domingo, 21 de novembro de 2010

Coração (Samba Anatômico), por Noel Rosa



"(...)
Coração
De sambista brasileiro
Quando bate no pulmão
Lembra a batida do pandeiro
Eu afirmo
Sem nenhuma pretensão
Que a paixão faz dor no crânio
Mas não ataca o coração (...)"

sábado, 20 de novembro de 2010

A Salvação



Chagas abertas coração ferido. Sangue de nosso Jesus Cristo... Desaprendi a rezar. Não sei ao certo como se deu isto, mas aí vejo que não consigo lembrar o que vem em seguida. Talvez seja castigo. Só pode ser castigo. Minha mãe bem que disse, Menino não brinca com santo que deus castiga. Castiga lá nada, eu respondia. Tá aí. Não consigo mais rezar. Chuto macumba, imagem de santo adoidado, devo ter chutado um São Francisco desses qualquer, devo ter negado de ir a pé a Canindé, mas eu não lembro. Lembro que minha esposa era devota dele. Isto eu lembro. Lembro dela.


Perdi o emprego, justa causa. A mulher me largou e disse que só voltava a ver os meninos quando eu pudesse dar de comer a eles. A quenga, desgraçada. Foi só eu me dar mal pra ela me dar um pé na bunda. Mal e bunda, duas coisas que não soam bem. Vai ver tinha outro já. E eu, cuzão, jogava dinheiro todo na mão dela (salário, vales e refeição) pra ela comprar roupa nova, porque quando conheci, só vendo. Um mulambo, trambolhenta, a menina. Dei banho, ajeitei o cabelo, ficou uma princesa. Quebrei cara de muito neguin por aí por causa da morena que ela se tornou. Mas daí já viu, né?, mulher vai, melhora, troca de roupa, troca de pele quase, e acha que deve trocar também de homem. E não é que a puta já tinha outro?


Passei um dia desses com o meu carro na avenida que dá de cara para o prédio onde fica meu ex-trabalho, e lá ia ela com outro de sorriso na cara, batom vermelho e óculos de verão num carro esportivo alemão sem capota. O outro, aquela careca, que eu reconheceria lá de cima do décimo quarto andar, meu ex-chefe. Fiquei puto. A vadia nunca quis andar no meu Escort xr3 conversível porque tinha vergonha de sair mostrando a cara pra todo mundo. E comia do meu feijão, a desgraçada. A filha da puta. E eu, paga pau do caralho, dei minha filha mais nova pro crápula do meu ex-chefe ser padrinho. Lembrei da Clarissa. Imaginei a menina perguntando, Cadê papai, como ela sempre fazia quando chegava a hora em que eu estava perto de chegar. Agora cadê o padrinho, eu não podia aceitar. Acelerei meu carro e enfiei a frente dele na traseira do carro alemão. O símbolo da BMW caiu em cima do meu volante e por um instante eu achei ter sido tão grande a porrada que eu estivesse sonhando. Dei por mim no meio da avenida com gritos desesperados, pessoas apontando o dedo com a mão na frente da boca, quando vi que minha orelha sangrava. Peguei da chave inglesa e saí quebrando o pára-brisa do carro dele.

Sentia-me bem com aquilo.

O careca filho da puta tenta pegar da minha mão a porra da chave,

- Vai se foder, eu digo, Seu filho da puta, cachorro, sem vergonha do caralho. Cê vai morrer, eu gritava levantando a chave inglesa na direção dele, que no chão rastejava a perna manca, da batida. A careca tinha gotas de sangue dos estilhaços do vidro. Gente gritava, a mulher arrancou a chave da minha mão, mas eu ainda tinha punho pra isso.

- Veado filho da puta. Pega o saco de arroz é o caralho, seu porco, seu arrombado, eu gritava enquanto acertava a cara dele com força. Ora, ao menos para isso tinham servido aqueles seis anos seguidos na estiva.

- Pelo amor de Deus, não faz isso Tião, por favor.

- Deixa o homem, vagabundo, gritou alguém, a mulher veio acudir a vítima, o cagão, me segurando pela blusa. A boca dela sangrava e a testa e eu não pensei duas vezes antes de sentar a mão na cara dela.

- Vaca, piranha, puta, paf, paf, paf, quantas tapas eu nem contei.


*


A polícia chegou e eu não podia acreditar que estava tentando rezar no canto da sela do lado de uma privada enquanto uma bosta enorme boiava na água amarela de mijo e uma mosca sobre a merda me olhava com aqueles olhinhos brilhantes e verdes. Um crioulo que estava sentado no canto da parede levantou-se, se ajoelhou do meu lado e perguntou,


- Cê é veado?

- Não, eu respondi.

- Porra, vai tomar no cu, não chega uma bicha decente nessa porra de xilindró. Tá perdendo o moral, os veados. Tão tudo virando cabeleireiro, manicure e pedicure, esses baitolas. Mulher já não dá o cu, e quem servia antes pra dar tá botando maior queixo que as mulher mermão, aí é sacanagem, né não?, me perguntou o negão de mão e dedos cruzados olhando pra parede que tinha um pau desenhado.

