domingo, 31 de maio de 2015

quando for saudade

quando eu for saudade as coisas vão ser mais fáceis.
não terei a obrigação de estar, nem de ser.
não farei mais planos de surgir do nada,
de falar qualquer coisa que te sugue a tristeza
ou de ainda desmanchar os descasos que criamos
apenas para nos dizer que tudo é imperfeição.

quando eu for saudade a tua mente vai deixar ir
todas as palavras mal-ditas e quem sabe até
ver em cada uma delas uma veemência de sanidade
ou mesmo ser lembrado como alguém ou algo
que nem sempre era agrado, era desequilíbrio,
alguém que chegasse e desmanchasse as coisas
para participar somente da reconstrução.

quando eu for saudade, ah, terão fotografias,
terão cartas, poemas, e-mails, gravações, camisas,
filmes, frases, citações, a marca do cigarro favorita,
músicas, textos, lugares, bebidas e perfumes,
que na rua, na casa, na vida, serão avenida
que cruzará a rua que terá meu nome, meu sobrenome.

quando eu for saudade a saudade há-de ser verdadeira,
que era de ontem, anteontem, mas, coisa passageira,
quando a saudade se fizer presente e meu corpo ausente,
minhas saudades de ser saudades serão tão nítidas,
que quem sabe eu cumpra a promessa outrora dita
de puxar teu pé à meia-noite ou até fazer cosquinha.

quando eu for saudade a presença será de espírito,
mas não desses que se dizem espírito, ou demônio,
será provavelmente a história que eu sempre repito
e a verdade é que sei bem que a verdade é que hoje ainda
me veio saudade de te ver, que vem quando puxo a carteira
daí teu retrato me lembra que saudade é fidelidade
do que agora é eterno mas surgiu como coisa passageira.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

laços de sangue

minha mente tem corrompido o tempo
as melhores influências do armistício 
onde fiz o escudo, brasão
de minhas linhagens mais antigas,
sem, contudo, sentir-me compelido
em deixar de odiá-los, pelo que são
pelo que sou e serei --

antes que seja digno, sede rude,
antes de ser rude, sede lúgubre,
vil, mas, acima de tudo,
detenha em seu tempo a influência paterna
deixando assim expor, que amanhã,
quando a terra, por fim,
enterrar seu mais findo ancestral,
renasça por força o orgulho herdado
os restos de nada,

mas me lembre: do sangue neerlandês,
misturado ao sangue ibérico, o tupi, o escravo,
sede o que é -- e o que sou?

apenas queria perecer de nenhuma influência
do que faz odiável o pesar do banzo
por todas as coisas que dão saudade
de tudo o que se viu e viveu -- 
ou o que se suponha possível.

deixai assim, que meu sangue se dissipe do vosso sangue
que minhas digitais, porventura, porosas,
se esmaeçam pelo uso contínuo do cloro,
e que meu ouro ou orgulho seja a busca desarraigada
de outro eu, outras faces, outros deuses,
outra coisa que não seja o passado
que sou obrigado a endemoninhar e santificar

quem falou em escolha própria, não teve sã ascendencia
ou sequer provou do gosto acre das saudades que não saciam

mesmo que eu assim fosse castigado a viver 100 anos
de perpétuo ódio, atravessando quaisquer mundos
e sonhos.

deixai também que meu ódio tome tento,
que vire raiva, que vire mágoa, que vire amálgama,
que seja memória, e que, no fim, seja nada.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

corpo de baile

o corpo se transforma n'algo antes nunca visto
o corpo se mistura com as formas que,
antes da meia-noite a surpresa é o agrado
destes olhos que chamamos aurora pelas cinco
o corpo é uma casa que desforme se reforma
mas o corpo não incorpora suas cópias
dentro de si, o o corpo se acomoda calmamente
a coisa que se coisa e é coisada por estar no cois da calça
é jogo, trava-língua, trava a lingua e se engasga
o corpo é perfeito dentro de suas imperfeições
gordomagrobaixoaltoamarelopretopardo
o corpo não precisa ser classificado
a pele que o corpo se fundiu para cobrir o ossos
cansados de carregarem o peso do mundo
os músculos enrijecidos, os músculos de hércules
o corpo absurdo dentro da pele de homem,
todo homem é deus? todo deus se santifica?
ou o deus se humaniza e se corporifica?
o corpo metamorfo que antes era bebê
hoje é adulto amanhã é decrépito ou coisa assim
mas o corpo em conserva, corpvs est in latim,
vitruviano perfeito em medidas exatas,
o corpo se desfaz em desvelos e se refaz em camadas
o ódio cego dos pais, das mães, irmãos
um corpo morto foi encontrado no chão.
se era marido, filho, pai, o corpo não diz, o corpo só jaz.
o corpo era pra ser resposta, mas na verdade é pergunta
e essa pergunta não tem nexo ou senso
o corpo largado na avenida, o corpo torto, errado
este corpo precisa ser incinerado
e o corpo vira cinza, antes de ser fumaça
polui a cidade, impregna nas casas
o corpo de carbono se regozija de ser fato
mas o corpo afinal era feto, afeto desfeito.

sábado, 9 de maio de 2015

tudonada

todos os dias eu acordo com a sensação
de ter perdido o encontro ou a perca da perdição
que eu nunca tive de estar com nada
e de em tudo ter que tudo exagerar para ser simples
mas no final das contas o saldo é zero vezes zero
e o infinito é pouco pro que se defronta em meus bolsos
mas o perdido é achado e o infeliz é que apesar de tudo
ainda continuo extasiado por estar preso na liberdade
que me foi praguejada, castigo com flor e beijo
que eu não precisei dar, mas também não neguei
apesar da boca que me disse beija não ter língua
e por não ter língua não ter voz, e por não ter voz
o silêncio ter dito tanto em tão pouco tempo --
o infinito é pouco pro nada, o nada é tudo,
ausência de tudo é nada, noves fora, qualquer coisa
e a matemática é ciência exata às inexatidões de fatos
que são inventados para nos aprisionar naquela escolha
que era liberdade -- meus braços são os seus,
mas você não usaria para me abraçar
porque eu não me abraço e portanto, eu não te abraço,
minhas pernas são as tuas, e se eu não caminho pra frente,
para trás também não vai, e na minha cabeça você atolou
e deixou inerte os sentidos em movimento,
se eu não vou até você, minhas pernas sendo tuas,
como poderei me encontrar se foi em ti que me refiz,
e pra que lutar se a conta a se pagar não tem preço,
e não há paz nessa guerra que só precisou de paz pra se ser,
o resto é inteiro e é indivisível, infragmentável.
só precisava de uma palavra pra descrever a história do universo:
esse tudonada que nos fundiu pelo resto da história.