terça-feira, 19 de agosto de 2014

nem tanto

para r.n., porque o tempo passa
14/04/2013

foste a causa mais provável das pontas de cigarro
abandonadas no cinzeiro...
foste, quiçá a causa de umas três ou quatro horas perdidas
de um devaneio sexual, no qual me perdia brandamente.
foste também este obscuro objeto de desejo
com o qual descasquei algumas lasquinhas da superfície franjosa;
foste tão superficial quanto se supunha a casca.
dei-me dando a volta nos trezentos e sessenta graus
de um erro previsto, evitável,
mas, ah!, esse coração: afoito pela loucura,
pelo sofrimento de um amor louco e profundo,
que me agarre pela nuca e puxe os cabelos
e que no retorno, beije brandamente os lábios
que se supunham secos.

cê me soube
destas facetas,

(guardou num canto
escuro
muitas verdades minhas
sobre seus olhos --
tinha razão no não encarar)

te disse um dia da minha teoria
de que as pessoas são pontes.
achei, à curto prazo,
duas tábuas da ponte que me foste;
teu sexo, teu desnexo,
a ponte do encontro,
do que me fez 'homem'

[o homem que todos almejam
mas que provável
precisará d'outra mãozada na cara
para levantar e reagir,
e correr, e ganhar o mundo]

foste a causa do meu silêncio de ouro
e isso é tudo o que eu sei agora.
e eu te soube
pelas palavras.
mas ainda assim,
foste acausa mais provável
deste último seu poema,
nem tanto de coração partido,
nem tanto de saudade,
nem tanto de desejo,
nem tanto.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

ao carlos

eu teria tanto a preencher em papéis desamassados
se não houvesse o rascunho imaculado
pela minha vontade de nunca mais mexer naquilo,
de deixar qual marca minha de perfeição - que não existe.

já foi dito que luta vã é esta com as palavras,
e que verdade, que verdade até triste.
mas nunca me encontrei com outra função em vida
(nem em morte)
que batalhar contra elas, mesmo que na vida seja de uma covardia...

[nádia um dia levou-te poemas meus, grudou assim um esparadrapo
nas tuas mãos - espero que ao menos teu espectro seja ou esteja pairando
se bem que não sou dado a acreditar que fosses assim de tanta atenção]

olha-se assim pela casca, cara fechada, até que ríspido,
porém mole, mole, mole. à noite essas feições são nítidas,
pintadas com uma máscara da máscara de carência de abraços
e mãos dadas, muitas mãos - eu queria me desgrudar de tua presença

mas, tem-me sido tão difícil, carlos, ainda mais agora, que te sei
um tanto mais - e já enche-me a paciência, tanto falarem nas tuas pedras
nos teus caminhos - se me souberem querido de teus versos
e somente deles - como dói sê-los às vezes, sozinho na américa,
num quarto, em qualquer lugar...

a bruxa segura está atrás de mim, onde quer que eu ande,
vela meu sono, senta à mesa e mastiga ruidosamente em seu silêncio,
e mastiga e rumina muito a morte em sua boca banguela.

quando amanhece, já não sei se quero tanto ser carlos,
se quer ser uma vaca qualquer no campo, um gato preguiçoso,
um móvel que apoie minha história - tão vasta em vazios.

 uma mesa, e nessa mesa, teu rosto, em preto e branco, mineirinho,
eu, já de nordeste cheio, não me encontro, em não ser forte,
me aperreio com a vontade de não aperrear-me em ser estigma...
um estrangeiro, de país nenhum, de língua alguma, onde se falam silêncios.

acabrunhado pela natureza própria, ô, carlos, eu sinto que lutar
é realmente vão, mas, se pelo menos eu ergo o punho,
já me sacro vencedor de tanta vida.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

-

tenho estado merda
porém cá me encontro em descarga constante
quem quiser cheirar
à vontade esteja.

laudas para o futuro

nem de tudo é feito este nada
porém, nele, se há vitória,
ela é neutra, um caminhar calado.

volta-te as costas e deixai
que o universo levará tuas preces,
tuas vestes, e o vestido florido.

não levai ódio à casa paterna,
contrário: destila teu perfume,
porém resguarde o peito, o feito.

cansa-te um pouco, sempre,
ou nunca - não te obrigues a ser
uma linha reta, mas sim, corda-bamba.

destila a raiva e a verdade, pura.
queira o que te é reservado, feito,
entretanto, saiba a hora de bater em retirada.

mereça banquetes, e murros na ponta,
não de uma faca, mas de uma espada,
numa bala, numa corda.

carregai tuas culpas e sede subserviente
ao que delas te mudar a vida,
e corre, em sede a si mesmo.

no mais, vive, não morre,
não deixa assim que digam
quem calou tua melodia.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

engenho

em minhas salas (as muitas que tive)
nunca pude me gabar de ter fotografias
que representassem uma memória boa.
nenhum abraço apertado que se fizesse
sorriso lento, sorriso verdadeiro.

