segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

(contato)


- terrivelmente passional. 
- cheguei ao ponto de não conter os dedos. 
- terrivelmente amável. terrivelmente incontido nos passos de chegar em qualquer lugar. 
- essas pequenas coisas que me fizeram maior que o tamanho que foi-me dado de graça (e quem o quereria?). 
- terrivelmente modesto. terrivelmente solitário, terrivelmente dramático. 
- foi assim que me despedi com um tiro na testa, três dias de luto, quase nunca tive lembranças suas. 
- aquela carta, nossas cartas, meus pêsames à sua mãe, bondosa mulher, seus irmãos, sua namorada. seu carro, sua carteira de identidade. suas contas a pagar, seus aluguéis atrasados. meu deus: quem foi aquele retrato?
- eu tinha uma foto sua na carteira: éramos nós dois um só. quando isso era ser eu, eu era você sei de cor os anos - minha idade, a mesma que a sua.
- preciso tanto.
- estes nossos dias vazios. 
- preciso tanto. 
- terrivelmente barulhenta sua voz cochichosa em meus ouvidos, não me deixa dormir. 
- eu sou seu terrivelmente frio lado, a mão que afaga o próprio cabelo em sinal de protesto contra o sentimento bobo. 
- você sempre foi e sempre será bonito, eternamente terrivelmente bobo, apenas. 
- quem você seria quando crescesse? 
- meus cabelos caem, as unhas crescem e se quebram, pinto-as, quando você chega, elas estão curtas, eu não quero te machucar. 
- tire essa areia dos olhos, eu não quero te ver pela penumbra, deixa os sapatos atrás da porta, abraça, volta, sai, não deixa vir essa treva. e deixa, mas porque queremos (queríamos) não há nada para dizer, não há nada mais evidente nessa nossa cidade que essa chuva que cai fina e aumenta, e nebuloso no estio (nunca entenderei).
- vamos embora, um dia.
- quem sabe.
- esse tiro na testa não te deixa estar.
- esse tiro na testa não vai permitir mais nada.

eap

sábado, 12 de janeiro de 2013

casa aberta


num céu deixo-te exposto todo o meu nada
para te contentares com esse tudo estrelado
que é o que te tenho a oferecer.

[astros invalidados pelo tempo.
mortos no instante em que os vemos:
não são assim tão reais?]

dou-te minhas mãos e braços
meu endereço e telefone,
as chaves da minha casa,
uma roupa quente de dormir.

um café mais doce, mais leite.

areia de mar na porta de casa,
teu lençol, travesseiro, terra terra terra e ar.

dou-te o silêncio do meu sono intranquilo.
mas não tenho obrigações à dar,
minha preguiça, teu cochilo,
nem respondo ao que vamos ser

(e eu já nem quero saber
até onde isso vai dar).

eap

mundo

não encontro cá lugar nesse mundo
onde eu me sinta completo.
entretanto, se todo mundo
em si mesmo é um mundo,
em mim mesmo me acho, me fundo,
me entrego.

eap

já faz tempo...

faz tempo que te não vejo... não te mando recados, não te envio flores, não bato à tua porta, não te telefono, nem envio cartas, muito menos aquelas, que não precisam do carteiro (a carta que se entrega de cara limpa, coração sujo de qualquer coisa), faz tempo que a gente não se encontra pra falar das coisas que nos incomodam, que a gente não sente preguiça juntos, que não te faço rir tentando ficar sério, faz tempo que faz tanto tempo, que eu já parei de te existir.

eap

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sem nome nº 33

eu não conto horas nem minutos
e mantenho uma relação estável
com o que se passa por fora.
já disse que a batalha é implodida
e há vitória (se há vitória).

***
e alguém me disse o certo - que me soa errado.
por isso erro meu acerto, e vou minando
os passos que calmamente vou deixando para trás.
não pretendo voltar, olhar e ver:
saí de mim, saí do todo.
***
quase sempre minto,
mas essa não é a verdade.
a verdade é que cada dia mais minha mentira
vai mostrando escavacada verdade - disse-me:
"decifra-me ou te devoro"
nadar na bile é consequência.

eap

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

não te abandonei

tenho me mantido longe, das palavras
e mantido-me mais perto das vontades.
qualquer coisa que me faça bem ao peito
eu tenho aceitado de bom grado.

algo um tanto mais forte
um tanto mais condizente
com meus dias
tem me feito sumir.

o sumiço de minhas palavras
será o sumiço de minha existência.

pois nada sei da vida que fazer,
que desses caminhos tortos nenhum eu trilho
com a certeza de não tropeçar
eu apenas escrevo, a ponta que me guia
vai ao papel,
e ainda assim,
a tinta meu sangue
a tinta me sangra
me sangro todo
ao papel.

que coisa não sou senão isto que me escrevo?
já posso me gabar de falar de amores
que nunca amei,
de amares
que nunca falei,
e de coisas que me são tão novas - onde eu encontro
a resposta pro meu desalinho
senão no espelho?

gaguejo muito,
beijo pouco,
falo menos ainda,
bandeira.
sou teu discípulo desde ontem!

o posto de capitão de mim
quem vai tomar senão eu?

ao poeta que vos fala
resta o ponto final,

eap

30 min de silêncio

cheguei à sua casa, nada dissemos - ele sabia que eu não diria nada, sabe do meu jeito - sete anos de amizade, oito, por aí, sabe bem que não falarei. era meia hora de silêncio, eu teimoso feito um carrapato. um carrapato que suga o sangue - eu sugo o silêncio e a má vontade do ar pesado - preso à árvore, preso à vontade. meia hora disposta. não há melhor comparação - um carrapato não atinaria pensamento em entender o que há aí, eu tento, não consigo, vontade não me falta. mas deixo, deixo e não deixo, pois que passou-se a tal meia hora. me fui, sem pensar, sem levar nada dentro do peito, a não ser a cócega da situação - talvez o silêncio faça bem à amizade.

eap