- É a vida, eu respondi.

- Tá fazendo o quê?, ele perguntou olhando pra mim agora.

- Tô tentando rezar, respondi. Cê sabe o que vem depois de chagas abertas coração ferido sangue de nosso Jesus cristo...?

- Porra, tá de sacanagem? Eu não sei nem ler, pô. Joga qualquer merda nisso aí. Pede. Ele não vai te atender mesmo. As paredes da sela não deixam Deus escutar reza de vagabundo não, xará. Deus é surdo pros malandros.

- Tô sabendo, respondi meio vago. Quem cagou esse capitão aí mermão?

- Eu sei lá. Tá aí desde que cheguei. Fez o quê amarelo?, me perguntou o negão.

- Dei uma bolacha na ex-patroa e um murro na cara do meu ex-patrão.

- Cê comia qual dos dois?, perguntou ele.

- Tanto faz. Só sei que os dois me foderam, isso sim.

- Então cê tá mal, xará, disse o outro.

- E tu?

- Que é que tem eu?

- Fez o quê?

- Eu roubei um menino lá. Um playboy de merda desses aí, saca? Daí não dava em nada, não fosse o pai do menino ser o seu delega aí, ó.

- E aí?, perguntei.

- Amanhã tô solto. A imprensa bate em cima, minha mãe vai atrás. Ela ainda acha que eu tenho jeito. A velha foi pra igreja dos crente, tá sabendo? Então, foi aí que ela achou que se eu entrasse numa igreja eu também tomava jeito. Mas quando agente se desgarra do mundo, amarelo, é difícil voltar malandro.

- Verdade, respondi ainda intrigado com o tamanho da bosta boiando.

- Aí, vai dormir e pede logo, porra. Tu aí de joelho e essa tua bunda grande fico na maior secura, porra, falou o preto que voltou pro canto da sela e lá, sentado, dormiu.


*


No outro dia a queixa foi retirada. Eu estava livre com uma condição: Tinha que me manter longe do Sr. Ferreira e de sua família. Inclusive da Sra. Ferreira. Eu ri e não entendi. Por gentileza, quem é a Senhora Ferreira aqui, hein? É a Senhora Ferreira, ô vagabundo. Cleonice Ferreira, essa aqui debaixo, sabe ler?, então: a mesma que é casada com o senhor Carlos Ferreira, me respondeu o inspetor. Assina logo essa merda e dá o fora, porra. Deixa de enrolar.


Eu ri e assinei minha assinatura quase garrafal. Senti o ar impuro da manhã e da cidade fedorenta que eu via. Perto do córrego da minha casa olhar a bosta durante uma madrugada inteira foi besteira pouca. Não tinha mais o carro para passear e espairecer nos dias em que estivesse de tédio. Tinha tevê. Mas eu não queria assistir. Pus a camisa de botão branca e um chapéu e fui até o Bar do Roliço. Lá todo mundo estava na mesa e eu me senti bem de novo.

- Ôpa, Seu Tião, o machão da propaganda da cerveja. Senta aí, Homão, Machão, e as gargalhadas corriam soltas.

Engraçado como notícia ruim corre rápido. Talvez eu devesse ter sido recebido com os olhos do povo desconfiados, mas aqui eu me sentia bem. Todo mundo ali já tinha botado um na ponta da faca ou no chumbo do revolver pra vestir o paletó de madeira. O Paulo Paulada, por exemplo, esmigalhou a cabeça de um homem até dizer chega e tá aí. Foi pro xilindró sim, mas aí está ele de cigarro na boca, apertando os olhos, com seis cartas na mão. O Chico Pescoção, também, só que ele comeu cadeia por causa de roubo. Andava roubando a casa das granfinas e se deu mal. O Roque Santeiro, que balança o relógio de prata é o homem das granas, sempre paga a primeira rodada de cachaça pra todo mundo. Estelionatário fino. Não é a toa que está ali, bisbilhotando as cartas do Paulo Paulada. Porra, perto deles eu era uma mocinha. Era como se eu tivesse roubado uma loja e tivesse voltado pra devolver os produtos e esperado a polícia.

- Fez certo negão. Aquela rã de bananeira não valia merda. Quenga de posto, meu irmão, vá por mim, botava a mão no meu ombro o Chico Rato, batedor de carteiras. Pus a mão no meu bolso só pra conferir.

- Vai se foder, Roque!, gritou Paulo quando percebeu que o outro havia ganho porque segurou as cartas que ele precisava para bater. Tenho que te isolar filho da puta, é isso?, perguntava rindo. A nata da malandragem ali estava. E os teclados da música ressonavam nos nossos ouvidos. Roberto Müller cantava a modinha do momento. E já estávamos todos bêbados, quando chegaram as raparigas. E nós abraçamos aquelas mulheres, de roupas curtas e peitos moles com muito amor como se fossem nossas mães, como se fossem nossas esposas. Paulo Paulada, afoito que só ele, já enfiava o dedo dentro da saia de uma mulatinha que ria toda dengosa, segurando e tirando a mão dele e dizendo que era que nem cinema: tem que pagar pra ver.

