segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

maricotinha de jesus bêbado

não amo nada, não amo ninguém - acho que amo meus sapatos, meus livros. mas bora vê: sou medroso, as carteiras de cigarro, o copo no meio, uma dúzia de garrafas? mais uma dúzia, uma por quinzena, e o ano se faz um salário de pecado. não amo ninguém, mas tenho um barbeador, e um barbeiro, não uso por não querer. cachacinha: salva a noite, salva o dia, cumpro o dever, na esquina me encontro, me perco, me acho, me fujo, puta que pariu, maria, cadê você?

eap

castelo

se ela se deu, doeu-se também. a vida manda um joão, um josé, mas as coisas nem sempre são simples: ela tenta, mas a lógica do que fica não é a sua. 
na praia, levanta as cartinhas na ventania. quando põe duas peças, sabe lá pr'onde vai. ela só não tem força para ir adiante. vem onda vem vento. areias e cartas. tudo dá no frágil castelinho de amor próprio.
mas quem vem adiante? senão é o menino do rio, agora andré, óculos escuros, corpo másculo, um tanquinho de se lavar cama mesa e banho. ela pega a primeira carta: um ás na manga.

eap

do eterno [versão cortada]

que seja eterno,
enquanto terno.
que seja afeto
enquanto feto,
enquanto feito,
que o que pelo tempo
foi construído
por ele não seja
desfeito.


eap

-

viii

antes de tudo, ao meu amor
serei atento
muito e tanto e como tal: sê-lo

-

vii

de tanto procurar
parece que a vida acaba por fazer
a gente se perder.

eap

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

fuga [trecho]

a mãe ligou assustada: – ele fugiu de casa. ela não falou tranquila, como foi da vez dele, foi na busca. encontrou uns coleguinhas e tudo o mais. tinha igualmente treze aninhos. parece ser lei tentar fugir de casa pelo menos uma vez. como se diz muito por aí: tolstói fugiu pela janela aos cento e tarará anos. nunca é tarde demais – tampouco cedo. treze anos, nunca se fodeu – ele mesmo nunca se fodera. evitava a dor como vampiro evita alho, lobisomem bala de prata. coisas que não existiam – qual a fuga da dor – ela sempre te encontra – agora por exemplo, ia mordendo o nó dos dedos no ônibus quase vazio. cigarros, um atrás do outro – comprei um maço, já foram 8, menos de uma hora – na semana em que decidi parar/diminuir. vai se foder moleque. andou pelas ruelas, como fez naquela vez, mas com mais cautela, a barbinha chamava atenção. tudo bem, pensou, qualquer coisa ligaria praquele amigo que conhecia todo mundo – todo mundo tem um amigo que conhece todo mundo. [...]

eap

ensaio sobre escorpião

define-se pântano, água calma, dentro, que há? não há nada, o cosmos sabe bem que tudo tem hora de vir à tona, meu sorriso é um rifle, eu pretendo te aprisionar livre, deixar-te vagar, cavalgar, cavalar-se, deixo porque observo, meus olhos que separam no silêncio os feijões podres - talvez os coma, apenas para fazer doer a bílis, e quando lá chegar acompanhar comedidamente a dor latejar, mas não se atreva a levantar meus olhos, deixai que com as mãos, os ombros, acomodar-me-ei nos braços, deixarei de lado as lágrimas que vazam de fora para dentro, inundando - e elas se transformam no murro que por vezes pode explodir na parede do quarto escuro, trancado, sozinho e sem ninguém. por que às vezes me transtornas como o diabo? por que às vezes me faz odiar  dizer as minhas verdades de tal forma que sem dó nem piedade na cama eu tenha que me vingar, deixando na tua pele a marca de minha vingança? rabisco poesia russa em tua pele com meu odiamor, e te deixo com a vontade de me querer, de não perder, sou assim quem cuida as ferrugens, do que ninguém mais quer e reemerjo-lhe às margens purulentas de uma realidade que eu não nego nem negarei - te puxo o braço, encaro fixo, sou o planeta guerreiro, sou macho, apesar da feminilidade inerente às minhas feridas que crio sozinho; sou um planeta frio e distante, sou nem isso, não sou planeta, sou judas, que apesar de tudo, olhe de novo, nunca deixou de ser apóstolo.

