sexta-feira, 30 de novembro de 2012

ensaio sobre escorpião I


que há demais em se mostrar pequena parte do meu todo? quando de repente notar, já terei partido numa bela bad trip, que há de me tragar, estrada adentro, sem sentido. quando eu for poeta, aí sim, eu poderei me dar por inteiro a tudo, mas enquanto não, eu vou me doando à conta-gotas, cuidando de ser ator de mim mesmo, cuidando de lapidar minha pele, meus dedos, minha voz, meus sentires e cantares. eu todo moldado na mentira que criei pra mim – mas mentira de poeta é arte, entretanto ainda não sou o poeta que almejo, nunca fui nem nunca serei – sou só a parte que me resta do meu próprio latifúndio, arando a mim mesmo a terra seca, descampando meu peito, descampada a minha história, meus retratos, porta retratos. tudo o que eu construí. eu vou fechar esta porta, eu vou trancá-la, vou passar a chave. nada entra, nada sai, eu estarei longe de tudo, mas perto de qualquer coisa. poderia até complicar mais, talvez abraçar alguém, confundir o nexo, retroceder dois passos, sorrir, dizer que sim, que não, que sim-e-não, e então sair de encontro ao acaso. eu encontro lá o ombro, o cheiro, os lábios semicerrados à minha espera, toco-os com os dedos e ganho tanto quanto perco, me refestelo no meu próprio cansaço, sorridente, e o cigarro sempre acaba quando mais se necessita, o copo sempre esvazia. o resto é consequência.

eap

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

apenas...


para Caroline Andrade
(incomum semelhança)

amar mais...
amar menos...
amar demais,
amar, a menos
que se se ame mais
aos seus amenos
distúrbios sazonais,
que farão claras
as noites serenas
a menos, claro,
que se ame (apenas).

eap

Passagem (I, II, III)


I

é bem assim que me reconheço,
desfazendo meus cantares --
de toda forma que me conheço
eu me refaço em desamares.

é bem assim que me refaço
me arrefeço nos mazelares,
de todo espírito impuro e meigo
que me invade nos calares.

é bem assim, que em mil colares,
colando verso após verso
que no distinguir de teus olhares
vou me desfazendo em gestos.

II

é bem à noite que me canso
de toda a euforia branda
que me revolve os olhos
e me sensibilizo à dança.

acendo meu cigarro guardado
a sete chaves na gaveta...
me esqueci do quanto era gente
antes de ser gente inteira...

levo de leve a leveza que me acalma
entretanto não suspiro breve,
tusso e ponho fora a minha calma
anuncio-me em mil olhos acesos,

qual brasa do lume,
hoje, eu me tanto faço quanto me fiz,
só ponho a cabeça cansada
e cuido de ser feliz.

buscando meu só,
buscando ser só,
buscando só
solitude/solidão.

III

vou calado, calcando o pé no meu cansaço
buscar a verídica parte que me falta,
que me dói e tem doído.
não encontro ninguém, nem nada,
apenas na calada noite
essa noite que se fez lenta
a face obscura de um poema,
onde o nadatudo de minha vida
se fez sólido no fundo do copo que bebia.
eu vou, natimorto, buscando levar
meu eu só no verso de me buscar,
e drummond bem sabe, quando me diz
da vastidão das coisas... o mundo é vasto
e me devasta.

eap