- E eu lá quero ver nada mulher. Se eu quiser te comer, te como até de calça jeans! Tudo é a mesma coisa: nenhuma das bocetas de vocês é lascada de lado, é? Então pronto, morena. O que tu tem aí o papai aqui já tá cansado de ver. E todos riam. Eu tinha no meu colo uma loira que vez por outra afogava minha cara nos peitos dela. A noite nem tinha começado.


*


A loira estirada na minha cama, cansada, dormindo, acho, e eu nu fumando e olhando pro espelho da penteadeira. O nome da outra no meu braço e eu nem lembro mais do rosto dela.


Vi a bunda da outra se mexendo de um lado pro outro e quase que tive coragem pra mais uma, mas deixei pra lá. Fiquei bolinando com ela só pra passar o tempo. Mas o fato é que aos poucos ia lembrando que era diferente a vida como ela se apresentava agora. A loira gemia baixinho e fazia careta. Cheirei meus dedos e ela ria. Sem vergonha. Aí eu recomecei. E que conheci a Giovana. Mas ela não era importante. Só gostava de comer ela aqui e acolá. Mulheres são isso mesmo: ou você encontra a certa e ela te dá um pé na bunda ou você mexe com as erradas e se dá por satisfeito. Mas nada disso me satisfazia.


Olhei com nojo da bunda dela se abrindo pra mim.

- Tá bom, tô cansado.

- Não quer mais?, ela perguntou.

- Só se você se fingir de morta, eu disse.

- Tá. E fechou os olhos toda aberta na minha cama.


*


Procurei o crioulo da cela e o encontrei numa esquina fumando um cigarro.

- Olha aí o amarelo da bunda grande, me disse ele.

- Diz aí, cara, respondi e repentinamente lembrei aquela merda na latrina da sela, não sei por que.

- Ô Gil, pega uma pro rapaz aqui e põe na minha pindura.

- Vai pagar quando, seu pilantra?, perguntou um velho bigodudo e gordo que tinha uma camisa de botão esfarrapada subindo do balcão com um cigarro preto na boca. Não obteve resposta e relutante, soltando uma praga em voz baixa serviu-me a cachaça.

Paguei.

- Que te fez vir de tão longe, amarelo?, perguntou o negão. Repensou minha proposta?

- Vai se foder, seu seco. As nêga daqui dão mais pro gasto não?

- Diz logo, lady.

- Seguinte: vou abrir uma igreja.

- Uma igreja?

- É. Eu lembrei um dia desses que uma vez tu falou que tua mãe achou que tu pudesse se converter através da religião, não foi?

- Foi.

- Então vou abrir uma igreja de pecaminosos. A Igreja de Satã, por assim dizer.

- Vai se foder, ô pá, tá ouvindo isso, Gil? Esse cara tá doido!, Fumou o quê, pinéu?

- É sério. Se Deus não escuta os nossos chamados, nós, os renegados, então alguém tinha que escutar. Quem seria?

- Poderia ser o Chico Xavier, poderia ser a Mãe Diná, Zumbi e o quilombo dos Palmares, poderia ser até o Alan Kardec, porque logo o Outro? O Coisa Ruim?

- Esse povo não dá a mínima.

- Escuta aqui, vou fazer parte disso não, amarelo. Sinto muito.

-Cê vai parar de descascar bronha.

- Sério?

- Juro por Deus.

- Irônico do caralho.

- Seja o que Deus quiser.

Irônico sou eu, pensei.


Saímos do bar e pagamos por duas cachaças que não bebemos.

- A conversão já começou, foi?, gritou o velho Gil detrás do bar.


*


Alugamos um velho galpão abandonado e começamos com um número mínimo de seguidores. Regra número um: não se usava uma bíblia ou qualquer coisa que se pudesse auxiliar nas pregações. Regra número dois: Porque a mãe do Gerônimo não admitia (esse era o nome do negão), mudamos o nome da igreja para Livre Arbítrio. Regra três, evangelizar era uma tarefa essencial. Se você fosse até a igreja, teria que trazer um seguidor através de dois métodos: encher o saco, que consistia em perturbá-lo da maneira mais inoportuna possível e se caso este não funcionasse, viria então a parte mais difícil que era o Foder Com o Próximo.


Muitos seguidores da igreja morreram durante a primeira fase da evangelização. Caso de um, que apedrejou o teto da casa de um malquerer, e o homem saiu com um revolver e sapecou três tiros na cara do infeliz. Neste caso, pegamos o corpo, pusemos no altar e decidimos que traríamos o outro para escutar a pregação. Antônio Três Pés e o Vavá foram à casa do homem deram uma surra nele, sodomizaram com a esposa do cara e com a sogra, que por sorte estava lá, e o trouxeram à força para assistir a cremação do Lourenço, que fora o homem que ele matara há três dias. O corpo já fedia no altar, tinha vermes nas feridas do pobre diabo e moscas pousavam na sua boca e olhos que permaneceram abertos. Fora conservado apenas no primeiro dia á base de éter. Fico feliz que não houvesse crianças na casa. O homem chorou e disse então,

- Aceito, eu aceito vir pra cá, mas pelo amor de Deus não me machuquem mais! Deixem minha família!

