segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

maricotinha de jesus bêbado

não amo nada, não amo ninguém - acho que amo meus sapatos, meus livros. mas bora vê: sou medroso, as carteiras de cigarro, o copo no meio, uma dúzia de garrafas? mais uma dúzia, uma por quinzena, e o ano se faz um salário de pecado. não amo ninguém, mas tenho um barbeador, e um barbeiro, não uso por não querer. cachacinha: salva a noite, salva o dia, cumpro o dever, na esquina me encontro, me perco, me acho, me fujo, puta que pariu, maria, cadê você?

eap

castelo

se ela se deu, doeu-se também. a vida manda um joão, um josé, mas as coisas nem sempre são simples: ela tenta, mas a lógica do que fica não é a sua. 
na praia, levanta as cartinhas na ventania. quando põe duas peças, sabe lá pr'onde vai. ela só não tem força para ir adiante. vem onda vem vento. areias e cartas. tudo dá no frágil castelinho de amor próprio.
mas quem vem adiante? senão é o menino do rio, agora andré, óculos escuros, corpo másculo, um tanquinho de se lavar cama mesa e banho. ela pega a primeira carta: um ás na manga.

eap

do eterno [versão cortada]

que seja eterno,
enquanto terno.
que seja afeto
enquanto feto,
enquanto feito,
que o que pelo tempo
foi construído
por ele não seja
desfeito.


eap

-

viii

antes de tudo, ao meu amor
serei atento
muito e tanto e como tal: sê-lo

-

vii

de tanto procurar
parece que a vida acaba por fazer
a gente se perder.

eap

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

fuga [trecho]

a mãe ligou assustada: – ele fugiu de casa. ela não falou tranquila, como foi da vez dele, foi na busca. encontrou uns coleguinhas e tudo o mais. tinha igualmente treze aninhos. parece ser lei tentar fugir de casa pelo menos uma vez. como se diz muito por aí: tolstói fugiu pela janela aos cento e tarará anos. nunca é tarde demais – tampouco cedo. treze anos, nunca se fodeu – ele mesmo nunca se fodera. evitava a dor como vampiro evita alho, lobisomem bala de prata. coisas que não existiam – qual a fuga da dor – ela sempre te encontra – agora por exemplo, ia mordendo o nó dos dedos no ônibus quase vazio. cigarros, um atrás do outro – comprei um maço, já foram 8, menos de uma hora – na semana em que decidi parar/diminuir. vai se foder moleque. andou pelas ruelas, como fez naquela vez, mas com mais cautela, a barbinha chamava atenção. tudo bem, pensou, qualquer coisa ligaria praquele amigo que conhecia todo mundo – todo mundo tem um amigo que conhece todo mundo. [...]

eap

ensaio sobre escorpião

define-se pântano, água calma, dentro, que há? não há nada, o cosmos sabe bem que tudo tem hora de vir à tona, meu sorriso é um rifle, eu pretendo te aprisionar livre, deixar-te vagar, cavalgar, cavalar-se, deixo porque observo, meus olhos que separam no silêncio os feijões podres - talvez os coma, apenas para fazer doer a bílis, e quando lá chegar acompanhar comedidamente a dor latejar, mas não se atreva a levantar meus olhos, deixai que com as mãos, os ombros, acomodar-me-ei nos braços, deixarei de lado as lágrimas que vazam de fora para dentro, inundando - e elas se transformam no murro que por vezes pode explodir na parede do quarto escuro, trancado, sozinho e sem ninguém. por que às vezes me transtornas como o diabo? por que às vezes me faz odiar  dizer as minhas verdades de tal forma que sem dó nem piedade na cama eu tenha que me vingar, deixando na tua pele a marca de minha vingança? rabisco poesia russa em tua pele com meu odiamor, e te deixo com a vontade de me querer, de não perder, sou assim quem cuida as ferrugens, do que ninguém mais quer e reemerjo-lhe às margens purulentas de uma realidade que eu não nego nem negarei - te puxo o braço, encaro fixo, sou o planeta guerreiro, sou macho, apesar da feminilidade inerente às minhas feridas que crio sozinho; sou um planeta frio e distante, sou nem isso, não sou planeta, sou judas, que apesar de tudo, olhe de novo, nunca deixou de ser apóstolo.

eap

Sem nome nº 45

sua boca cuida de fazer um trabalho
desejado de tantos dias.
não há palavra vária que faça valer
o silêncio com que soergue seus dentes;
sua língua, em contrapartida,
não se faz muda - apesar dos silêncios.

