sábado, 18 de julho de 2015

suindara

nem sempre fui assim rude,
endureci-me pelas pedradas,
pela pedra fiz poema e alimento
para a vida inteira,
sentindo o profundo das coisas
mesmo na densidade absoluta
das colinas
que tocam o céu e as nuvens
encravadas no chão,

não menosprezei nada.
nunca.
perdoai a praga primeira de minha boca,
perdoai meus pecados,
meus ais,
meus vis instintos de carne,

perdoai também o que sequer se possa dizer
pecado.
a coisa mais ínfima,
dentro da psiquê
que sequer sente culpa,
perdoai, pois,
sei bem que delas
tudo se pode sangrar,

conquanto meus dedos entranhassem assim,
vulgares,
em corpos e orifícios,
saber sagrado
o grande cu
e a santíssima buceta:
eu nunca me atrevi a me atrever.

mais que a língua se umedeça
e de tudo não mais meu corpo se apeteça
porque disso não me entumeci
até o último fio de cabelo
da manteiga e da gordura
num banho para o abraço.

quando o céu virar um mar de fogo sobre nossas cabeças
saberão que antes de tudo
antes de ser o sacro
o corpo era vil
e o enxofre que cairá sobre todos
não distinguirá
bom de mau,

por isso digo,
que como a montanha,
sou encravado no céu,
e toco a terra,
como o pequeno demônio
encravado em teu ouvido
sussurro palavras obscenas
camufladas de amor eterno,
mas nunca fui assim tão derramado,
antes,
muito antes disso,
eu era pedra
e ela fez de mim poema, verso,
multiverso.

temporal desiludido

não é que o tempo seja absurdo
o absurdo do tempo é que ele é.
sem mais nem menos.
ao certo descobriu-se incerto
mas na incerteza se fez dialogar
tão são de todo o destino
que nunca mais quis olhar para trás.

como o tempo, levo a vida.
sempre para frente,
sempre incerto na certeza,
mas cheio do vigor
de quando deu-se
o derradeiro fiat lux.

"agora, amanhã e para sempre, amém."
foi a santíssima trindade que criei
para que quando dúvida,
lembrar sempre do tempo
e dos seus pés descalços
que carregam consigo
em suas costas,
o peso da eternidade.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

o medo II

amanhã é palavra incerta
até porque você disse um dia
- até amanhã,
e até hoje estou parado aqui.

o medo I

eu só tenho medo desse amanhã
o resto, todo o resto fica pra se esquecer
mas amanhã é o dia
o pior dia de todos os tempos.

por causa das tardes de sol,
dos dias nublados,
das noites violentas,
da esquina que sempre à espreita
se assemelha
ao jogar de dados do destino.

por causa da próxima página,
por causa do livro inteiro,
nem tanto o fim,
o fim é a certeza ortodoxa de tudo.

se eu acordar tarde
se eu te ouvir gritar
se eu falhar de novo
se eu possivelmente falhar mais uma vez,

se eu estiver sozinho,

se todas essas coisas
sequer acontecerem:

amanhã continua sendo o pior dia de todos os tempos

se você não estiver lá
amanhã,
amanhã será o medo corporificado
o medo em carne e osso
a face lúgubre encardida de sombra,
e sujeira, e sangue
do tempo,
vestida num corpo,
num dorso,
no osso,
no poço
e no fundo,
o olho a fitar
e engolir a tua garganta de grito mudo,

uma queda rápida,
que não dura
mais que o sono das palavras.