Aplausos explodiram na igreja e todos gritaram, Aleluia! Glórias mil! Confesso que para reunir aquela cambada que ali se encontrava foi difícil. Eram veados, travestis, transformistas, lésbicas, obesos, negros, argentinos, judeus, estupradores, assassinos, estelionatários, políticos e aleijados, convivendo num mesmo espaço que mais parecia o paraíso. Todos se sentiam à vontade para fazer e não fazer o que bem quisessem.


Durante a pregação era comum que aqui ou acolá alguns se pegassem no tapa, puxassem uma faca e a pancadaria comesse lá dentro. Feliz era o dia em que não morria ninguém numa pregação. Como a sacada do galpão fora pintada de tal maneira que ninguém poderia não dizer que aquilo era uma igreja, não houve maiores problemas. Aquela cara de Jesus apontando para o nome Igreja Livre Arbítrio de Deus escrito em cima de um arco-íris não suspeitaria nenhum indício do que lá acontecia.


*


- Eu sou mulher, eu juro que sou mulher!, gritava o veado pobre e barbado que tinha seios de silicone, pondo a mão aberta de lado sobre os seios e segurando com a outra o microfone.


Contratei um pastor profissional que já tivera sido inclusive padre da igreja católica, com direito a ir à em Roma e tudo o mais. Fora expulso do clérigo por ter pegado nas partes de um menininho num interior desses por aí. Depois, se converteu para a igreja evangélica. Parece que chutou uma santa numa pregação ao vivo e teve de sair da tal igreja.

- Mas são só boatos, tudo mal entendido, juro.

- Não tô nem aí, meu filho, eu disse.

O dinheiro que arrecadávamos estava sendo muito bem aproveitado, diga-se de passagem. Roupas novas, carros, mulheres, cigarros, bebidas. O Gerônimo, que só batia punheta, agora tinha três mulheres e negava fogo agora na mesa de bar. Fez implante dentário, malhou e usa terno e gravata. Eu ando de bermudão, porque não quero chamar atenção.

E ele gritava,

- Você é uma mulher?

- Se você acha que é, quem dirá o contrário? Você é uma mulher?

- Eu nasci assim, senhor, eu nasci assim!

- Você se sente uma mulher? Feche os olhos e de olhos fechados olhe para si mesma: o que vê? Óh, eu vejo meus seios, grandes, lindos, não tem pêlos entre eles... Eu tenho uma xoxota, padre, eu tenho!, ela é lisinha, raspadinha... Minhas pernas são lindas...

- E sua bunda, filha, como é?

- É grande!

- Aleluia!, gritava o padre, seguia-se a igreja a gritar mil aleluias, e o veado chorava e mostrava os seios e o padre, sem vergonha do caralho, chupava eles e ria, e gritava,

- Você é o que você sempre sonhou em ser, o que você guarda em si, o que você sonha, é o que você é!

- Padre?, levantou a mão um homenzinho que estava de pé numa cadeira,

- Eu quero ser grande. E aí?

Escaparam-se as gargalhadas, mas isto era de praxe.

- Venha aqui, desgracido, dizia ele que era de Curitiba. Feche os olhos. O que as pessoas já disseram sobre você?

- Já me chamaram de tudo o que há nesse mundo, padre... Já me chamaram de tronco de amarrar jegue, pintor de rodapé, resto de esperma, salva-vidas de aquário, tampinha, toco de gente, resto de gente, projeto de gente... Tudo isto, só o que eu me lembro, padre... É muita humilhação. Nem pra ser ator pornô eu sirvo. Meu pau nem é grande e eu descobri que aquela teoria do L é relativa: o homem grande tem um pênis normal, só parece pequeno porque ele é grande, e nós pequenos, como eu, parece grande porque somos pequenos... É tudo ilusão de ótica, padre.

- Filho, já vi que você é homem inteligente. Olhe pra você. O que você faz da vida? Eu escrevo. Mas não ganho dinheiro com isso. Trabalho num escritório de advocacia, desde os dezoito anos. Estagiário.

- Você é grande, feche os olhos dos seus olhos e olhe agora, abrindo-os de uma só vez e perceba o seu tamanho: Você é grande homem.

- Não sou não. Mas vou deixar estar.

- Aleluia!

- Aleluia, responderam.


Aquilo era realmente um circo de horrores.


- Senhor, eu quero voltar para a sociedade, eu quero me reabilitar, falava um preto desdentado. Por um momento quase vi Jerônimo, que tirou o G do seu nome porque queria ficar mais parecido com Jesus Cristo. Andava ultimamente com uma idéia boba de parecer com ele, a ponto de deixar crescer aqueles cabelos ruins. Ficou uma graça, no natal, quando veio com aquela roupa de muçulmano, aquela barba enorme e pó de arroz na cara. Rio e volto os olhos pro preto magrelo.

- Meu filho, você acredita em Deus?

- Acredito no que o senhor quiser.

Estendeu cem paus pro preto.