eap

Sem nome nº 45

sua boca cuida de fazer um trabalho
desejado de tantos dias.
não há palavra vária que faça valer
o silêncio com que soergue seus dentes;
sua língua, em contrapartida,
não se faz muda - apesar dos silêncios.

tenho vontade de usar
minhas pequenas extremidades:
dedos, língua, glande -
e uso, entre algumas dentadas
que ficam expressas na pele,
entre-coxas, pescoço,
entre vermelhos e roxos.
suas unhas sacrificadas na pele
de minhas costas,
pouco ou nada adiantam,
se fosse assim tal luta feroz
(e não o é),

seus mamilos eriçados
são um desafio a ser batido,
enquanto eu assim lhe chupo,
ela bate,
ferozmente,
entretanto, a batalha é árdua
até o esporrar:

sangramo-nos vítimas do cansaço absoluto,
depois suas pernas e braços cuidam
de me cuidar.

eap

carta nunca enviada

22/08/2013

para jf.

tua ausência eu entendi
à tua tristeza fui órfão - 
mas sempre soube que doía
como dói o amor exausto.

eu sou o futuro da tua dor presente num déjà vu desses indesejáveis. 
a cruz é a mesma? 
a dor é por si só uma e tudo é dor, aqui, lá, aí, sua, minha nossa, sei das dores do mundo, não sei da cura, mas sei dizer manso que como toda ela vem, vai, como nosso destino: a gente corre pra chegar e foge para não ir.
ah minha querida, rua acima desce rego abaixo toda lágrima... somos vis e vislumbramos belezas intensas. sabes das madrugadas, sei das noites de riso e sofrimento. 
poupo palavras, não poupo amor. 
sei que por aí te corre um medo mas é na fraqueza que o músculo se transforma; esse músculo invisível do coração; sei também que a repetição é o mundo dando voltas - entretanto o retorno é conhecido, passarás como tudo passa, e saberá que o espinho que te feriu o pé não estará lá novamente, faz-se parte da tua carne (conquanto não pares), profundississimamente nela se entranhou.
sei que isso é um grito surdo, palavras rabiscadas (também eu apanhei na cara, sofri das dores e inchaços da face, do dente quebrado e das raízes expostas - fiz delas um canal), mas amanhã também o sol nasce e renasce. essa metáfora da vida.
portanto nessa noite, liga tuas torneiras, inunda tua casa, rega teu jardim, vem de volta quando quiseres, vem correndo ao meu abraço, que isso tudo ainda não é nada.

eap

dormer/morrir

morrer parece saída ou entrada
fim ou começo de um espetáculo
onde não se paga
nem leva nada

.................................................

adeus às armas,
aos jogos,
ao despertador
(acorda, sim,
junto desperta
a dor).

adeus escovar os dentes,
adeus dentes (entes),
adeus banhos diários,
cabelos penteados
(a festa de boas vindas
dos piolhos e vermes:
meus elos e cabrestos,
correntes
do fim,
amarram-se aqui
no fundo desta vala,
travesseiro de pedra,
cama estofada, estufada,
esfolada, fadada ao adormecer do fracasso -
paletó, gravata,
se eu tiver sorte),

adeus caminhada, adeus,
sinais, ônibus,
adeus aviões, adeus,
navegantes,
tripulantes e passageiros.

adeus marinheiros
demônios da solidão contin(m)ental,
adeus lembranças,
todas elas,
adeus guitarras elétricas, distorção/ruído branco
(madrugada de sono insone profundo),
adeus adeus insônia,
porque o sono
finalmente me guarda
no lençol escuro da noite.

eap

-

matei em ti, nessa nossa volta talvez um pouco da minha vida. sei o caminho da ida, entretanto não cruzo aquela porta.

eap

Sem nome nº 44

seja você já:
cê já jaz sem ser
e sem ser já faz
e não faz e sendo
e se sendo jaz.
não faz isso:
cê se ser
é coisa linda
de se ver -
não seja já
mas seja sendo.

eap

achado/perdido

não encontro prazer em trocar palavras
- é-me tão pungente, que não lembro
se sempre foi assim.

não me esforço,
sou por vezes atingido
por um fina camada de sutil mesquinhez
e cinismo.

instante seguinte já dou por diabólico
o sentimento de repulsa que me toma.

