quarta-feira, 30 de maio de 2012

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Tudo era assim meio nada; e de repente me veio você e me engrandeceu tudo tudo – quem era eu naqueles dias?

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A lua, um dia me disse que não dizia nada e que o céu não existia – e, de repente, tudo fez sentido.

sábado, 19 de maio de 2012

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Há uma hora na vida em que a nossa não é a dos outros -- o caminho certo será aquele que nos apontar o bico do sapato.

Sem Nome nº 24


Que a gente se embevece
de nascer
de viver
de morrer.

Sempre há culpa para tanto.

Que a gente se embevece
mas se embriaga
se droga
se mata.

Sempre há culpa para tanto.

Que a gente se embevece,
se ama
se come
se maltrata.

Sempre há culpa para tanto.

Que a gente se embevece,
se lambe
se fode
e se diverte.

Sem culpa nenhuma.

eap

Sem Nome nº 25

A fumaça que leve sopra,
que leve me abusa,
que leve me toma,
que leva minha astúcia,
que leve me leva,
por um tempo que sopra,
que acabará por me acabar,
e, quem dera, fosse cedo,
posto que esta fumaça sopra,
mais que leve me leva
aos poucos, aos pingos,
de leve me condena,
de leve me enterra.
Sei de cor o movimento,
então levo à boca,
salivo e tremo de vontade
e é de viés que me vejo
e louvo de desejo,
acenderia uma vela,
pra, quem sabe,
você me levar
leve como quem quer me levar,
leve a vagar,
desde sempre,
cavalgando no pretume
pela névoa adentro.

eap

Sem Nome nº 26

La Tentative de L'impossible -- René Magritt
Quando eu buscava sem sentido
um aspecto insensível diante do qual
eu pudesse pelas minhas mãos
desatar, qual nó indissolúvel,
meu deus, quanta hora eu fiz, apenas
não sabido de que era tão simples
dizer não, aí então, galgar a mão,
por entre os rochedos invisíveis
das montanhas impalpáveis
das terras intangíveis
em calotas apolares,
das terras inefáveis
que simplesmente inexistem --
apenas povoam
vazias, minha cabeça
decapitada.

eap

terça-feira, 15 de maio de 2012

Três da Madrugada

Houve uma época em que propaganda de cigarros era a coisa mais cool do mundo. Tinha sempre aquele cara super bonito, que baforava enquanto dirigia o seu carrão, aqueles sons, chiados extensos, aquela coisa meio good trip que toda publicidade hoje em dia empurra goela abaixo para nós. Era bonito de se ver. Eu via sempre nos intervalos das corridas de Fórmula 1, quando tinha, sei lá, oito nove anos. Depois, quando a moda do politicamente correto e dos afetados pegou de vez, essas propagandas passaram a acompanhar os intervalos daqueles jornais da madrugada, que eu, insone confesso desde os oito, assistia todas. As dos Hollywood eram as melhores.

Tenho 25 anos de fumo -- sendo que 15 deles passivo. Fui acostumado desde jovem com isso. Meu pai sempre tinha um Marlboro vermelho no bolso da camisa, minha mãe guardava o seu Dunhill sobre a geladeira. Eu lembro. Quando comecei, eles não disseram nada, apenas comentaram que era melhor que álcool ou drogas ilícitas. Fiquei um pouco desasado, não minto, entretanto, nunca pedi um tostão de minha mãe nem de meu pai para comprar os meus cigarros. Roupas, sapatos, discos e fitas sim. Eram outras drogas.

Hoje em dia fumar é coisa para quem quer pagar de hipster por aí. Sai, bebe todas, com uma carteira de Lucky Strike no bolso -- de preferência aquele afrescalhado, que você tem que apertar no filtro pra que ele fique parecendo um icekiss com tabaco e agrião. E, claro, se os pais souberem, morrem, ou matam, ou nem isso, por serem cigarros mentolados, a merda vai ter que parar ali na festa, e para realmente. As mocinhas acham um charme andar com uma garrafela de ice e esses cigarrinhos nojentos que só cheiram a incenso, o que me dá náuseas, mas em outras ocasiões fazem aquele sonzinho de asco ressentidor de eca quando se aproxima um garoto que fuma. Sofri repulsas, mas não deixei.

Existe hoje até aquilo que chamam por aí -- que eu já ouvi -- cigarros de veado. Embora eu ache que cigarro é cigarro e pronto. Não distingue sexo, raça, religião ou posição social. É sempre ele quem te faz uma companhia quando sozinho -- os que fumam sabem que a solidão à fumaça de um cigarro numa mesa ou num lugar escondido ajuda às dores do peito.