- O que é isso seu padre?

- Dinheiro.

O preto pôs no bolso e disse,

- Obrigado padre.

- Pau nele!, gritou o padre.

Levantaram-se todos e espancaram o homem que gritava tampava o rosto e só se ouviu aquela confusão, gente correndo de todo lado, o padre pediu que se afastassem os fiéis e disse em seguida para o homem que perguntou antes,

- Porra, mas o que foi que eu fiz?

- Você roubou. Não precisa acreditar em Deus pra se converter, meu filho. A mudança parte de dentro pra fora.

- Mas você me deu os cem paus!

- Não dei. Mostrei. Psicologia mais sacana a do padre.


*


Pobre é foda. Ela poderia ter subido no salto, ter ficado rica, mas me viu bem, e aí não dá pé.

Ela quis voltar. Mulheres, como se conviver com elas? Não se convive, Se sobrevive, eu penso. Minha ex-mulher soube da igreja e veio procurá-la. Olhei-a lá de trás, da minha sala que ficava fechada. Ela abriu a porta e disse que queria falar comigo.

- Você não tem escrúpulos, ela me disse.

- Ele te deu um dicionário ou tu ensaiou pra me dizer essa palavra?, gracejei e perguntei o que tinha feito, mas depois levei uma tapa na cara e depois um beijo na boca.

- O que é que tá acontecendo aqui?, eu perguntei empurrando-a. Ela não quis saber de conversa. Disse que se eu não a aceitasse de volta ia chamar a polícia pra mim, porque o marido dela é um traveco que freqüentava a minha igreja e que agora dera para levar homens para casa e fazer sodomia.

- Na frente das crianças, Tião! Na frente da Clarissa!

Foda-se, eu pensei.

- É a vida, eu disse. Vivei e deixai viver.

- Você me paga, seu filho da puta, ela disse.

As pregações do padre deram jeito. Quase me vi falando como ele.

A polícia deveria estar vindo por aí a qualquer momento. Dava tempo de sumir com o dinheiro das arrecadações. Peguei o cofre, abri, puxei tudo o que tinha dentro: jóias, dólares, reais, pesos, libras (porra, libras?), euros... Passei pelo galpão e vi que ninguém me viu. Em terra de cego quem tem olho é rei, pensei. Entrei no carro, liguei a chave no contato, arriei a capota e som do motor roncou pela avenida. Me pegar é que eles não iam. Se foder, pensei.


Já ia na esquina da avenida do meu ex-emprego quando a polícia me parou apontando armas pra minha cara e seis viaturas fecharam as saídas. Saí do carro com as mãos pra cima e disseram,

- Mão na cabeça vagabundo.

- Porra, e eu estou de terno, gravata, barba feita e sapato de couro italiano. Absurdo que isto se repita. Não dá pra dizer, Mão na cabeça cidadão?

- Vai se foder, porra, falou um policial me empurrando a cabeça dentro do porta-malas do camburão. Achei ruim ter que voltar praquela merda em que eu estava de novo.

Lá dentro Jeremias estava olhando a lua entre as grades finas do camburão, com uma espécie de ternura angelical.


*


Chagas abertas... Chagas abertas não. Pai nosso que está no céu... Pai nosso não. As mulheres nos escutam melhor. Ave Maria cheia de graça... Graça numa desgraça desta parece até blasfêmia. Lá estávamos de novo eu e o negão de joelhos do lado da privada novamente. Eu desisti de rezar, e a luz da lua invadia a sela, iluminando o rosto de Jesus Cristo do Jerônimo, que fazia uma cara de santo e repousava as mãos no ar, como a imitar o Nazareno. Eu ri da cara dele e ele também riu. Desfez a pose e nos pusemos de novo a olhar para dentro da privada e vimos que lá estava a bosta de novo e desta vez parecia maior. As moscas eram muitas desta vez e eram belíssimas varejeiras azuis e verdes que pareciam levantar as mãos para o alto e esfregavam-nas como quem quer rezar. Todas as moscas fazem isto. É só ver.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

E no meio do Samba da Benção...


"Senão, é como amar uma mulher só linda; e daí?
Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza
Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado,
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,
Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor,
e para ser só perdão."

Vinícius de Morais

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Aparências.