te respondo em
risos.

eap

Sem nome nº 43

preciosidades que se escondem...

ai, que é você... ando romântico
sem muito ter do que se amar
mas, sou esperançoso e grato
por coisas que faço sozinho...
não sei que amor foi esse
em que te guardei...
- mas sei que és assim do jeito
que imagino.
talvez pior um pouco,
como sou também:
caixa de imperfeição.
recuado nas paredes de casa,
cheio de dedos na hora de falar.
meu dissabor só se faz na noite
em que te não digo nada
(daquilo que almejo).

eap

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

fortaleza i

não guardo amor às tuas praias,
mar de água marrom.
tuas ruas imundas,
o lixo das calçadas.
tudo fede a merda e peixe - peixe embostado.

por mim continuará sendo
essa noiva desposada do sol.
por mim cê fica pra titia.
esse sol do caralho
que queima o quengo - as noites
essas ainda resguardam coisas
que não me choram as vontades.


eap

domingo, 24 de novembro de 2013

no guarda-roupas

havia um corpo guardado no meu guarda-roupas quando cheguei de viagem, um corpo amorfo, cheio de veias azuis estendidas como desenhos feitos com caneta bic nas faces acinzentadas.
que fazia ali, não sei.
era um amigo, dez anos que não nos víamos. não bem um amigo, mas um conhecido, talvez não um conhecido, mas alguém cujo rosto perdi na memória.
os mortos em seu estado fedem igualmente.
olhava: ele tinha traços meus, traços de minha mãe, traços de um mundo inteiro nas veias de seu rosto. o corpo cheio, duro, as mãos duras, os dedos dobrados. a polícia fora acionada, o corpo fedia há dias, ligaram para lá, meu álibi era a viagem. minha esposa e meus filhos não moravam mais comigo. não sei que isso poderia ser.
mas fiquei parado, a polícia perguntava, a única coisa que ficou pontuado nas minhas respostas foi a última:

-- achei que ele já tivesse morrido.

eap

das feridas

não se sabe ao certo
o tempo que as feridas têm de sanar.

[se o corpo tem em demasia açúcar,
diz-se de um diabético,
ficará por bom tempo,
talvez a doçura dos corpos,
a sacarina em excesso que polui
e entope as vias do raciocínio
mas ainda bombeia sangue o coração.]

sabe-se apenas sangram,
sabe-se que inflamam,
que o pus escorre por sobre,
até finalmente a casca.

não é que a ferida tenha sanado --
arranca-lhe a casca, e sangrará,
mas verás, no íntimo, que já não dói
conquanto era ferida fresca --
a pele esbranquiçada já surge por detrás.

depois da ferida, que é que resta,
senão a cicatriz?
algumas feias,
algumas pequenas,
algumas que esquecemos ter.

tem delas que simplesmente
somem.

eap

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

versos íntimos v





aos contemporâneos

não encontro lugar neste mundo
nem tanto ao sol, nem tanto à sombra
desses meus contemporâneos.

talvez mais à casa, mais ao quarto,
minha cama, meus livros, minhas iras.

nem tanto a loucura, nem tanto a academia,
mas também não cedo fácil ao tédio nosso de cada dia.

talvez encontre lugar na normalidade de meus dias.
talvez o tal do tédio seja minha vida inteira
sem que eu nunca tivesse me dado conta.

e nessas noites assim, respiro fundo e digo pra mim mesmo:
“acalma-te, acalma-te e respira
que já vem o sol nascendo
e o dia de amanhã vai ser
sempre outro dia – embora o ônibus,
embora o café sem açúcar,
embora as notícias que se masturbam,
embora o sem-fim de coisas em loop infinito”.

só preciso manter a calma.
só devo me conformar.
isso de ser moderno me leva a crer
que serei já um pedaço esquecido de revolta
nas páginas de nossos diários
morto à bala na porta de casa –
eu só quero a paz de aceitar o meu silêncio.

cansam-me os artistas
cansam-me os aspirantes
cansam-me os estudantes
cansa-me a forçosa arte a qual
tenho que tomar à força.

sou da expressão natural da alma
sem precisar nunca apelar aos excessos
de vestimenta, de cultismo, de estilo.