Esses aí nunca sentirão a mão tremer convulsa numa madrugada em que se passa a fio, a espera de uma ideia, e que o corpo, dolorido de um cansaço inexplicável, pede, clama e geme por um cigarro. Que seja uma guimba esquecida no chão, que seja, até mesmo, saída da boca de um leproso, contanto que eu sorva de novo aquela fumaça e tire de mim essa agonia de não ter ideia nenhuma pra repor meu sono de volta. Por nervosismo já fiz muito: roí unha, arranquei fios grossos de cabelo, batuquei na mesa, tremeliquei as pernas, o pé. Só não tinha sentido a ânsia do cigarro.

Fui no bar, tomei uma dose de cachaça -- coisa que não faço -- três da manhã. Não tinha cigarro nenhum. Voltei pra casa, com frio, com fome, mas sem vontade de comer. Sentei de frente à tevê, esperei que alguma coisa passasse, não passou, eu dormi -- não fumei.

eap

segunda-feira, 14 de maio de 2012

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Algo que se escreve nunca é necessariamente ruim -- a menos que você o ache bom.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

as mentiras que nos contam

De: A Fita Branca -- Michael Haneke
hoje eu pensei que
se a arte me largar, talvez eu seja alguém,
mas o problema está em que eu não quero
ser ninguém.

"então, fez-se um conflito, um nó,
e eu difuso enfim", espumando, pensei:
e se ser alguém e ninguém
passam a ser as mesmas coisas?

ser ninguém, ainda é alguém,
(o ninguém).
não ser ninguém,
vai-se ao encontro dos alguéns,
os muitos alguéns.

e eu que não quero ser
assim tão igual,
mesmo porquê,
nesse mundo tem tanta gente zé ninguém,
que ser assim é ser alguém,
na essência, ainda todo ninguém é alguém,
é igual.

é como o nada:
o nada, ainda é tudo --
é o tudo com nada,
com nada (naaadas)
que aí é nada.

e o tudo,
é o nada
repleto de tudo
com tudo.

(look: everything
every plus thing
(plus como plus!
passo de mágica)

nothing: no plus thing
e, plus!
no thing is "não coisa"
que ainda é coisa)

contudo,
nenhum é sempre nenhum.
é nem um nem dois.
nenhum. mas pode ser nendois.

nada, nenhum e ninguém: essas grandes mentiras!

eap

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Em te procurar, eu sinto essa Dinamarca de prazeres -- dói o não-encontro, mas continuo sonhando, mesmo medroso, pormenorizando as vontades do que te fazer quando acontecer.

eap

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dente Canino

O canino, assim, não corta porque quer, mas porque foi forçado a rasgar, cortar, dilacerar, partir e estraçalhar. A parte animal, inata, o ódio que cada um guarda dentro de si. Os incisivos ali, à comissão de frente, brancos, na estampagem do sorriso, escondem que nas reentrâncias há sangue e carne de muitas vidas, apenas em detrimento do outro.

eap

domingo, 6 de maio de 2012

Prosa em verso

Vez em sempre tenho vagueado
zanzando, trotando, chapinhando até,
entre as palavras proseadas.
Mas, "se pá", como dizem por aí,
eu tenha mesmo inato dom pros versos?

Pretensão pra porra, eu penso!

Entretanto, não sei se pelo desleixo,
não sei se pela emoção de chegar mais rápido ao fim de um verso (ufa!),
eu acho fácil versar.

Versar como
verso aqui
e agora.

Aqui eu dou de braços e abraços,
trezentos apertos de mãos, tapinhas nas costas,
e reconheço morrendo e vivendo trezentas e uma vezes,
que não sou Bilac,
nem pretendo,
e que acho muito árduo o trabalho de metrificar.

Penso que seja puro comodismo...
Penso, e não me acho,
nem caio.

No final das contas,
eu acabei pensando bem,
e vi que isto aqui não era verso,
nem este aqui, nem o próximo --
viu?

Apenas fragmentei um texto inteiro,
desabafando esta minha bobagem inata,
a capacidade de publicar, sem medo,
versos medíocres -- mas,
por quê falar de versos em prosa?

Versei.

eap

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dos Vaga-Lumes e Vassouras

"I, I wanna be a horse
[...]
I, I'm the boy,
She, she is the girl,
He, he, he is the bear,
We, we are the army you see through the red raze of
Blood, blood, blood, blood."