Sentei por um momento na frente de meu filho, deu a entender que eu iria vir como de praxe cobrar-lhe boas notas, cobrar-lhe qualquer coisa que ele estivesse por fazer errado em duas horas de conversa, intermináveis para ele, eu até entendo a sua chateação. Mas ser pai, é um horror. Nunca se chega para ser o vilão da história, mas sim para ser aquele que põe a mão no ombro e ser dele, o filho, o mais próximo de um amigo que as relações que cobrem um teto permitem. Fazemos o possível, mas não sei que dá quando vamos caminhando na direção deles, parece que na nossa testa vem escrito, Vou conversar duas horas com você. Já vemos no olhar do filho que ele quer fugir, mas aí vem a vilania que nós sempre iremos abominar, mas que inevitavelmente nos conduz a tanto. Ser pai é péssimo. Lembro do meu, que vinha solene, com aquele ar altivo, ajeitando os óculos, levantando as calças pelos cintos e sentando naquela poltrona e desenrolando uma filosofia toda metafórica que só os pais sabem criar. Eu não sabia que era assim, mas quando um pai começa a falar, ele pode não ter instrução, como não tinha o meu, mas faz paradoxos, por vezes risíveis ou difíceis de acreditar, mas sempre com um desfecho moralista que nos faz sentir culpados pelo menos por duas horas depois do fim da conversa.
Meu filho quer se levantar, fecha os livros, eu tenho então que parecer o vilão, e levantar a voz, dizer, Fica aí, e ele tem que obedecer. O que nos diferencia são apenas dezesseis anos, e veja só como ele está agora: um homem maior que eu, do tamanho desta porta. Me sinto quase constrangido em lhe dizer que não faça certos tipos de coisas. Por exemplo agora. Como vou falar para um quase homem mais alto que eu que ele não deve fumar?, e como vou explicar que encontrou isto em sua mochila enquanto mexia nela, sua mãe?, mas a Desiré é osso duro de roer, a mulher. Ela me encurralou na parede e disse, Ele tá fumando, José.

- Ou você descobre isso por você mesmo ou eu vou ter que descobrir por mim mesma. Nem você fuma nessa casa, porque que ele tem que fumar. Coisa mais nojenta, cigarro. Vá lá, converse com ele, ou eu vou bater nele, e se você não gosta, imagine eu. Daí, como fazer isto?, o menino tem quatorze anos, já deve estar se tremendo todo. Mas eu nem estou com raiva. Pense bem José, você está diante de uma situação que não contém nenhum risco. Pior seria se ele estivesse com um cigarro de maconha ou então uma carreirinha de pó. Deus me livre uma pedra de crack. Coisa horrível. Será que ele viu o bater de nós dos meus dedos na mesa de madeira. Ele olhou para os cadernos, e suspirou um puta que pariu que eu quase escutaria se estivesse com raiva. Pus o cigarro em cima da mesa e ele olhou contorcendo a boca. Ficou calado a observar o cilindro pequenino e branco de filtro amarelado, meio amassado ainda estava, na ponta caia ainda um pouco do tabaco na mesa. Ele não deu palavra, peguei-o de volta, o cigarro, e chamei meu filho para o segundo andar, onde tinha a sala de estudos que era também um escritório e biblioteca. Lá ele desviou o quanto pôde o seu olhar do meu, como que a procurar uma desculpa para aquele erro. Temos disto em nós, de repetir a pergunta para desviar a atenção das pessoas que nos questionam enquanto estamos matutando em nossa mente a resposta mais conveniente para tal.

- Que vacilo, hein?, lho perguntei, e ele desviou por um instante os seus olhos da janela.

- A mãe achou, não foi?, ele revolveu a pergunta, enquanto sentava na cadeira a minha frente e eu abria as janelas, fazendo entrar um vento. Olhei por ela, e lá ia a Desiré no carro olhando para mim e fazendo aquele olhar de quem diz, Vá lá e mostre pra ele. Mandou um beijo no ar e saiu. Eu ainda a amo e isso é incrível. Tenho medo de lhe dizer a verdade, verdade que eu não consigo falar mais alto com meu filho. Não dá mesmo. - Achou. E ela quer que eu tome uma iniciativa com você.

- O quê?, perguntou ele.

- E eu é quem sei? Ela me acha um mole.

- Seja homem, pai. Me ponha de castigo, homem! Confisque o meu video-game. Proíba a internet, faça alguma coisa, eu sou o filho, tu és o pai, quer me adiantar esta responsabilidade? Quer me traumatizar? Eu não ligo pra isso. Estou mais preocupado com os meus livros, não confiscando-os, é o que importa. Tenho ainda prova de química e não sei o que fazer. Por isso, peço: só não confisque os livros. Teve alguma ideia?

- Não, me dá o isqueiro, pedi enquanto retorcia os dedos de nervosismo. Se tinha uma coisa que eu não gostava era de que me dissessem o que fazer. Mas se por acaso não me dão um direcionamento, fico a mercê do acaso. O acaso já me mostrou que é falho. Os resultados são sempre os mesmos, essa mistura de bom e ruim, que nos dá conformidade, nos faz pensar, É, não veio o que eu queria, mas vindo isto, está bom demais. Tudo bem, disse, vai pro seu quarto, está proibido de, de, de ver seus filmes, pronto.

- Tá ótimo, velho. Muito bem, disse ele, pondo as mãos no meu ombro e indo até a porta.

- Ei, você não vai falar nada pra sua mãe, vai?, perguntei, ridículo, me senti depois. Aquela pergunta me fez lamber o assoalho diante do meu filho. Que ser ridículo me senti. Meu pai teria vergonha, eu sei que meu filho tem vergonha desta personalidade submissa, destes gestinhos medíocres, desta coisa que se esconde pelos cantos da pauta de uma escritura, nos medinhos mais insignificantes, a tremelhicar os dentes sobre as unhas. Medo da perda sempre foi o maior problema da humanidade, e de todo jeito ela sempre acaba destruindo e não simplesmente perdendo para que outro possa achar. Eis que meu filho destruiu este medo, e em seguida esta minha cisma de ridículo que sou, pelo menos nesta frase que se segue.