...........................................................................................

não sei se suporto minha geração.
talvez tenha nascido velho,
não tão conservador – ainda resguardo
um velho flerte com cuba
com a união soviética,
mas sempre com uma dor
que nunca cessa de saber que os muros
já caíram.

minha geração solitária,
patife:
todos eles fingem muito bem
que são pequenos franceses
com um cigarro pendendo no lábio
(aqueles modelos de quase jean-paul belmondo
e anna karinna – protagonizando um espetáculo
dirigido por godard, sem roteiros,
complicando o óbvio – não aceitar,
inconformar-se é saudável
complicar... nem tanto.).
sempre fui um pouco mais truffaut.

.........................................................................................

sou o hiato
da própria existência,
mas sem lugar, sem ausência.

talvez a timidez seja o centro
do meu universo, do universo que crio
onde sou protagonista
antagonista,
vilão de mim.

talvez a verdade seja bem menos
dramática do que aparentam as linhas de agora.
tudo o quanto me importa
termina e começa na solidão
na qual tenho feito valer
meus dias.

talvez ainda essa mediocridade
que me martela
seja algo passageiro – amanhã quem sabe terei
arroubos de um egocentrismo de poeta,
uma vaidade que queria longe.

mas não sei se quero ter pena de mim
assim, calado, pode ser que seja uma opção
mais confortável.

sentar no sofá da sala
ligar a tevê
sentir vontade de dormir, acordar,
colocar os óculos, descer as escadas,
bom dia ao porteiro, fumar um cigarro,
tomar um café, ler um jornal, comprar livros,
encontrar amigos de bairro,
amigos de verdade,
tomar uma cerveja, uma cachaça,
seja lá o que for que aperte os nossos laços...

ter uma esposa, dois filhos,
um emprego, uma casa,
três estantes emparelhadas,
uma cama confortável...

às vezes o meu querer me culpa,
vejo esses meus aí, que nem são assim
tão meus, sinto raiva, não sei,
desse estereótipo de artista, artistisses,
todos eles reconhecem de longe
a vênus desbraçada.

todos eles querem ser desbraçados,
amputados os braços, serem belos.

sempre penso em como vou ser lembrado...
mas acho tanto... às vezes quero apenas que
eu seja ao menos lembrado... não por esses versos
auto piedosos, por esses choros murmurados
sem lágrima.

mas penso: todo mundo é definitivamente
sozinho.

então sei, assim, que não tenho lugar,
mas que às vezes só choro quando dá vontade,
ou quando convém saber da dor...

não sei se serei lembrado,
ao menos pelas piadas,
ao menos pelo cabelo desgrenhado,
pelos braços convulsos narrando,
pelo meu silêncio, pelos meus olhos apertados...

mas eu não queria ir assim.

eap

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ruas

tinha seus olhos postos dentro da jaula de uma janela de escombros derrubados por sobre a calçada esquecida de nossa rua; vivíamos então enjaulados como bichos. no dia em que encontramos a liberdade, veio com tal força que parecia mentira; nessa mentira conseguimos buscar uma sanidade uma parte do meu calar de agora é essa mentira. talvez nunca saiba o que vai por dentro daqueles dias em que passei assaltando as farmácias do centro da cidade, dormindo na rua e cheirando cola. hoje eu fumo, bebo e brigo, homem, empunho nas mãos um revólver, pau de fogo, extensão minha. é meu dever proteger o sangue que corre por outras veias e vias e fazê-los públicos nunca privados da liberdade de correrem pelas vias da cidade, as vias de fato -- mais que mais do infinito que a gente não sabe contar.

tinha seus olhos infernizando minhas coxas e não consegui conter o demônio na minha pele. tomei da sua língua amarga e o cheiro de vinho barato que fedia de dentro da sua garganta e do meio de suas pernas; mas ela era mãe e pai, era irmã e amante, mulher da vida, da vida toda, da vida inteira. mulher para se ter aqui. ela metia em mim o medo que eu nunca tive de viver: deus, por que o amor é a fatalidade que se segue no mundo? a linha que aperta o pescoço das nossas crianças a corrente que segura o punho e a gravata que afrouxa no pescoço -- como a corda que estrangula, os dedos que a apertam; é pelo amor que nos fazemos homens, e por ele nos matamos como cachorros esquecidos nas ruas e a merda que a gente come apenas para não morrer de fome assim é que nos encontramos nas ruas.

