domingo, 28 de julho de 2013

santas e santas


algo do real cotidiano (infelizmente)

mais que ninguém sabia que de nada ele esquecia. seu irmão, outra vez, tivera a audácia de lhe dizer que de nada adiantaria tentar fazê-lo mudar de ideia, aquele, seu homem. nada, porém fazia mudar de ideia a pequena, que de tão bobíssima das ideias de criança do tal príncipe encantado, já se desfizera de todas as bonecas do quarto – quando se debateu em direção à vida, ah, que malogro, o primeiro rapazote já lhe tinha despedaçado as vestes do coração. era mais uma no meio daquela multidão de pessoas que não tinham sequer a coragem de outrora – a coragem que as crianças têm de sonhar com a perfeição das páginas e das vozes das mães antes de dormir.
tão normal. às vezes é um medo do erro dos pais, aquele casamento que deu errado, tanto sofrimento, se desambiguam assim em dois grupos distintos: os que não querem correr o risco de magoar-se e magoar alguém, e os que tentam fazer diferente. badalou os sete dobrares do sino da capitalzinha, e lá estava ele, bigodinho cofiante, profundamente desconfiável, rezando padre nossos e ave marias, ela passa, ele olha, quarenta e seis anos de espera, era aquele, fez-se santo, na parede do quarto de motel (o que tem ventilador no teto e espelho sobre a cama – onde depois da santificação se observaram nus, adão e eva, joão e maria).
toda santa concebida sem pecado na cabeça, ela, a santa, o pecado, lugar nenhum, já que aos dezesseis, seus amores iam às loucuras de pôr-se moça. os moçoilos de mesma idade, caíam desejosos, encharcavam a calçada da baba que lhes escorria. nem aí, que ela tinha o distinto quarentão, na flor da volúpia. o anelzinho no dedo, dele, que importava?, na cama era meu amor, minha vida, meu tudo, meu meu meu meu, minha minha minha minha. que importava a esposa, os filhos, a vida era boa assim. Jesus cristo nascido.
jesus nascida no corpo de menina, entretanto, sua maria era espessa nos prazeres, nada mais, queria seu deus pra seu josé. carpintar as horas dos dias – esse jesus de cabelos loirinhos e voz esganiçada era sua própria passagem aos cantares divinais. as trombetas do apocalipse eram suas posses, seus desmazelos – queria fazer-se dama de copas, gritar e ser, e calar o choro da pequena. calou-a afogada n’água benta da torneira do quintal, cloro, claro, calada, sua propriedade, seu ventre, seu, sua, toda, ante ao sumiço de deus, que subiu aos céus, sem nunca ter deixado de cofiar seu bigode no paletó branco; maria maria, seus olhos vermelhos de ver o mar, o mar vinha e ia; querida, quem é você?


eap

interesse

"Antes, todos os caminhos iam,
Agora todos os caminhos vem.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas."

Mário Quintana

interessado pelas causas
pelas consequências,
whatever o que é,
quero do que foi
a resposta, do que está sendo
o que virá -- as somas do tempo
são feridas que cicatrizam
pelo mesmo,
veneno e antídoto.

inconsequente
alguém pode chamar
numa raiva,
num ódio --
impulsivo jamais.

lembra sempre que nas horas
fizeste teu calvário.

comedidamente.

os abajures detrás das cortinas,
as horas placentárias,
a ampulheta desse nosso tempo
nunca correu igual,
meus cabelos caem sempre um pouco mais
nas viagens mais longas,
penso nos 30 anos,
nos dentes amarelos,
nos cigarros daqui até lá,
nas doenças,
nas noites embriagadas,
nas noites, nas muitas noites perdidas
pelas ruas dessa província maldita
em que se procuram razões para ver
o que nunca se viu.

tira tua loucura comum do meu caminho
que há quem queira passar cheio de lucidez,
desejando o indesejável,
invejando o que se desdenha,
pensando no que se renega.

a antítese do todo
é uma parte do que corrói diariamente
e é assim, como diriam nossos pais,
um abraçar o mundo com as pernas,
é um podar do tumor que nasce amanhã,
é beijar com doçura essa nossa invenção
de existir.

quando por assim desses tempos 
o inevitável me ver e vir,
também estarei sentado 
à espreita na janela,
sabendo de cor 
que alguns versos permeavam minha memória
tanto
tanto tempo antes, 
quando eu envelhecia precocemente.

eap

quinta-feira, 25 de julho de 2013

saber-se oceano

perdido no espaço tempo de si mesmo, quase sem pensar, e ao mesmo tempo, pensando no tudo que poderia ter sido, no que não foi, no que a vida ainda há-de guardar. quem sabe se a gente se desencontrasse, pelo menos uma vez, as coisas um dia ou outro chegassem assim, de viés, para nos favorecer -- seja lá o que for. se deixares teu coração e mente frias, um fechado e outro aberto, quem sabe assim, teu sorriso se desbote um pouco menos, mas é como nascer de novo, porque o coração é aberto, e a mente se fecha no espaço que não pertence a este tempo presente, nem a nenhum que por outros dias tenha passado, é o tempo de dentro: inexorável e lento, como nenhum outro, onde as horas são cada vez mais como os anos que passaram de uma só vez, todos os dias, quase como se fosse assim normal. não é uma história, nem uma consequência dos tempos que não perdoam. perdoam o quê ou quem? nunca saber. é preciso nascer de novo, todos os dias, saber da consciência e não das emoções. de tudo isso, resta afundar-se em si mesmo mais uma vez, renovar-se, destemido, que o oceano é um todo profundo -- indestrutível. que da vida que se faz frágil é apenas o deserto alagadiço que povoa -- a essência que corrói a própria essência, o mal que a si mesmo maltrata.
acostumar? 
pode ser, um dia.

eap

terça-feira, 16 de julho de 2013

um tanto dramático, porém verdadeiro o suficiente para um cigarro em jejum logo pela manhã

...fellini

que a culpa fica
por deixá-lo ir.

sei que não merecia
sensível afago
no dorso
(o mais falso daquelas mãos
ditas "experientes"
-- em quê ainda não sei
que na arte de domar sentimentos
você não passa de uma porta).

queria saber até mesmo
não sentir saudades
daquilo que nunca foi
-- ele passeava pela casa
deitava-se assim num canto,
e foram tantos encantos
para mais além de uma tarde de sol
em que sequer me sentia preso
em que sequer te prendia.

cê vinha:
ficava, amansava,
amaciava,
até dormia.

que viva, pertinho,
que eu possa até te ver da janela de casa
("de casa").

difícil é perguntar: quem não te amaria?

eap