Liars -- "Broken Witch" 
(They Were Wrong, So We Drowned -- 2007)

Ócio criativo, todos os dias, a folha branca. Nenhum som, coisa alguma que ajude para começar a cítara elétrica a tilintar. Tão difícil esse uso, e eu aqui, esse instrumento lá. Prazos e mais prazos, eu mesmo não sei que fazer -- a criatividade era outra, eu era outro, não era gordo e barbado.

Fui pra uma floresta, eu, meus amigos, coisas que não se veem por aí: floresta, frio, árvores, animais selvagens, ursos, o mais perigoso deles; na verdade, de tudo, só me deixava nervoso o urso. O resto, até a descoberta daquele caderno, era resto de nada. Os dentes do urso mastigam um peixe. Salmão, direto do Canadá pra cá.

Os cadernos. Na verdade, antes deles, o Drummer arranjou sabe lá quantos quilos de erva, pôs na mochila, acompanhou o Bass, que trazia já consigo bebida que se degustasse quente. Dessa sorte. Fomos. Eu munido dos meus cigarros, minhas tralhas, meia dúzia de cuecas para mais de seis meses de espera -- que viesse de uma vez.

Ficávamos à toa com os instrumentos nas mãos, rodando pela sala da casa, o chão de madeira, grunhidos, que viam e voltavam. O som estava em todo lugar, agora, onde a inspiração? Nunca soube se o caderno fora invenção do Drummer, ou se fora sério aquilo de corpos decepados pendurados no arame farpado da cerca do quintal. Peles cheias de sal, meninas estupradas pelas estradas e um carro em alta velocidade que, sequer cuidavam de atropelá-las e deixar lá -- mesmo com os ossos quebrados, esmigalhados, partidos em mil, eu ainda as tinha nos braços. Andando na floresta, três vaga-lumes doces, rindo de frio, rindo de nada. Drummer falava coisas,

-- ela, coitada, segurou-se nesta árvore, abraçada, jurou, sei lá, que alguma coisa fosse salvar e wah! um grito do Bass. Que surgia do nada, um ponto vermelho de horror, o urso a devorava, enquanto ele fugia com o pau de fora, completava o Drummer, rindo, e eu, que era o urso, e também o cavalo, dizia Bass, ríamos. Coordenei o pensamento e não dormi.

No dia seguinte, madrugada de vaga-lumes risonhos, doce, quase se agarrava a candura do momento.

-- é complicado, porque ele se travestia, punha de novo a cruz sobre a pedra. E, sabe, observava, e somente isso, porque ele tinha esse costume de costurar a boca das vítimas, depois, a cruz, sei lá quantos pregos no pé. Dá pra imaginar seis pregos daqueles furando teu pé? Não tem espaço pra tanto, Uma árvore caía lá na frente, Bass, cuidando de derrubá-la -- seca em vida, uma vaca mugia. Dois dias sem dormir, a madrugada coisa de outro mundo. A noite não demorava tanto assim na cidade. O que era ele? Era um bruxo, me respondia Drummer, irresoluto. Eu sou um mago, oi? Um mago. Mago de óculos? Nunca vi. Há sempre espaço na vassoura dela, sabe? Um frio na espinha. Não sabia porquê.

Na cama, ele me segredou; o cigarro na boca. Nem aqui os vaga-lumes paravam. Mais de um quilo de luzes.

-- Eu já te disse que cerceei o jardim do meu vizinho com os ossos deles? 14 pessoas, meu Deus, era tanta gente. A próxima linhagem vai demorar a surgir.

Achei que fosse dormir, mas depois disso, acordei mais ainda. Os olhos saltados. Os lobos. Os lobos, sim, estes, mas, longe, nada fariam. E comecei a rezar. Ao que o Drummer, o olho aberto, altas do dia quase raiando, disse,

-- Você pode até amarrar suas mãos, se você quiser. Eles vão fazer acontecer de qualquer maneira. Não adianta. Essas bruxas vão te levar, como levaram aquela meia-dúzia de lagartos, mais de um quilo de luz dentro dela, como é que pode? A garrafa caiu, e Drummer, parecia, adormecera. Se ao menos eu pudesse dormir, mas, uma aranha, que bebia minhas lágrimas, observava tudo quieta, sobre a sua teia que tecera um mês inteiro. Um atabaque surdo, suas patas. Nada... O som era perfeito, sem nexo.

*

Dois meses depois, a pergunta era essa: como vocês conseguiram esse feito? A Europa ama vocês. Mergulharam de cabeça no pesadelo, pensei. Os Estados Unidos batiam os dentes um no outro, nosso foco, sequer fizeram cócegas nas prateleiras, como resolver?

Disse, o que veio na mente:

-- Sempre vai caber um na vassoura da velha bruxa.

eap