tinha esses olhos aí, e no meio deles uma bala só.

eap

domingo, 13 de outubro de 2013

ensaio sobre sagitário

meus pés querem galgar o infinito, o infinito sem nome das vozes que recorrem à memória outrora esquecida, na verdade meus pés não têm sentido em permanecer na estrada: voo, e é assim que assanho os cabelos e destilo minha liberdade, meus três sentidos d'alma, meus poucos reflexos; já se foram a faísca, o fogo, me resta a brasa, que ainda tem força para queimar, para ser, para ter. mas não quero ter, quero ser, e nisso de procurar, não crio raízes, saio do chão, galgo com as pontas dos dedos, qualquer coisa que me faça sentir prazer de não ter sempre nos olhos este mesmo céu que teima em ser azul, em ser infinitamente azul, indefinida, sórdida, maléfica, doloridamente azul. meus olhos creem, meu corpo sabe, minha mente tosta as ideias que por enquanto tento não mostrar, mas minha língua é pontuda e ferina, qual lança envenenada, e hei de dizer-te, de falar-te, de jogar um balde de verdades na sua cara, seja que cheiro ou espessura e viscosidade estejam contidas em tuas verdades; não negue nada aos meus olhos e ouvidos, não hei de escutar, segura minha mão apenas se for para ir comigo, nunca para ficar, porquê eu não fico, não olho para trás, não vou lá nem para pegar impulso, nem para ver o destroço do elefante que entrou na lojinha de artefatos de porcelana e resolveu sair assustado; não olharei, não atinarei, mas se quiser vir comigo, te estendo a mão, um pouco do meu coração, e a gente pode, quem sabe, saber da alma um do outro, e falar de como foi bom noutras línguas.

eap

39

para: mãe, que não sabe,
mas os versos de antes, de agora
e os de depois são meio seus. 

hoje você dorme com o cheiro da lua. não acho que seja em vão que teu aniversário seja assim no dia das crianças; eu sempre pareci muito mais velho e ranzinza que você, você mesma me pedia conselhos, no alto de minhas faculdades mentais -- ainda hoje pergunta qual melhor roupa, melhor cor, se está bonita. se está bonita?, ora, você é a mulher mais bonita do mundo, a mulher na qual, segundo freud, foi buscar enlaces de traços seus, de destroços seus, mais que eu tenha negado, ou tente negar, tem algo de ideal no teu jeito -- mesmo que vez por outra os astros me digam que cê me deixaria um pouco irritadiço, e deixa, é algo assim que há na perfeição. mas não seja assim, seja mais, se é possível; do teu lado desde sempre, embora já tenha dito dos arrependimentos de existir, hoje me arrependo, acredite. em dias que sim, tem dias que não. mas sinto saudades suas, dos abraços que nunca demos, e que hoje recobro, exagerado, toda aquela gana de te encher de beijos, seja que dia, que hora for, fumarmos juntos, sem temer hoje, conversar, rir, saber desses teus novos amores, desses que sabem que é fácil cair de encantos pelo teu jeito, difícil é te ter, escorregadia (culpa minha). não direi, não direi nada, mas se era difícil dizer antes, agora soa fácil, esse afeto, amoleço-te, cê sabe disso, mas quero-te firme, porque a vida é dura contigo, conosco, mas a gente sabe como driblar ela nos sábados à noite, rindo dessa vida besta que a gente teima em levar. viva mais, muito mais. hoje cê dorme com o cheiro da lua, mas cê sempre me acolheu a noite como tal. cê é a própria lua.

eap

visões (i, ii e iii)

Arnold Schönberg, The Red Gaze, 1910
(Städtische Galerie im Lenbachhaus, Munich).


i

ver que não há
ver que não é
ver que é vão
ver que é tão
ver que se vê
(rear-view mirror)
no que não ter
de todas as vozes
deixadas -- atrozes --
atores, astros,
marte, eros, vênus,
procura, sem fixo
procura sem ter tido
razão,
procura sentido.

ii

ver que se é
sempre se der

e dar-se um pouco mais
ou um pouco menos
aos menores (baixos
baixios, bastardos
cuspidos)
maiores e mais bonitos
sentimentos do mundo.

