sábado, 12 de dezembro de 2015

de última hora

canto um canto descontente
por minhas derrotas diárias.
é dura a batalha do despertador
com a vontade de fechar os olhos
e imaginar ou viver onde
orfeu estende seu lençol de estrelas.

mais dura é a batalha do espelho,
que reflete três pontos distintos na linha do tempo:
o presente,
onde as luzes refletem minha carne escura,
meus olhos puxados,
as cicatrizes e as marcas de cigarro;
o passado,
que é a imagem envelhecida refletida, depois das luzes,
com toda a fadiga desses anos;
o futuro,
que é para onde convergem todos os movimentos
e deles se esvaem o cansaço do tempo que escorreu.
de todas as maneiras,
a batalha é árdua,
e custa ver neste espelho um corpo
que já viveu mais de duas décadas.

a última batalha do dia
é a realidade que corta feito uma navalha há muito amolada
com os excessos do tempo a ferrugem corroem
e da carne desce o líquido viscoso, antes de penetrar na carne
e, só aí, vir o sangue.

queria chorar menos
as horas
que não podem voltar,
entretanto,
queria chorá-las até que enfim
nalgum ponto dentro de meu corpo
doesse o ínfimo dessa insuficiência que me causa
ser o guerreiro de tantas batalhas --
das quais nenhuma safo-me vencedor.

eu só queria pedir desculpas
pela raiva que sinto
da vergonha que sinto
de ser triste
mesmo quando tudo parece tão completo.

talvez seja esse meu sangue lusitano-hispânico-balcânico
que tenha lírica sofredora
de tantas batalhas
e os queixumes do banzo que aqui se mistura
com o sangue dos índios mortos
de tantas batalhas,
[genocídios]
mas deus,
como disse um companheiro

"para que tanta batalha
cê é um amante
não um guerreiro?".