e eu nunca sorri, na verdade.

dói sorrir, pelas coisas que nem sei.
um dia, ah, um dia, quem sabe, um dia
todas essas amarguras irão saltar a sala
e se transformarão num belo tapete
que se estenderá sala adentro

e eu, quem sabe, possa sorrir.

já está tão provado que meus dias são nada.
já está tão na cara, que minha vida não é vida.
que minha vida não é minha,
que nunca serei nada enquanto daqui pra frente
não souber guiar meu guidão, minha vez

e eu, quem sabe, construa um sorriso.

na minha casa, terá uma sala que dará em flores
que darão perfume de doçura nata,
e meus filhos brincarão em volta de um cachorro
que terá o nome que eles quiserem,
tudo será tão deles, tão deles, tão eus.

e aí, eu, que já sorrio, posso refazer sorrisos.

na minha sala, tão espaçosa, tão quente de mim
estarão minhas visitas favoritas, meus amigos,
minhas poesias, meus vinhos, meus cigarros,
minhas paredes, meus violões - minha casa,
uma extensão da vida que nunca tive.

e aí, o sorriso será repleto de verdades.

mas as fotografias, elas ainda estarão ausentes,
e eu não saberei porquê, porém, haverá verdade,
haverá um mar inteiro de amor, que deitarei
por sobre a testa de minha filha, a história
que eu direi ao meu filho antes de dizer

que eu que nunca sorri hoje te sorrio.

deixarei as luzes acesas, assim queiram, porém,
estarei desperto para me deparar com o monstro
do armário, da cama, do sono ruim, do sonho mau.
velarei minha mulher, sem que lhe deixe faltar
a sua dose diária de sorrisos que eu lhe porei nos bolsos.

e eu, tão taciturno, saberei, que por trás da barba, mostro os dentes
num sorriso tão discreto.

quando, enfim, eu morrer, talvez, mas só talvez,
meu rosto refletirá um sorriso morto, de alívio,
mesmo o morto quincas berro d'água, nem ele sorrira tanto,
e aí, minha magnum opera estará feita, choram,
porém, há, de quebra, meu sorriso, engenhado desde sempre.

e eu tão mesquinho, só queria sorrir um pouco mais nessa vida.
na sala da família que serei porta retratos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

quando a noite chega sempre sobra a vontade de catar uma estrela no teu muro

teu braço ainda cai um pouco sobre o meu
e na parede silenciosa do vazio deixado
quem dera neles eu pudesse desfazer teu nome
escrito com umas poucas forças que ficaram
da manhã última em que acordei tão inspirado
em dizer-te coisas de se rir tanto, no teu ouvido.
fica do passado o resquício que da memória ainda jaz,
mas para o segredo do olfato, esses animais, nós,
cheiro um punhado de café e reduzo a vontade
e reduzo teu cheiro na minha camisa de botão,
refaço minha história como sempre: queimo tudo,
ateio fogo na nossa casa imaginária, no nossos sonhos
todos lindos, todos findos: o começo para que se rebanhe
para outro lugar as ovelhas indefesas, no fim da montanha,
longe de onde, e quanto menos se pensar, mais se irá fazer
que das coisas findas
muito mais que minhas,
muito mais que lindas,
haverá um gosto amargurado de sangue do beijo nunca dado,
na pele, o arrepio que os dedos nunca tocaram, da língua
que nunca queimou tua coxa,
a lembrança da palavra nunca dita, nunca escrita, nunca
nunca nunca.
fica, sempre fica, alguns de tal modo que se desfazem as horas
em conceitos desaprimorados de qualquer benção divina.
de qualquer amor, ai meu deus, eu guardo a chave do que é efêmero,
mas do que é lato, eu, moça, eu sempre farei questão de pintar
na parede das ruas que te seguem.
mas, minha tinta, minhas mãos e dedos, a preguiça da desistência já me toma
toda hora que me deparo com o sei-lá-o-que-que-você-pensa das coisas.
mas antes de mais nada, do que finda, eu digo, e desdigo: fica.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

-

há a preguiça e o vazio
e dentro deles
o mundo inteiro
se derramando
pouco a pouco.

txt

esse é o dia mais triste do mundo
e nele eu colori duas ou três manchas
em vermelho e roxo.

-

do mundo eu só guardo reservas,
muito menos que antes
porém
coisas que eu não começo
no início travam-me
pelo passado, pelo futuro previsto.

eu fiz da vida um carrossel
e ela de mim cuidou de embalar, quem diria.

eu sempre, na casca, tão duro, frio rijo,
me ver sempre com a merda esfregada na cara
e lamber os lábios
porque não acho justo
estar já assim
estar já estando
tão infinitamente odiável

não brigo com o espelho
porém levanto minhas pirâmides
para esconder as partes mortas
que se direcionam para o inferno onde nos deixamos ser.