- Claro que não, pai, ia sair, mas voltou e disse, Eu te amo, velho, e aí sim, fechou a porta e foi para o seu quarto, voltou ainda de uma vez e disse, Não te preocupas, homem, vou continuar guardando na mochila os teus cigarros.

- Obrigado. Falei automático e depois, com o cigarro a tostar em minhas mãos soltei uma baforada pela janela e lembrei de meu pai, que nunca fumou na vida e sempre e quis longe dos cigarros. Eu sabia que quando ele vinha conversar eu passaria a mesma vergonhosa situação pela qual passo agora. Mas eu não me importo. Eu amo a Desiré. Enquanto ela não se importa, eu vou fumando. Depois entro na ducha, tomo um banho com um sabonete cheiroso e a espero depois do trabalho na nossa cama, sentindo a sua respiração cansada e ofegante, dela, que pensa que não sei, fuma também.



Tire as Mãos de Mim - Chico Buarque.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

As Diferentes Visões.

- Furei. Furei mesmo. Furaria duas vezes; mil vezes se o puto aparecesse ali, na minha frente, paradinho do jeito que estava. E eu tenho culpa? O cara vem, faz o que faz, vira as costas, como se tudo fosse a coisa mais simples do mundo. Sacanagem. Queria ver você, e você aí, que estão apontando o dedo na minha cara vir dizer que não fariam o mesmo. Ah vá!, o cara xinga tua mãe, que morreu já. Tá com a carne seca já. Debaixo da terra, nem formiga quer saber de entrar pela cara da velha, daí vem ele, chama eu, (eu!), de filho da puta. Puta... Olha isso aí, seu doutor, aí é demais... Puta ela não era. Ganhava dinheiro honestamente, a minha mãe, seu doutor, viu? Lavava pra fora, com toda honestidade, nunca abriu as perna pra seu ninguém, não, doutor. Juro, juro. Daí o sujeito vem, tô aqui, trabalhando honestamente, depois de comer o pão que o diabo amassou no xilidró, encontro o seu Nestor, que abre as porta do estabelecimento na maior pra mim, viu? E o cara vem tirar de valentão pra cima de mim, (de mim!) só porque eu derrubei a sacola dele, daí tinha um bagulho que quebrava, de leve, sabe? Daí vi que era ovo. Pagando de playboy e comendo ovo, o cara? Brincou né? É, é, é... eu também ri, réééé... Daí o cara vai, sem vê nem pra quê, me aponta o dedo na cara, e diz, Cê é um filho da puta, mano. Puta incompetente. Daí vi que o pilantra era do Rio. Já tive lá, sim senhor, muito legal, maior onda, sabe?, mas daí, então, o cara vai, não satisfeito, senta uma bolacha em mim, doutor, (em mim!). Aí, nêgo, pô, sou honesto, mas não sou besta, liga? O senhor agüentava? Não? Pois é, nem eu, doutor. Empurrei o menino, mesmo. Furei ele com a caneta, mas foi só de raiva. Só porque neguin é pobre merece isso não, sabe? E minha mãe, coitada, nem se defender podia, delega... Viu minha mãe em cima de um home? Nem viu. Viu ela, pelo menos? Nem viu... Ela não tem culpa do filho que teve não, seu doutor, o sargento aí deve saber que viver ali não é paraíso, né não? Pois então... Ta aí, o playboy, ouve o que ele disser aí, tô nem aí. Agora perco meu emprego, fico fudidão agora, vô voltar pra rua porque o branquelo azedo, o cagada de urubu vai dizer qualquer coisinha aí. Daí, bonitinho, engravatado e furado, todo cagado de sangue, o ruim vai ser eu. O chefe tava lá, mas o que fazer, né doutor: "O cliente tem sempre razão". Pode ir lá, seu doutor, nem me arrenego. Nã, nã. Vá lá. Onde? Aqui né? Tem água? Sede doida. Dá nem pra tirar as algema não, sargento? Tá bom, vai assim mesmo. - Então, seu delega, cheguei lá, como sempre faço, e o rapaz nunca tinha trabalhado comigo, entendeu? Empacotava pouco e ruim. O cara ensacava o negócio cheio de mal gosto. Olhei pra cara dele, manja? E ele puto, cara feito um bicho pro meu lado. Daí resolvi chiar pra ele, pra ver se me respeitava, pô. Vê se fazia graça de carioca, se liga? Mas o cara ficou foi mais puto. Esse aí, desde o início tava querendo confusão. Olhou pra minha cara e pensou, Esse aí merece que eu enfie uma caneta nele. Ora, seu doutor, olha pra cara dele. Preto, pobre, sujo, deve ser vagabundo. Tem cara de vagabundo, né não? O senhor, tendo experiência com essas coisas, olha pra cara dele, diz: tem, ou não? Olha pra cara dele ali na vidraça, tem o jeito todo de um vagabundo não, ele? Porra, a gente saca