iii

ver que não sei
ver que não sou
ver que não hei-de
ver que não posso
ver que sou poço
de saudades
de tudo no mundo.
mas nada me impede
de seguir.

de ser
de ir.

seja lá
o que/
pra onde
f(l)or.

eap

esquece, carlos

fui bater na sua porta, mas não sabia onde você moraria -- então bati em todas as portas da cidade, só sabia, decorrida uma semana, onde você não estava. 

já de punhos inchados de tanto bater portas, passei a gritar teu nome nas ruas -- essa cidade é tão grande meu deus, é tanta rua, tanta avenida, tanta viela, tanta gente -- - algumas disseram ter te visto passar, de viés, em algum lugar, que eu não sabia onde era, semana passada você estava lá, hoje, não sei mais, fui seguindo os detalhezinhos que cê ia deixando, um resquício de perfume que ficava no ar, no meio da multidão -- naquela biblioteca te esperei passar, entre os livros das prosas e poesias das quais fui me identificando e tentando encontrar, quem sabe, outro resquício teu, nosso, segui mais uma vez o destino desconhecido, coisa alguma, coisa alguma falta sentido gratuito pesqueiro memorial interno selvagem monstro de solidão absoluta. 

não procurei atinar do sentido (perdi minha voz); dei apenas de caminhar por aí, com o coração chagado, aberto, nas avenidas, "onde anda você?", mas não sabia mais dos sentidos dessas palavras, não sabia mais do que ser. no momento eu lia e relia os versos que você não me fez, mas que ficaram memorizados no meio do caminho, misto de olhar e mãos. 

ontem acordei na rua, tua letra num papel dizia "esqueça", foi então que fui para casa, fiz a barba e tomei um banho.

eap

sábado, 28 de setembro de 2013

Sem nome nº46


por aquele amor
ainda arrependido
de ter perdido
desperdiçado
eu dou um braço
e um nada -
realismo fácil,
altruísmo falso.

eap

nada jaz


luto pelo amor

que dela
pedi.

luto pelo amor
que serena
e molha

as páginas
de agora.

luto pelas coisas
que sei
que sei:

não peço "volta",
mas minha memória
não a quer morta

tampouco eu,
que a amo
em sê-lo meu

e mudo
coro as faces
pelo tudo.

luto pelo amor
que dela perdi,
e nada depois
valeu o que fiz.

luto por mais
esta hora
e as próximas

e pelo sono
sem senso
sem nexo
sem sonho.

meu sonho
é negro e perdido
numa madrugada
entre tantos copos
tantas bocas,
tantos corpos
tantas roupas.

eap

tempo (infinitivo)


faz de conta assim
que a gente
nunca teve passado;
corremos pro fim
do presente
sem nunca deixar
o que é ser/estar.


infinitivo.


para mim
que nunca fui dado
a desapegos
o futuro
é sempre do pretérito.


então sou assim:
agoranuncasempreado.


diz-se que da gente

o futuro sempre foge;
mas dia desses passeamos
por um infinito de horas
em que levantei as sobrancelhas
e lhes disse "eu sei":


era tudo a mesma coisa.

eap

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

-

22 de fevereiro de 2013

Meu lugar no mundo eu já não sei. Sei apenas das minhas palavras, e por favor, não me prive delas. Quero entrelaçar-me nos seus grifos, garatujar e engaratujado ser pelos traços e destroços que ela me proporcionar – a palavra não é a vida do escrevente, é arte à parte, arte à vontade, é tudo o que poderia ser e é, entre papeis, nas ideias – que são as ideias senão organismos vivos à procura de espaço, solitude? o que procura existência é algo que procura existir, portanto existe mesmo que sobreposto no nada. assim vivem as palavras que ainda não escrevi, que ainda procuram agarrar-se a ideias soltas que minha cabeça ainda não teve força de juntar.

eap

-



e dar-se – que grande covardia, a minha, claro, de não ser tão bom assim sozinho, de não ser próprio a esmo neste mundo. de não encontrar porto que descansar navegar, navegar... um mar de presente, esse popular galgar da vontade da braçada e ir... pra quê, pra quê, meu deus? busco ilha em que me firmar, aconchegado na maciez estável de areia... distante das marés instáveis. dessas quero distância.

eap