terça-feira, 28 de agosto de 2012

importa saber que


eu que digo não me importar 
me importo mais 
que as pessoas que se importam.

eap

Sem nome nº 08


e se eu quiser fazer pior
um inferno,
encho-o de céu.

eap

Sem nome nº 07


meu tempo
é o tempo das coisas.

o que não remonto
desconto em versos,
e, meus trocados eu distribuo
entre as partes indecisas
de todos os meus dias
que procuram, cansados,
desconto deste tempo,
que não é o meu -- mas o chamo
reclamo clamo amo
todos os dias, a cada ano.

meu tempo
é o tempo das incertezas esperadas
chamadas desesperadas.

eap

domingo, 26 de agosto de 2012

a outra (ou luto)


cubro teus pés de rosas e me dou lastimada de lembranças, você era sempre você, mesmo quando me chegava e me era, e me errava. cê só me errava, me punha certa, errada. hoje que tenho mais que fazer? pudesse te despertar, como, alimento meu alimentador, como comer-te assim? sou órfã de ti, dos teus entrepernas, meus teus entrepernas, da líquida calda que nos punha fáceis frágeis ágeis à parte de toda lentidão do mundo. te choro com os dedos, com as mãos, com os olhos fitos no teto, suspirados suspensos suados. hoje cubro teus pés de flores e terra, teu rosto mais fundo mais fundo que o poço do quintal, no qual me pus a jogar moedas, desejando até o fim voltar a faca cravada no teu peito. hoje ter-te tem sido teste destes detestáveis de se ter temor, trago-te de volta e no cigarro te trago, te sorvo, te tomo dos copos de cachaça até cair e me te esquecer. filho da puta. pra quê morrer? pra quê? se eu tanto te quis? as tais flores já vão várias, e não posso muito te dar atenção, os pretinhos vão andando calmamente, vou mais à tarde atrás, de branco.

eap

sábado, 25 de agosto de 2012

gozo


tive duas vidas. basicamente. quando menos esperei, era outra, não uma. tive ímpetos de me jogar no chão e espernear. babei todo o carpete da sala e mordi meus próprios dentes. ai, que era de minha sala de estar. minha mão, aturdida, me tomou no braço, e chorarão os olhos. desliguei aquele botãozinho de rosa dentro de mim, e sentei na sala, cansado, perguntando, suado “deus, que é de mim?”. ela tinha dois dentes inteiros (não só), quase nunca falava, mas balbuciou que “meu meu amor” e eu pude viver para morrer de novo. meu coração só sabia de cor meus batimentos – sentimento além deste sempre soube: era exagero, como aquele amor repentino e desesperado. o formol entrou gostoso no meu nariz, aí foi. na hora do caixão aberto, vi os dois dentes beijar minha testa, meu filho meu amor meu filho meu amor. tivesse dó de me morder, arrancada a língua, enterrada num mar de areia, seria feliz de estar inerte debaixo da terra. lalinha, segurando meu pai, queria que fosse verdade, não fosse minha mão, estava fodido. acendi um cigarro e fui escrever.

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

a um achado II

para raquel rodrigues que
por ser perdida de mim,
cada dia mais achado

eu cobro abraços de quem eu tenho vontade de abraçar
de quem me ensinou a não preconceituar o abraço
de quem me ensinou que, às vezes, um abraço bem dado
vale mais que mil e doze beijos lambuzados de crua libido.
eu cobro teus abraços e tanto mais de teus sorrisos,
por deles, às vezes, me encontrar da maneira como gostaria de ser.
(acho, inclusive, injusto que te entristeças, sendo o que és
e é que és de tanto e tão muito que de te maltratar, me engradeço
-- e, que dor é essa que nos pomos a moer?
sempre se tem uma dor a latejar no peito,
no fundo, todo mundo é triste, eu já te dizia isso
naquelas noites de espera, sob a lua -- uma saudade me comove agora
desfaçamos o parêntese).
mas não te surpreendas, se um dia chegar e sumir por uns tempos
é que, às vezes, é preciso continuar a busca
e, às vezes, é preciso continuar se perdendo
para se ser achado -- qual tu me foste naqueles dias tristes e solitários
de tanta conversa besta, meu deus, de tanta efemeridade...
qual tu ainda hoje me és, contanto que eu te procure
(e cuide de se fazer esquecida -- vão dar por ti linda e magnífica
como és).