tenho vontade de usar
minhas pequenas extremidades:
dedos, língua, glande -
e uso, entre algumas dentadas
que ficam expressas na pele,
entre-coxas, pescoço,
entre vermelhos e roxos.
suas unhas sacrificadas na pele
de minhas costas,
pouco ou nada adiantam,
se fosse assim tal luta feroz
(e não o é),

seus mamilos eriçados
são um desafio a ser batido,
enquanto eu assim lhe chupo,
ela bate,
ferozmente,
entretanto, a batalha é árdua
até o esporrar:

sangramo-nos vítimas do cansaço absoluto,
depois suas pernas e braços cuidam
de me cuidar.

eap

carta nunca enviada

22/08/2013

para jf.

tua ausência eu entendi
à tua tristeza fui órfão - 
mas sempre soube que doía
como dói o amor exausto.

eu sou o futuro da tua dor presente num déjà vu desses indesejáveis. 
a cruz é a mesma? 
a dor é por si só uma e tudo é dor, aqui, lá, aí, sua, minha nossa, sei das dores do mundo, não sei da cura, mas sei dizer manso que como toda ela vem, vai, como nosso destino: a gente corre pra chegar e foge para não ir.
ah minha querida, rua acima desce rego abaixo toda lágrima... somos vis e vislumbramos belezas intensas. sabes das madrugadas, sei das noites de riso e sofrimento. 
poupo palavras, não poupo amor. 
sei que por aí te corre um medo mas é na fraqueza que o músculo se transforma; esse músculo invisível do coração; sei também que a repetição é o mundo dando voltas - entretanto o retorno é conhecido, passarás como tudo passa, e saberá que o espinho que te feriu o pé não estará lá novamente, faz-se parte da tua carne (conquanto não pares), profundississimamente nela se entranhou.
sei que isso é um grito surdo, palavras rabiscadas (também eu apanhei na cara, sofri das dores e inchaços da face, do dente quebrado e das raízes expostas - fiz delas um canal), mas amanhã também o sol nasce e renasce. essa metáfora da vida.
portanto nessa noite, liga tuas torneiras, inunda tua casa, rega teu jardim, vem de volta quando quiseres, vem correndo ao meu abraço, que isso tudo ainda não é nada.

eap

dormer/morrir

morrer parece saída ou entrada
fim ou começo de um espetáculo
onde não se paga
nem leva nada

.................................................

adeus às armas,
aos jogos,
ao despertador
(acorda, sim,
junto desperta
a dor).

adeus escovar os dentes,
adeus dentes (entes),
adeus banhos diários,
cabelos penteados
(a festa de boas vindas
dos piolhos e vermes:
meus elos e cabrestos,
correntes
do fim,
amarram-se aqui
no fundo desta vala,
travesseiro de pedra,
cama estofada, estufada,
esfolada, fadada ao adormecer do fracasso -
paletó, gravata,
se eu tiver sorte),

adeus caminhada, adeus,
sinais, ônibus,
adeus aviões, adeus,
navegantes,
tripulantes e passageiros.

adeus marinheiros
demônios da solidão contin(m)ental,
adeus lembranças,
todas elas,
adeus guitarras elétricas, distorção/ruído branco
(madrugada de sono insone profundo),
adeus adeus insônia,
porque o sono
finalmente me guarda
no lençol escuro da noite.

eap

-

matei em ti, nessa nossa volta talvez um pouco da minha vida. sei o caminho da ida, entretanto não cruzo aquela porta.

eap

Sem nome nº 44

seja você já:
cê já jaz sem ser
e sem ser já faz
e não faz e sendo
e se sendo jaz.
não faz isso:
cê se ser
é coisa linda
de se ver -
não seja já
mas seja sendo.

eap

achado/perdido

não encontro prazer em trocar palavras
- é-me tão pungente, que não lembro
se sempre foi assim.

não me esforço,
sou por vezes atingido
por um fina camada de sutil mesquinhez
e cinismo.

instante seguinte já dou por diabólico
o sentimento de repulsa que me toma.

te respondo em
risos.

eap

Sem nome nº 43

preciosidades que se escondem...

ai, que é você... ando romântico
sem muito ter do que se amar
mas, sou esperançoso e grato
por coisas que faço sozinho...
não sei que amor foi esse
em que te guardei...
- mas sei que és assim do jeito
que imagino.
talvez pior um pouco,
como sou também:
caixa de imperfeição.
recuado nas paredes de casa,
cheio de dedos na hora de falar.
meu dissabor só se faz na noite
em que te não digo nada
(daquilo que almejo).

eap

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

fortaleza i

não guardo amor às tuas praias,
mar de água marrom.
tuas ruas imundas,
o lixo das calçadas.
tudo fede a merda e peixe - peixe embostado.

por mim continuará sendo
essa noiva desposada do sol.
por mim cê fica pra titia.
esse sol do caralho
que queima o quengo - as noites
essas ainda resguardam coisas
que não me choram as vontades.


eap