logo vagabundo pelo andado, doutor. Meu advogado aqui, Doutor Traumaturgo, sabe disso. Antes, era defensor público, eu que tirei ele da merda. Ele sabe como é o negócio. Daí vem com aquele jeito de pobre decente. Qual o que! Tá aqui o decente no meu braço. Se eu não desvio furava meu peito o puto. Se eu xinguei a mãe dele? Xinguei não, senhor. Da onde? Olhe bem pra mim, seu doutor, sou moço sério, direito, faço faculdade. Aqui ó: Estudo Educação Física. Se dá muita gata? Pô dá demais, cara. Te juro. Cada uma, delega, cada uma!, rá rá rá! Pois sim, voltar, né? Ofícios, ré ré ré. Pois, xinguei não, senhor. O rapaz foi que soltou um palavrão aí eu disse, sim, Porra, mas que ovo filho da puta. Ovo, sim. Ele nem ouviu... Mas o gerente ouviu, conhecido meu, parceiro, ele. Tava lá no caixa. Poxa, doutor, ovo é bom, gemada, dá um gás, sabe? Meu pai já deve vir aí, mas acho que nem precisa. Sabe aquela rede de supermercados? Então. É! É ele, rá rá rá! O ataque, né? Foi assim, ele me xingou, me empurrou, entendeu? Daí eu tive que revidar doutor. Dei uma bifa nele de leve, tipo assim, vem aqui Doutor Traumaturgo, assim, ó. Tá aí, doeu, doutor?, então, foi desse jeito. Se bem que na hora do desespero, nem dá pra saber realmente como foi né? Então... Daí fode, né? Perdão o palavrão. Mas sim doutor, quê mais? Tô liberado? Ôpa, pois boa tarde pro senhor, viu? Mando um frangão daqueles pro senhor, viu? Que é isso! Precisando ó. Ah, claro, pode deixar, dou o toque lá das periguetes do senhor, mas vamo malhar, né? Tchau doutor, lembranças. - Sei de nada não, senhor. Quando eu vi a cagada já estava feita. O rapaz, moço decente, com a mão no braço, aquele monte de sangue sujando o balcão, os clientes correndo, gritando, gente assustada, e o meu funcionário, aliás, ex, talvez, ali, atracado com o homem. Ah, ele sempre foi esquentadinho mesmo. Eu contratei ele porque conheço desde pequeno. Sou padrinho dele, né? Daí o senhor sabe: a gente tem que dar uma chance pra esse povo, né? Foi pra prisão, fez coisa errada, andou fazendo o que não devia... Mas o que se há de fazer? O mundo é isso mesmo, a gente se surpreende com as pessoas. Achei que tudo dava certo, que tudo ia bem, mas aí ele me apronta uma dessas, rapaz. Tenho pena dele, porque a gente faz o que pode, né? Agora vai lá agride o cliente, assusta todo mundo... E eu que dei oportunidade a ele, né doutor. É osso... Mas que fazer, a vida é cruel, ingrata por si só. Ele dava nojo de ver doutor, deixava de ir pro colégio, todo mundo via, eu via, os vizinhos, pra ficar se acompanhando com quem não presta. Eu ia fazer o quê? Sou padrinho, não sou pai! Podia pegar ele pelo braço, mas cada um que cuide dos seus, né não? A gente tem que se cuidar, doutor. O rapaz? o rapaz me parece ser moço direito. Estava comprando umas coisas lá, suporte energético, eu vi. Como? Ah sim, eu vi depois, nem estava perto, vi depois, quando as sacolas estavam no chão, entendeu? Pois é. Se eu tivesse perto lá tinha deixado isso acontecer doutor? Sou cidadão direito. Pois é. Ah não era suporte energético? Era ovo? Mentira... Pra você ver né doutor, como as coisas são. Um carrão daqueles e comendo ovo! Rá rá rá, ai, ai... Pois então, eu só sei que o senhor é quem sabe, doutor. Dei meu parecer. Vi pouco e pouco posso dizer. Disseram que eu estava perto, mas nem estava. Estava na gerência, todo mundo viu que eu saí de lá correndo. Eles disseram foi? Mas eu não estava não, estava não. Pois é. Que vai acontecer com o rapaz? Vai ser preso? Pois é, né? É a vida doutor, é a vida. Pois bem, obrigado viu, seu doutor, até a vista. Queira Deus que não nos vejamos mais, né? Ré ré ré. Aqui ó, só pra garantir que não vou precisar mesmo. Ora, aquele adiantamento aí, né doutor. "Pra rir, tem que fazer rir", né não? Chegue lá depois pra gente tomar aquela cerveja gelada, viu? Então. Tchau doutor, tchau capitão. Recomendo Tropa de Elite 2 para todo mundo. Visão política que o outro tivera em menores proporções, Violência, sociologia explícita. Perturbador, inquietante. De certeza o melhor filme deste ano, no âmbito nacional. Sumido em decorrência das obrigações; Minha morena, eu te amo: dias e dias se somam, e isto é tudo mais que se pode dizer.