto esse drama se reconstrói
pesado, avesso tortuoso – como mover os braços n’água
flutuar sobre a bruma do sal — levo de leve meu jeito
com humor negro ou ridículo — não tenho remédio
espaço tempo que passar
louváveis tuas mãos
meus dedos apertando o travesseiro — semi-agonia
em posição diagonal
transverso — quatro pontos distintos na galaxia
a constelação do hominis canidae semi-morto.
hominis hominis
semi-homem.
sêmen-homem.
o homem semente
o homem sem mente
o homem que mente
o drama desgrama
e copiosa lama — olho no olho fogo.
homem serpente.

exílio 1

nascido pela primeira vez e sem culpa em maternidade e cartório
avalie você em cartomantes — com certeza já fui fraco.
pensando tão somente nessa lástima que me acompanha desde a placenta
e contudo não continua nem alimenta — deixa que eu morra quieto,
dormindo, passando a mão em meu próprio rosto,
supondo ferida aberta e pus, como bom sommelier interrogo,
o dedo no sangue, na ferida aberta, o dedo na língua,
“é sangue ruim, saga vencida, elemento ordinário, morte morrida”
por enquanto a vida não corre — quem corre pelo tempo somos nós,
ele não passa, nós passamos por ele — kronos o gigante a quem
passamos 50, 60 anos a escalar, para ser engolido pelos dentes podres
de sua boca imunda, mas que não diferencia sabores ou intervenções
indigestas ao seu organismo — pai de toda galáxia, saturno, dor elevada
se o tempo não morre nem corre, ao menos se alimenta
do que outrora foi vida — enquanto viva, suga, com a boca entreaberta, o sono,
o sonho de mil homens por segundo.
estudar a forma da dor, do complexo dedo com que gira a caldeira do milênio —
terminando o sabor pela guerra e sangue quente a chumbo e loucura,
prato do dia, chá de saudades, conformidade, mas de sobremesa a morte quem serve
o melhor café que se possa ambientar a entrelinha.

vinícola [fragmento]

não seria justo deixar o mundo desta forma
a forma como propus deixar de ser
vegetando como as paredes da casa,
deixando subir pelas pernas o lodo
e ressecando quando bem se dita o sol

às vezes desaparecer é a palavra que usamos
para transpor a linha tênue de uma mudança brusca
e a mudança definitiva daquela fase
em que os meninos se tornam homens,
ou mesmo o aniquilamento do que foi social

porque há dias e dias em que se supõe estar cansado
e até mesmo quando este se revoa até o telhado
e cobre tua casa como um pé de maracujá
envolto em musgo, donde se criam fungos
as criaturas tendem a se sustentar no calor de seus corpos

aí, deixar o mundo: não existe ideia mais ridícula,
que morrer ainda é bem melhor que sonhar,
não lembro se já disseram que a vida era castigo
e se não é assim que encaramos a desgraça
eu não quero mais saber das ruas onde vivi

porque eu posso afirmar que como um vinho
o corpo e a mente no qual fui jogado sem perguntas
foi tomando para si as misturas da terra e a água
e por quantos anos de tédio e lamento tive que absorver
para que neles se encrustasse o cheiro e o gosto daqueles dias

[...]