eap

sábado, 11 de agosto de 2012

fez-se mar, como dizia marcelo


era de cansaço que era feito o momento – alguém falava’lgo, tinha certeza que sim. cabeceava de sono, só me mantinha acordado a obrigação desobrigada de esquentá-la daquele frio crepuscular de beira-mar. ao longe um zé povinho gritava, cantava, apascentava-se em mim, porém, tranquila e calma, uma morredoura vontade de silenciar – eu precisava falar, mas... o nascer do sol falava mais alto, o vento, o cansaço; longe eu vi seus primeiríssimos raios. ela se refestelava em mim, calor nenhum quase, que me resfriava todo – se desfazia em moleza de cansaço, fazia-se mar, espraiando-se por sobre a areia. por trás das nuvens vinha ele, forte, nem tanto, mas, cansado também. os tais olhos observavam tudo, eu os observava. sei só que suas pernas esticavam doloridas, a fim de afundar os pés na areia macia e fria (suas ondas e marés) – dirá alguém que isso é natural, mas eu não posso esquecer. eu não consigo esquecer.

eap

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

poema à palavra sonhada

essa palavra que alucina, dissemina
sem dó nem piedade, afaga e cumina
numa ideia: ei-la, não mais que ela
é quem quero para suplantar
a dor de toda existência miserável
de toda dúvida e de toda certeza;

essa palavra navalha, essa faca cega,
bisturi enferrujado que insiste penetrar
que insiste penetrar que insiste penetrar,
dilacerar os tecidos da epiderme 
e da derme -- chegará onde quer
fitará o que quiser, e dirá o que quiser
e nos olhos revirados de prazer,
saberá que vai certa e insistirá -- penetrando.

palavra que descerá amarga garganta adentro
(não adianta mastigá-la - 
só espalhar-se-á seu amargor)
fará rasgar a pele e o nervo do esôfago
encostará no líquido biliar do estômago

(regurgitará todas essas palavras, 
a azia queimando
na boca do estômago, 
como vômito e vômito comido)

e fará mal, fará mal, fará mal
como se desejaria que a calda de candura
do mais doce licor descesse,
e, inflamada, e líquida, 
descerá como pedra de fogo,
dilacerando a uretra em pus,
e sólida, jamais descerá, 
sempre desejando voltar.

essa palavra na veia, 
correndo de cima a baixo
e queimando fugaz e esfriando inerte
meus olhos, minhas pálpebras -- 
então distancia as coisas
e aproxima do que se quer 
(esse o nada o tudo da vida)
vai-se por dentro, pico no cérebro
no lombo frontal, agulha no olho
farpa debaixo da unha, que outrora
foi enfiada na carne do coração e 
lambida pela língua aberta.

eis a palavra que quero disseminar.

eap

terça-feira, 7 de agosto de 2012

dos olhos dela nº 01

ela me tem pelos olhos
e me tendo pelos seus
faz lá o que quiser dos meus.

ela me tem pelos olhos
e preciso correr agora,
saber onde vão
(eles estão sempre fugindo)
segurá-los pela mão
adocicar um pouco suas bocas,
as bocas dos olhos,
deitá-los numa cama macia
banhá-los de mar de saliva
e enxugá-los com o hálito quente
de minha boca.

ela me tem pelos olhos,
e tenho que saber deles
bem mais que deles
sou refém.

eap

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

francisco

francisco trabalha numa fábrica.
francisco surdo dos zzzzzzzummmmmmbidos, e os gritos do patrão -- de praxe.
de olhos ardidos, das faíscas, no final das contas era o que menos doía em francisco cego.
das sete às cinco, francisco morto.
pelo amor de... um dia desses, francisco demitido.
-- corte etc.
à procura: nada encontra.
francisco dum filho e duma esposa magros.
faminto francisco e os seus -- há dois meses com fome.
a criança chora todas as noites e francisco não pode dormir.
francisco fuma um de outros cigarro noutro -- até a esponjinha da guimba --
o desespero queimando a ponta do dedo.
resoluto desce a rua, tal vagabundo -- troca por uma arma a tevê.
francisco cansado, à noite, a cabeça no travesseiro, espera todos dormirem.
(eu chorei por francisco)
olha para a esposa (esposa de francisco; mãe de seu filho)
o travesseiro no rosto, esse baque seco.
no berço, chora seu filho, um tiro no tórax -- a criança pára de chorar.
três minutos de francisco.
até dar-se conta: deus, que fiz?!
a bala de francisco -- o terceiro baque na cabeça.
francisco, esse homem. acertou a cabeça,
mas não morreu -- francisco vive, sua cabeça olhando a coisa sangue no chão do quarto escuro, mas, vive
(e todas as noites, antes de dormir eu penso na cabeça de francisco).

livremente inspirado em 
"Frankie Teardrop" por Suicide


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